domingo, 18 de novembro de 2012

Se adianta

 


Como folha a cair me falas, a seguir há geada, depois a queimadura, que não sabes nada de primavera.
E sim, voltas, mas falta sempre essa estação. Correu a água, foram, as chuvas, os ventos, que são paralelos a ti, e é na sombra que detesto te dar a mão, que aliás, nem queres, só que não posso te ver no chão.
Já nem sei se é o melhor, se adianta, já nem penso, seja o que for, se deus existisse, fosse como deus quisesse.


                                                      Anabela Couto Brasinha



Conto-te

Paris Torre Eiffel fim de tarde, fotógrafo Luis Prado, São Paulo
Paris, Torre Eiffel, fim de tarde, fotógrafo Luis Prado (São Paulo)

 
  Desci a rua ao fim da tarde para ver aquelas cores, esse azul e laranja matizado, e desejei encontrar-te nas ruas da baixa.
Quando passei na rua onde estava a sala de jantar, onde também tinha estado acompanhada, temi que aparecesses. É que nessa sala tinha-se enchido o som do piano, e do outro lado da mesa foi repetido, Se quisesses vias como esperam que o teu olhar pouse sobre eles. Muito mais tarde pensei, então era isso, capricho! Chorei, e lembrei que se calhar, só mesmo o pianista teria percebido a pontinha de tristeza e a minha ilusão de pensar que me iria despedir dela.
Voltei a passar no largo da lapa, para ir visitar uma mulher. Estava frio nessa noite, também estava frio enquanto subia a escada a meia-luz. E quando entrámos na sala, essa mais iluminada, é que vi, metade do seu rosto e pescoço, e o meu olhar foi pousar na sua mão, com a pele também enrugada pelas queimaduras. Chorei compulsivamente, ela abraçou-me. Quando nos sentámos na mesa redonda, já com as duas chávenas de chá, perguntei-lhe quando soube. Ela disse, Ainda faltavam uns dias para voltar ao Porto quando me disse que eu queria partir, que tinham sido os seus dias mais felizes mas que eu queria partir, percebi que para ele eu não era... Terminei-lhe a frase, e ela recomeçou a falar, Não me lembro bem da viagem de regresso, nem de chegar a casa. Só me lembro de acordar no hospital. Tive algumas visitas, foi muito constrangedor para elas, não perguntavam... Disse-lhe, Pois, pensaram que querias morrer. Devagar ela esboçou um sorriso para dizer-me, A coragem só existe quando temos medo, e não temo a morte... Mas… lamento ter agido de impulso, só quando voltei a casa e me despi em frente ao espelho... Levantei-me da cadeira, contornei a mesa para a abraçar. Depois ela disse-me, Tens de ser... Sorri-lhe a confirmar.

(2010-2011)

                                                                           Anabela Couto Brasinha