quinta-feira, 4 de junho de 2009
Retrato de uma cidade
I
Tem nome de rio esta cidade
onde brincam os rios de esconder.
Cidade feita de montanha
em casamento indissolúvel
com o mar.
Aqui
amanhece como em qualquer parte do mundo
mas vibra o sentimento
de que as coisas se amaram durante a noite.
As coisas se amaram. E despertam
mais jovens, com apetite de viver
os jogos de luz na espuma,
o topázio do sol na folhagem,
a irisação da hora
na areia desdobrada até o limite do olhar.
Formas adolescentes ou maduras
recortam-se em escultura de água borrifada.
Um riso claro, que vem de antes da Grécia
(vem do instinto)
coroa a sarabanda a beira-mar.
Repara, repara neste corpo
que é flor no ato de florir
entre barraca e prancha de surf,
luxuosamente flor, gratuitamente flor
ofertada à vista de quem passa
no ato de ver e não colher.
II
Eis que um frenesi ganha este povo,
risca o asfalto da avenida, fere o ar.
O Rio toma forma de sambista.
É puro carnaval, loucura mansa,
a reboar no canto de mil bocas,
de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas,
no ritual de entrega a um deus amigo,
deus veloz que passa e deixa
rastro de música no espaço
para o resto do ano.
E não se esgota o impulso da cidade
na festa colorida. Outra festa se estende
por todo o corpo ardente dos subúrbios
até o mármore e o fumé
de sofisticados, burgueses edifícios:
uma paixão:
a bola
o drible
o chute
o gol
no estádio-templo que celebra
os nervosos ofícios anuais
do Campeonato.
Cristo, uma estátua? Uma presença,
do alto, não dos astros,
mas do Corcovado, bem mais perto
da humana contingência,
preside ao viver geral, sem muito esforço,
pois é lei carioca
(ou destino carioca, tanto faz)
misturar tristeza, amor e som,
trabalho, piada, loteria
na mesma concha do momento
que é preciso lamber até a última
gota de mel e nervos, plenamente.
A sensualidade esvoaçante
em caminhos de sombra e ao dia claro
de colinas e angras,
no ar tropical infunde a essência
de redondas volúpias repartidas.
Em torno de mulher
o sistema de gesto e de vozes
vai-se tecendo. E vai-se definindo
a alma do Rio: vê mulher em tudo.
Na curva dos jardins, no talhe esbelto
do coqueiro, na torre circular,
no perfil do morto e no fluir da água,
mulher mulher mulher mulher mulher.
III
Cada cidade tem sua linguagem
nas dobras da linguagem transparente.
Pula
do cofre da gíria uma riqueza,
do Rio apenas, de mais nenhum Brasil.
Diamantes-minuto, palavras
cintilam por toda parte, num relâmpago,
e se apagam. Morre na rua a ondulação
do signo irônico.
Já outros vêm saltando em profusão.
Este Rio...
Este fingir que nada é sério, nada, nada,
e no fundo guardar o religioso
terror, sacro fervor
que vai de Ogum e Iemanjá ao Menino Jesus de Praga,
e no altar barroco ou no terreiro
consagra a mesma vela acesa,
a mesma rosa branca, a mesma palma
à Divindade longe.
Este Rio peralta!
Rio dengoso, erótico, fraterno,
aberto ao mundo, laranja
de cinqüenta sabores diferentes
(alguns amargos, por que não?),
laranja toda em chama, sumarenta
de amor.
Repara, repara nas nuvens; vão desatando
bandeiras de púrpura e violeta
sobre os montes e o mar.
Anoitece no Rio. A noite é luz sonhando.
Tem nome de rio esta cidade
onde brincam os rios de esconder.
Cidade feita de montanha
em casamento indissolúvel
com o mar.
Aqui
amanhece como em qualquer parte do mundo
mas vibra o sentimento
de que as coisas se amaram durante a noite.
As coisas se amaram. E despertam
mais jovens, com apetite de viver
os jogos de luz na espuma,
o topázio do sol na folhagem,
a irisação da hora
na areia desdobrada até o limite do olhar.
Formas adolescentes ou maduras
recortam-se em escultura de água borrifada.
Um riso claro, que vem de antes da Grécia
(vem do instinto)
coroa a sarabanda a beira-mar.
Repara, repara neste corpo
que é flor no ato de florir
entre barraca e prancha de surf,
luxuosamente flor, gratuitamente flor
ofertada à vista de quem passa
no ato de ver e não colher.
II
Eis que um frenesi ganha este povo,
risca o asfalto da avenida, fere o ar.
O Rio toma forma de sambista.
É puro carnaval, loucura mansa,
a reboar no canto de mil bocas,
de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas,
no ritual de entrega a um deus amigo,
deus veloz que passa e deixa
rastro de música no espaço
para o resto do ano.
E não se esgota o impulso da cidade
na festa colorida. Outra festa se estende
por todo o corpo ardente dos subúrbios
até o mármore e o fumé
de sofisticados, burgueses edifícios:
uma paixão:
a bola
o drible
o chute
o gol
no estádio-templo que celebra
os nervosos ofícios anuais
do Campeonato.
Cristo, uma estátua? Uma presença,
do alto, não dos astros,
mas do Corcovado, bem mais perto
da humana contingência,
preside ao viver geral, sem muito esforço,
pois é lei carioca
(ou destino carioca, tanto faz)
misturar tristeza, amor e som,
trabalho, piada, loteria
na mesma concha do momento
que é preciso lamber até a última
gota de mel e nervos, plenamente.
A sensualidade esvoaçante
em caminhos de sombra e ao dia claro
de colinas e angras,
no ar tropical infunde a essência
de redondas volúpias repartidas.
Em torno de mulher
o sistema de gesto e de vozes
vai-se tecendo. E vai-se definindo
a alma do Rio: vê mulher em tudo.
Na curva dos jardins, no talhe esbelto
do coqueiro, na torre circular,
no perfil do morto e no fluir da água,
mulher mulher mulher mulher mulher.
III
Cada cidade tem sua linguagem
nas dobras da linguagem transparente.
Pula
do cofre da gíria uma riqueza,
do Rio apenas, de mais nenhum Brasil.
Diamantes-minuto, palavras
cintilam por toda parte, num relâmpago,
e se apagam. Morre na rua a ondulação
do signo irônico.
Já outros vêm saltando em profusão.
Este Rio...
Este fingir que nada é sério, nada, nada,
e no fundo guardar o religioso
terror, sacro fervor
que vai de Ogum e Iemanjá ao Menino Jesus de Praga,
e no altar barroco ou no terreiro
consagra a mesma vela acesa,
a mesma rosa branca, a mesma palma
à Divindade longe.
Este Rio peralta!
Rio dengoso, erótico, fraterno,
aberto ao mundo, laranja
de cinqüenta sabores diferentes
(alguns amargos, por que não?),
laranja toda em chama, sumarenta
de amor.
Repara, repara nas nuvens; vão desatando
bandeiras de púrpura e violeta
sobre os montes e o mar.
Anoitece no Rio. A noite é luz sonhando.
O piano a preto e branco
Aquele desenho de caracois rolados
onde se compreendia um rosto vago
coloquei-o no sofá vermelho
junto ao candeeiro.
Complexo na técnica singular
imprimia o facto de uma presença ténue
ou talvez uma ausência em fuga de concreto.
A preto e branco
na folha de um qualquer bloco
enquanto ouvia o piano
os dedos nele numa dança
nas teclas deitadas de passagem
rápidas ou lentas
emotivas
e a espaços
em pausas na melodia.
Música plena sem nome
na distância apenas sombras tremidas
de minimas, semínimas, colcheias
e um cálice de Porto na luz da lareira.
Um toque invisível no canto do ombro
o desvio do olhar (extremos da mente)
nos quadrados nocturnos de uma janela;
supuz as estrelas de modo diferente
nascentes de cabelos que desciam cadentes
numa tal mistura de ondas e curvas
que mal se distinguiam as estrelas
dos cabelos e o contorno claro
-lado absorto da redonda lua.
Na folha flectida do desenho único
supuz a vida sem sono estendida
no eco duplo dos passos
batidas certas de ritmos
nos silêncios dos passeios.
Pensei de um outro modo
a troca do direito das coisas
um outro rumo
na imagem de um mar de vagas
transformadas
num mar de espumas.
Sorriste de rosto nítido
aos caracóis de cabelo
no desenho de improviso
era de dia;
e compreendi
junto ao candeeiro
o poder das sombras nos lábios
não como ausência de luz
como acalmia
refúgio
no tempero dos sentidos.
onde se compreendia um rosto vago
coloquei-o no sofá vermelho
junto ao candeeiro.
Complexo na técnica singular
imprimia o facto de uma presença ténue
ou talvez uma ausência em fuga de concreto.
A preto e branco
na folha de um qualquer bloco
enquanto ouvia o piano
os dedos nele numa dança
nas teclas deitadas de passagem
rápidas ou lentas
emotivas
e a espaços
em pausas na melodia.
Música plena sem nome
na distância apenas sombras tremidas
de minimas, semínimas, colcheias
e um cálice de Porto na luz da lareira.
Um toque invisível no canto do ombro
o desvio do olhar (extremos da mente)
nos quadrados nocturnos de uma janela;
supuz as estrelas de modo diferente
nascentes de cabelos que desciam cadentes
numa tal mistura de ondas e curvas
que mal se distinguiam as estrelas
dos cabelos e o contorno claro
-lado absorto da redonda lua.
Na folha flectida do desenho único
supuz a vida sem sono estendida
no eco duplo dos passos
batidas certas de ritmos
nos silêncios dos passeios.
Pensei de um outro modo
a troca do direito das coisas
um outro rumo
na imagem de um mar de vagas
transformadas
num mar de espumas.
Sorriste de rosto nítido
aos caracóis de cabelo
no desenho de improviso
era de dia;
e compreendi
junto ao candeeiro
o poder das sombras nos lábios
não como ausência de luz
como acalmia
refúgio
no tempero dos sentidos.
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