segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Nocturnos
I
Há um inverno cansado nas copas extáticas
e as estrelas acendem-se de um vento alto
que azula o céu
de um azul que a noite vai roendo consigo
As grades, ao prolongarem-se por aí fora,
trazem-me um sinal contínuo de muro falso
e enferrujado.
As grades não apontariam nada,
se cada uma delas se prolongasse também
no voo completo de ambas as curvas da seta.
II
Cria-se da angústia uma cadeira para assistir à noite.
E a noite que é como alguém que desce,
cheio de confiança,
os degraus de uma escada própria interminável
— os degraus serão sempre os mesmos,
nunca haverá outros degraus no fundo.
III
Contaram-me, quando era pequeno,
a história de várias estrelas,
não a história dos nomes que têm e não conhecem
[por nós,
sim uma história em que eram estrelas,
verdadeiras estrelas nem pregadas no céu,
Muitas vezes, ouvir contar foi só:
estar de cabeça pousada no peitoril da janela
a vê-las tremeluzir...
e tornarem-se mais salientes com o escurecer.
Muitas vezes, foi só
aceitar o frio e fechar a janela
— e, em pequeno, não era eu quem a fechava.
IV
Aquelas estrelas desenham um quadrado mal feito.
Nas noites claras de mar imenso,
enquanto a proa ia ensinando às águas
o murmúrio para depois, ao longo do navio,
os mastros procuravam devagar o centro do quadrado.
Para baixo do centro havia três estrelas juntas.
Quando calhava passarem por entre duas,
repetiam todo o princípio
e vinham passar por entre as outras duas.
V
Já tudo escureceu;
contudo ainda resta algum dia
suspenso de onde veio a noite que chegou primeiro.
É de sempre este resto de dia
e acompanha-a pelo céu em busca das estrelas frágeis.
A noite, uma vez,
compreenderá que ele vem do mesmo lado que ela.
VI
Há um inverno nas copas extáticas
e as estrelas acenderam-se de um vento alto
que azulou o céu
de um azul que a noite foi roendo consigo.
VII
Cria-se da angústia uma cadeira para assistir à noite.
Jorge de Sena "Perseguição"
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