quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um poema luminoso de Sophia


Marc Chagall

Eras o primeiro dia inteiro e puro
Banhando os horizontes de louvor.

Eras o espírito a falar em cada linha
Eras a madrugada em flor
Entre a brisa marinha.
Eras uma vela bebendo o vento dos espaços
Eras o gesto luminoso de dois braços
Abertos sem limite.
Eras a pureza e a força do mar
Eras o conhecimento pelo amor.

Sonho e presença
de uma vida florindo
Possuída suspensa.

Eras a medida suprema, o cânon eterno
Erguido puro, perfeito e harmonioso
No coração da vida e para além da vida
No coração dos ritmos secretos.

Sophia do Mello Breyner Andresen

temo.............quando


Jacques-Henri Lartigue 1931

………………as palavras perdem-se na rigidez da muralha
no teu corpo a flecha fraca…………………………………
……………………………nos teus olhos a cinzenta grama
……………………………………...as palavras perdem-se
no ínfimo lugar de um ponto……………………………….
…………………………final, quieto…….um eco distante -

temo pelo frio gelado de um lago…. a indiferença
a perigosidade……….………..na branca claridade
temo pelo brilho inteiro………….…não reflectido
o incompletar de um bailado …………….possível
temo…………………………pela dupla patinagem
temo………………………………………quando

as palavras a muralha o corpo a viagem

temo………………………………………quando
as palavras ardem……………………....a muralha
inclina………………………o corpo......a viagem
quando-


José Ferreira 10Fev2011

blocos de embalo


deitou-se ao meu lado de deslize
alisada por todas as mãos
em novos vasos rápidos
à procura do líquido morno dos bichos
há dores que se aninham quando lhes toco
rendas de algoritmos que me entram pelos olhos
a corrigir campos de gaivotas vermelhas
e relvas de vulcões com asas
quis abraça-la, talvez um abraço
e no embalo o código foi-me adormecendo devagar
lambendo cada célula e prometendo o fim da divisão
sons de guerra ouviam-se ao longe na pele
e em terras caladas do cérebro
caíam asas molhadas
que esqueci
as dores têm forma
a de gaivotas sem asas
iguais a todos os braços
em todos os ritmos
de um único movimento
e o mundo segue o principio do aumento da confusão
(ou então nós é que lhe confundimos o fim)
mas não é a temperatura que faz a beleza da árvore

são blocos colapsados sem asas
formas simples de vazio
que fazem a árvore crescer-nos por dentro
e o mar
ao longe a confusão é branca
cortada pela linha do tempo
(a única que existe)
e por ela entram todos os vazios
pendurados em cada cérebro
e um em estado mais sublime parou
para se deitar ao meu lado
e fui adormecendo aos poços
enquanto bandos de gaivotas sem asas -