segunda-feira, 18 de abril de 2011
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o abismo
Paul Klee "Lovers" 1920
passa a linha, atravessa a fronteira, descobre o abismo.
porque o abismo pode ser a cortina que interdita,
o limite que aponta o escuro e se engana,
e ser no entanto um oceano, um horizonte, uma estrela.
o abismo é humano, emocional.
o plâncton invade o mar e alimenta os peixes
na mistura múltipla de sal e água, a forma natural
na submersa actividade do inato,
não há iluminismo, crítica ou razão;
o significado nas escamas prateadas
é um impulso eléctrico: abre as brânquias, separa, avança;
não é complicado, é obrigatório, irracional.
o abismo humano numa rua da cidade pode ser erguer os olhos,
abrir uma janela, encontrar uma ilusão,
parar ou seguir em frente, sabendo sempre
que o andar do tempo, veda o arrepio,
fecha a porta na passagem, deixa a dúvida como brilho.
o abismo pode ser a lua, branca e iluminada
numa noite exacta de primavera, de Abril,
quando o calor aperta as lajes rubras
e acende luzes nos rostos sombreados de distância.
o abismo pode ser um botão que se liberta
e abre a seda da pele, como que indiferente,
a discrição lenta da mão, o subtil no deslize
de dedos ensimesmados, demorados,
enunciando o trajecto oculto;
a denúncia do desejo -
o abismo pode ser um fumo branco e a brasa incandescente,
a água fresca, o plátano alto e o ouriço da árvore,
o jasmim desmaiado, a glicínia num fim de tarde,
o bago verde, o morango vermelho,
o grito forte, o frémito silenciado,
querendo e não querendo,
um medo sofrido,
de tudo, de nada -
o abismo -
passa -
passa o abismo -
de tudo, de nada -
o abismo -
José Ferreira 18 Abril 2011
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