I
escrevi dois poemas, hoje
na esperança de surpreender o teu corpo em contraluz
na luz da janela, tocando a cortina.
ao longe o rio é um murmúrio muito lento, as searas estão
sossegadas.
respira-se a densidade verde.
na mesa um prato de
porcelana, um círculo de ouro
os restos dos últimos biscoitos
incompletos, de uma forma imaginária, surpreendidos
e testemunhas
em migalhas pequenas, nas pontas dos dedos, uma
a uma –
II
escrevi os poemas por
este momento.
não te movas, quero o tempo parado, pause.
suspenso, como numa
fotografia , um fragmento
e a melodia, a música dentro da cabeça e uma cúpula de cisnes
um céu azul mas diferente na luz branca da cortinas –
III
o teu corpo é um poema, um mar em movimento.
não te posso explicar o meu ritmo, o batimento do mercúrio
sei que a pulsação é de perigo, sei que bateu
bateu muito como uma campainha
as têmporas, os ouvidos
a explosão dos sentidos –
IV
se voltares junto da janela branca e da cortina
em contraluz
e olhares de uma forma longa
do lado oeste, quando o rio descreve a curva mais abrupta
como um cotovelo, junto do bosque da tigelinha, no lugar do
monge
a esconder-se e a
descer
num brilho reflectido surge, na inclinação mais forte
um lago enorme de ondas, uma imensidão infinita
um corpo enorme com mãos gigantes que recebe as águas doces
as águas de um rio -
V
levamos as bicicletas pelo caminho das hortas
junto da represa onde as rãs saltam, onde há vespas e asas
grandes de borboletas.
na descida mais abrupta colocamos velas brancas e sopramos
sopramos muito com bochechas de renascimento, para chegar
depressa.
para descer sem medo a escada das baías
até ao pátio fluido
das areias, a serenidade das brisas –
haverá o crepúsculo das roupas molhadas, o banho múltiplo
e ao voltarmos com pedaços de mica e restos de algas
as bicicletas ficarão inanimadas com as borrachas limpas
as bicicletas ficarão inanimadas com as borrachas limpas
numa relva crescida
e entraremos em casa com uma alma sem vícios
sem joelhos duros e
de mãos macias
para lavar o sal e adormecer na luz dos vaga-lumes
intermitentes, na respiração dos troncos e cheios de raízes
pousados, muito quietos e juntos –