quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A casa e o mundo


Portal da casa de Osíris 1250 a.c. (Museu Britânico)

Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.

Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.

Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.

Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.

Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sanguíneos.

É a casa do mundo:
desaparece em seguida.


Luiza Neto Jorge ""O seu a seu tempo" Assírio & Alvim 2001

quando o heterónimo fala ergue-se a grande muralha


Gwen John 1909

quando o heterónimo fala ergue-se a grande muralha.
em Londres o relógio ensurdecedor
enlouquece o tempo das palavras.
tontas caem como pedaços de tábuas
restos de um naufrágio, flutuando pelas margens.
do cimo da Tower Bridge, com muito cuidado
reúnem-se de uma outra forma, as palavras
mais lavadas, mais seguras, melhor orientadas
pelos raios do sol, por Hiparco e o astrolábio

e de novo unidas nas cordas dos braços
renascem as metáforas e a viagem da jangada -