sexta-feira, 18 de setembro de 2009
A penugem de uma rola
Cézanne "A montanha de Sainte Victoire" 1904
Atrás de uma pedra solta a chave escondida no muro tosco
o limite de um canteiro improvisado onde crescem
as ervas habituais agora secas no mês de setembro.
Não a chamo de casa, ternamente a cabana de pedra como se
possível nas terras duras de um Douro interior.
Aqui no lugar de gravuras históricas, nas madrugadas
frescas, provam-se figos nos braços de árvores frágeis
na posição diagonal, a inclinação sussurrante de perigo.
Aproxima-se o calor inteiro das vindimas, a sorte dos
bagos nos cestos de verga, o encosto dos cachos húmidos
o sumo doce, o primitivo aroma infermentado do mosto.
O Sol de Agosto bateu oblíquo nas gavinas reviradas
deu lugar ao moscatel: colares claros de pérolas
às mouriscas, nos acetinados reflexos de azeviche.
Quente. Calor. Está muito quente. Um arrepio.
Na planície da testa crescem gotas na sombra
de um chapéu largo de palha entrançada.
O ar treme junto ao pessegueiro, estonteia.
No campo é fácil encontrar granitos na forma
de pequenos menhires. Sento-me e descanso .
Penduro o corpo pensativo de Rodin
de punho erguido nas covas da face
e admiro a porta cravejada de tachas
ferrugentas, quadradas, rudes e belas
ao sabor dos excessos das intempéries.
Quente. Calor. Muito quente.
A porta cravejada da cabana, assim a chamo
não é casa, não tem quartos, um só postigo
um só piso, onde circulam lagartixas
os artifícios das aranhas, aqui e ali
um mosquito, algumas formigas.
A mão no esconderijo, a chave, entro
dentro onde respiro o ar infértil
de um lugar só, rodeado de alfaias.
Reconheço a cor da noite
a ponta de um dedo etéreo, invisível
directo ao fio fino de crina
a corda sensível, o som longínquo
de um concerto de Paganini.
Sento-me no chão de um barro cru e gravo
a mensagem de um dia árduo:
"Quem me dera que a vida fosse tão leve
como a penugem de uma rola que tanto voa
como permanece, saboreando o tempo
parada e suspensa."
Enquanto escrevo, passa um lacrau de ar seguro
(sem dar a importância da altitude, o grande humano)
segue o trajecto do muro, da chave escondida
segue um caminho, na espera de círculos de fogo
mas não desanima -
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