domingo, 23 de novembro de 2008

A poesia não se explica...

Aos meus amigos poetas, deixo o testemunho de um grande poeta...


"Não sei falar de literatura. Não sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que “os rit­mos em que se exprime constituem a forma do mundo". Sei, como o poeta russo Mandelstam, que "escrever é um acontecimento cósmico". E que cada palavra é um pedaço de universo. Ou como dizia Klebnikov: "Na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo." Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais dos tempos através de múltiplos sentidos ou dos semi-sentidos da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forcas maléficas.
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."

Manuel Alegre

1º Trabalho de Casa II - Renascer

Ecoam gritos de nós no silêncio
E a luz que nos rodeia é como grades
O sol mergulhou ao fundo nas águas
Escondeu-se
Como eu de ti.

As sombras crescem
Levam-me para longe de nós
A natureza lá fora adormecida
É testemunha
Até a voz do mar se torna exílio.

Quero correr para ti
Mas…
O meu amor não tem
Importância nenhuma
E nunca são as coisas mais simples que aparecem
Quando as esperamos.

Agarro-me a essa muleta que é o tempo
Que tudo cura, tudo desfaz
E perco-me na imensidão do escuro
Aguardo o passar das horas
Esse remédio
Adormeço.

A luz do sol ergueu-se, límpida
Cravou-se em mim
Não sei onde estás
Mas eu renasço
O meu olhar é nítido como um girassol
Enterro os pés nos grãos de areia das dunas
Caminho sem destino
Sem ti, sem mim
Caminho,
Sorrindo
Recusando o que é desfeito
No interior do meu peito.

Poesia de grupo

O meu olhar é nítido como um girassol
Olhando o sol a divertir-se
Iluminando o campo docemente
E em mim correndo como a lua.

É olhar translúcido, e não te vê.

Há montes e vales e planícies,
Há nascentes e rios e mares de prata
Onde os girassóis se banham com o sol
Na nitidez pintada da aguarela.

Vieste assim da cor que te pintei
Olhando para mim como ao sol o girassol
E eu fitei-te no meu deslumbramento.

Elza G.D. e José Almeida Silva

Coisas que partem e fogem

Quando sem engenho
Em ti me empenho
O verso não pulsa
A imaginação entope
Não há circulação
Há coisas a fugir
Esvaem-se em letras
As palavras mancas
Que tentam pintar
Ideias brancas
O cérebro estanca
O que o alimenta
Recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

Joana e Marlene
(20 de Novembro de 2008)

Eu quero…o meu amor não tem

Nunca são as coisas mais simples que aparecem
no interior do meu peito
São sempre linhas que a ti me tecem
recusando o que é desfeito

Mas, hoje acordei cheia de sede e de
importância nenhuma
E vi o amor embater numa parede e
esbater-se em espuma

Até a voz do mar se torna exílio
E o tom mais afinado asfixia
Se surdos aos apelos de auxílio
Somos nós-a-sós, dia-a-dia

Mas, hoje acordei cheia de sede e de
estranhas vontades
E vi o amor num mortal sem rede
Partir em meias-verdades

O meu olhar é nítido como um girassol
E a luz que nos rodeia é como grades
(Cá dentro querido, sinto muito, mas ainda
ainda sinto o sol de outras tardes)

Por isso, hoje acordei cheia de sede e de
vontade de correr
Porque o meu amor já não tem
Tempo a perder

um outro olhar...(5)


“as raízes do amor…”

nós somos uma raiz
ou seríamos duas e nos transformamos numa só?
vivemos a nossa vida debaixo de terra
sempre ligadas por este beijo eterno

até que um dia

fomos arrancadas lá do fundo, sem saber porquê
vimos o sol e a lua, os pássaros e as pessoas
demos voltas e mais voltas, mas, apesar de tantas mudanças
estivemos sempre ligadas por este beijo eterno

e de que será feito este beijo?

será um beijo dado olhos nos olhos?
com partilha, afecto… e verdade?
terá nascido de uma pequena semente e foi crescendo?
e terá dado sempre tempo ao tempo?

serão estas as raízes do amor?