segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Iunia
Charles Curran
De volta a casa, dei por mim a agrupar ainda argumentos contra as palavras de Iunia. Contra as que ela disse, contra as que imaginei que ela poderia ter dito. Ocorriam-me novas citações, versos, trechos de tragédias, mitos. Importunava-me a ideia que faltava dizer-lhe qualquer coisa e de que aquela hostilidade que sempre desastrava entre nós resultava, afinal, duma incompreensão que poderia ser removida por raciocínio, por demonstrações, por palavras. Pensei em frases, atitudes. Gesticulei, só comigo. E, no fundo, sabia que tudo isto provinha da minha imaginação…
Passeei longo tempo pelo átrio, sentei-me perto do tanque e procurei concentrar-me numa prática antes usual para mim, masque os últimos tempos não vinham propiciando: o exame de consciência. Ganhei o dia? Perdi o dia? E a imagem de Iunia, olhando.me um pouco de viés, entre o irónico o desconfiado, teimava em se interpor e perturbar.
Mário de Carvalho, Um Deus passeando na brisa da tarde, Caminho
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