domingo, 21 de agosto de 2011
a insubstituível
pediu um cigarro e encerrou uma ausência.
o fumo acre impulsionado pelo reaprender da língua tocou o céu da boca.
amargo. amargo. não podia cegar de novo. o refúgio da nicotina;
o redondo do filtro na volta dos dedos, o ajeitar consequente no tampo da mesa,
o movimento entre os cantos dos lábios conduzido pela ardência dos dentes.
lembrou Humphrey in Casablanca e Gainsborough junto de Brigitte,
preferia o último, a canção proibida, tão antiga;
um slow numa cave escondida, a memória inflamada dos sentidos -
o cigarro parou incompleto, não atingiu o fim.
o fumo espaçava, subia,
perdia-se, incompreensível.
os olhos tornaram-se fixos
e o cigarro não tinha qualquer importância,
afundou-se num caixote de lixo -
o chapéu, o guarda-chuva, a gabardine.
a gare nublada, um silvo agudo, a locomotiva.
as malas silenciosas no banco escuro.
um rosto na parede branca
insubstituível-
a noite adquiriu contornos de veludo.
sentar-se-iam no café Majestic
falariam de novo sobre os poemas e alguns livros
sobre os gatos siameses, tão ariscos
os pretos, de olhos verdes,
os brancos, de olhos azuis, os preferidos -
um aroma de incenso percorria o quarto
quando pousaram as malas.
o reassumir da lua era possível -
José Ferreira 20 agosto 2011
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