quarta-feira, 19 de maio de 2010

Coisas que servem para ver mais longe

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1.

Sonhei que Santo Agostinho emergia de uma piscina de etanol, a mesma do nosso colégio. Tinha uma touca às riscas, a mesma que usávamos nas competições de natação. O Santo olhava para mim com uns binóculos antigos, notou a minha erecção, que fazia nos calções justos um chumaço torto. A minha boca sabia ainda lixívia doce. O Bispo de Hipona voltou a mergulhar com os binóculos como se procurasse no fundo da piscina uma relíquia da cruz de Cristo.

2.

Vinha da piscina em direcção aos balneários, todos os outros estavam a jogar futebol, no balneário estava o monge, sentado e nu, apenas com uma toalha azul-marinho pelas pernas, que lhe escondia o sexo, a toalha tinha uma ânfora dourada.

3.

Disse que eu era um bom rapaz e convidou-me a sentar ao lado dele, enquanto se ia esfregando, senti aumentar o estampado da toalha, uma ânfora em fio dourado erguia-se com a erecção do monge, parecia triste. Senti necessidade de lhe dizer qualquer coisa, que cantava bem por exemplo, que tinha sido com ele que tinha aprendido a decorar e solfejar os salmos mais belos dos livros antigos. Ele sabia a minha paixão por hagiografias e sobretudo do meu interesse pela obra de Santo Agostinho, e muitas vezes pedia ao monge bibliotecário para me deixar ficar mais tempo com os volumes da “A Cidade de Deus” que eu lia muito devagar, tirando algumas citações do Santo para o meu caderno porque não os podia sublinhar.

4.

A toalha estava quente, o monge guiava a minha mão para cima e para baixo, tive vergonha de olhar para ele. Tirou a toalha e vi o seu sexo erecto, guiou-me a mão até ao sexo e voltou-me a falar dos binóculos, que tinham sido do seu avô, e falava-me de “A Cidade de Deus”. Corrigiu-me a postura da mão, depois disse – um bocado mais depressa – Os binóculos são bons – Eu disse que aquilo era porco e podia aparecer alguém. Ele disse que não e voltou a falar dos binóculos. Eu adorava ter aquele livro, por isso, quando me pôs a mão na cabeça e ma baixou devagarinho, não me atrevi a negar.

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5.

Pensei nos binóculos e na edição nova da “A Cidade de Deus”. Pediu só que eu tocasse na toalha, na parte da ânfora, a que estava mais levantada, eu toquei, e ele pôs a mão por cima da minha, e disse – Faz assim devagar – Eu disse que aquilo era porco e não se devia fazer – Ele não respondeu e começou a contar a história da nossa Instituição, dizia que se lembrava de cor da cara de todos os meninos abandonados que passaram nesta casa, meninos que cresceram e têm agora um futuro pela frente podíamos ter nesta Santa Casa um abrigo, uma esperança e um futuro. Falou-me de um menino que era agora deputado e de um outro professor Universitário em Inglaterra. Enquanto eu continuava no ritmo regular, ajudado pela sua mão, que corrigia por vezes os meus movimentos, fazendo acelerar ou abrandar a intensidade do gesto contou-me que foi ele que pressionou o director a montar a piscina e o pequeno ginásio, porque é bom para nós e para os monges fazer-mos desporto, e o campo de terra batida só dava para os jogos de atletismo, a ginástica e o futebol quando não chovia.

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6.

- Meti a boca e chupei, tentando pensar nas imagens de um livro de milagres ilustrado que tinha no meu quarto. Segurou-me na cabeça, e pediu que continuasse, esquecendo-se de falar. O sexo ficava cada vez mais duro, e ele pediu para eu continuar até que grunhiu e a minha boca encheu-se de um jacto quente. Ele disse que depois passava no meu quarto e foi tomar banho.
Fui lavar a boca, o esperma quente estava-me nas covas dos dentes, no fundo e debaixo da língua, algum nas amígdalas, e durante vários dias parecia que tudo o que comia no refeitório me sabia a lixívia adocicada.

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O monge boiava numa piscina de etanol, Depois voltou à superfície com uma touca igual às riscas, e Santo Agostinho ficou lá em baixo durante muito tempo. Depois o monge grunhiu de prazer, o mesmo som que tinha feito comigo, imaginei a mancha de esperma a boiar no fundo da piscina. Os espermatozóides em dança eléctrica, nadando uns bruços imperfeitos: procurando um útero, que lhes garantisse a sobrevivência, inexistente na piscina do Etanol.

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No sonho tive medo que pensassem que a mancha branca na piscina fosse minha, de fazer coisas porcas na piscina e sai a correr para o pátio. Entrei na igreja e rezei em frente ao altar de Santa Helena. No etanol a mancha, por um efeito químico, tornava-se fluorescente, como se fosse uma mensagem que o colégio devia acolher.
À noite voltei à piscina para me certificar se a mancha ainda lá estava, procurando o intervalo em que o funcionário do ginásio estava a fumar um cigarro.
Da água escura voltou a emergir Santo Agostinho com a sua touca às riscas, trazia na mão um pedaço de madeira e um espinho. Saiu da água e deu-me as relíquias para a mão, ainda com os binóculos ao peito. A minha boca ainda sabia a lixívia doce, e o arroz na cantina sabia a lixívia doce, e os rissóis pareciam ser de lixívia doce. Embrulhei as relíquias na minha toalha.


Nuno Brito

Cidade-ponto (poema de Sylvia Beirute)



















CIDADE-PONTO


{ao tiago gomes, com amizade}

não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.
não pedi qualidade aos clássicos.
não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.
não endossei poemas porque os poemas não são cartas.
não tenho um cativeiro de poetas.
não visitei cidades-poema.
não segui preceitos que se vejam.
não azuleci por pertencer ao céu.
não tive ilusão e coragem para crer na desistência.
não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.
não tenho maneiras puramente estéticas.
não tenho processos literários.
não tenho dois corações.
não li masaoka shiki ou matsuo bashō.
não li a crítica para não perder a liberdade e o meu
dom impreparado.
não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo
como células estaminais.
não escrevi sobre a revolução industrial.
não respeitei o meu passado enquanto índice temático.
não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.
não recuperei emoções com a cabeça.
não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.
não transferi permissões de mim para mim.
não imaginei versos paralelos para prender significados.

Sylvia Beirute
inédito