domingo, 10 de janeiro de 2010
Poema de Domingo
Aos domingos as ruas estão desertas
e parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio alegremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.
É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
António Gedeão, "Novos Poemas Póstumos", 1990, in Poesia Completa, Lisboa
Povoar-te de rosas
Guardo de ti a mais bela imagem: a fotografia
que povoa os meus sentidos.
Nem que suba à mais alta montanha
nos dias mais frios
todos os gelos serão derretidos.
Não há lugar a vapores ténues nem silêncios
negarei hoje e sempre todas as ausências;
pois se nos versos escrevo sonhos
se nos quartos das luas admito cores
é porque sinto;
povoar-te de rosas faz todo o sentido
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