segunda-feira, 20 de setembro de 2010

incorporal e ausente


Robert Doisneau


passei por elas sem nada dizer.
não corria a mais pequena aragem.
era meio dia e escaldava a hora.
a hora escondia a sombra.

não sei de quem a culpa o pecado
desta intimidade assim ferida
se assente estava que sempre
sempre que por elas passasse
falaria e elas as árvores comigo.

mas distraído de cabeça leve
em ramo mais alto e invisível
- para além das ceras caídas que um dia
as asas e o céu e o sol em suma a mitologia -
subia longe num sonho muito além desta terra
de cascalho e pós e folhas em suma naturezas
sem textura tão sem importância se naquele instante
apenas o rosto e a voz e o corpo em suma o desejo
fazia esquecer de transparente o matiz apreciado
da pele de uma árvore grande e larga e alta – o plátano
e de por ela passar e outras que não consigo recordar
sem nada dizer se estava assente que sempre
sempre que por elas passasse
falaria e elas as árvores comigo.

lembro-me de não ser e não pertencer
a qualquer mar ou continente
alucinado de sentir naquele estado
todo o excesso e a possibilidade
de sermos
sem paredes de silêncio e incerteza de sinais
sem calçados de couro e tecidos desiguais
anjos de branco anjos de branco
abstractos e sem tempo
de ser gente e ser mortal –

distraído na mais complexa e inédita metafísica
de reinventar a lua como casa
e dança e música e literatura -

distraído naquele estado incorporal e ausente de
esquecer as árvores e de nada dizer
apesar de assente que sempre
sempre que por elas passasse
falaria e elas as árvores comigo –