Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta (Lisboa, 1937-)
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
[Creio nos anjos que andam pelo mundo,]
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.
Natália Correia (Fajã de Baixo, S.M., Açores, 1923-1993)
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.
Natália Correia (Fajã de Baixo, S.M., Açores, 1923-1993)
Poema dum Funcionário Cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
António Ramos Rosa (Faro, 1924-)
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
António Ramos Rosa (Faro, 1924-)
Não posso adiar o coração
Não posso adiar o amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa (Faro, 1924-)
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa (Faro, 1924-)
Serenata Sintética
Rua
Torta
Lua
Morta
Tua
Porta
Cassiano Ricardo (S. J. dos Campos, SP, Brasil, 1895-1974)
Torta
Lua
Morta
Tua
Porta
Cassiano Ricardo (S. J. dos Campos, SP, Brasil, 1895-1974)
Um outro olhar...(9)
“no topo do mundo...”
é tão bom subir às montanhas mais altas
sentir que estamos no topo do mundo
ver como somos tão insignificantes
e como tudo é tão efémero nesta vida
no topo do mundo
vemos tudo
vemos homens grandes que se julgam pequeninos
e tantos, tantos homens pequeninos que se julgam grandes
daqui, vemos as casas, os carros e as pessoas
os sorrisos e as tristezas
tanta riqueza no meio de tanta pobreza
daqui vemos tudo
ou, se calhar, não vemos nada
apenas sonhamos que vemos
e, às vezes
é tão bom subir às montanhas mais altas
sentir que estamos no topo do mundo
ver como somos tão insignificantes
e como tudo é tão efémero nesta vida
no topo do mundo
vemos tudo
vemos homens grandes que se julgam pequeninos
e tantos, tantos homens pequeninos que se julgam grandes
daqui, vemos as casas, os carros e as pessoas
os sorrisos e as tristezas
tanta riqueza no meio de tanta pobreza
daqui vemos tudo
ou, se calhar, não vemos nada
apenas sonhamos que vemos
e, às vezes
é melhor sonhar do que viver
viver dói... porque é real
sonhar... é ir ao topo do mundo
aquele sítio onde tudo acontece
aquele sítio onde nada acontece
viver dói... porque é real
sonhar... é ir ao topo do mundo
aquele sítio onde tudo acontece
aquele sítio onde nada acontece
Lábios mosto o brinco madrepérola
Lábios mosto o brinco madrepérola
"que farei quando tudo arde?"
Não havia razão no dia certo.
Mota capacete o cabelo
a esquina do passeio o parapeito
onde se guardam orquídeas o desejo
a ternura o sopro o amor inteiro.
Braço na abertura brilho
vídrico reflexo do rosto
lábios mosto o brinco madrepérola
em argola pendurado descomposto.
A chave circular de cor anil
o rimel o perfume a pele lisa
a tarde escondida. No pêndulo misto
o urso branco polar e a Petruska
bordada a lã liberta na asa aberta
da mala atrevida a saída fugitiva.
O trinado; fechadura rangido
espera do destino. Outro mundo
sem ruído. Passos leves no tapete
bordeaux gasto sapatos lestos.
Costas delicadas nas formas
linha recta à primeira escada
degraus modestos pose de Rainha.
O patamar antes da porta no
primeiro andar e a frincha
convite abrindo a hora a ousadia.
Pequeno toque o vazio outro lado.
A carta na mesa a mensagem
uma pétala de Atenas a luz acesa.
Susto medo não não não! Má surpresa
envelope de bico levantado a letra
dele mesma caligrafia ainda
sem ser lida.
Outra frincha desliza
sombra vulto olhar sorriso
corrida abraços na medida
a lágrima sem siso a alegria.
Dois a demorar
línguas doces mãos de flama
dança de figuras chinesas
às rodas na parede.
O jacarandá.
Melodia de folhas verdes.
Frutos maduros nas rendas
"wonderbra" e as peças repartidas
camisas algodões sapatos
meias cordões
lençol fímbria num rodilho.
Àguas no Tamisa amor moderno
trémitos no calor de um suspiro.
O brinco descaído sem mágoa
a posição do invertido rosto dela
perna dele
rosto dele no umbigo.
Na sala deserta
a carta na mesa a mala aberta
a caligrafia sem ser lida.
No quarto ao lado: a vida.
Violinos de Paganini Pianos de Chopin
Liedes de Liszt génios em sintonia
e um sonho que imagina
o meridiano no mesmo sítio;
na mesma hora
no mesmo dia.
"que farei quando tudo arde?"
Não havia razão no dia certo.
Mota capacete o cabelo
a esquina do passeio o parapeito
onde se guardam orquídeas o desejo
a ternura o sopro o amor inteiro.
Braço na abertura brilho
vídrico reflexo do rosto
lábios mosto o brinco madrepérola
em argola pendurado descomposto.
A chave circular de cor anil
o rimel o perfume a pele lisa
a tarde escondida. No pêndulo misto
o urso branco polar e a Petruska
bordada a lã liberta na asa aberta
da mala atrevida a saída fugitiva.
O trinado; fechadura rangido
espera do destino. Outro mundo
sem ruído. Passos leves no tapete
bordeaux gasto sapatos lestos.
Costas delicadas nas formas
linha recta à primeira escada
degraus modestos pose de Rainha.
O patamar antes da porta no
primeiro andar e a frincha
convite abrindo a hora a ousadia.
Pequeno toque o vazio outro lado.
A carta na mesa a mensagem
uma pétala de Atenas a luz acesa.
Susto medo não não não! Má surpresa
envelope de bico levantado a letra
dele mesma caligrafia ainda
sem ser lida.
Outra frincha desliza
sombra vulto olhar sorriso
corrida abraços na medida
a lágrima sem siso a alegria.
Dois a demorar
línguas doces mãos de flama
dança de figuras chinesas
às rodas na parede.
O jacarandá.
Melodia de folhas verdes.
Frutos maduros nas rendas
"wonderbra" e as peças repartidas
camisas algodões sapatos
meias cordões
lençol fímbria num rodilho.
Àguas no Tamisa amor moderno
trémitos no calor de um suspiro.
O brinco descaído sem mágoa
a posição do invertido rosto dela
perna dele
rosto dele no umbigo.
Na sala deserta
a carta na mesa a mala aberta
a caligrafia sem ser lida.
No quarto ao lado: a vida.
Violinos de Paganini Pianos de Chopin
Liedes de Liszt génios em sintonia
e um sonho que imagina
o meridiano no mesmo sítio;
na mesma hora
no mesmo dia.
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