segunda-feira, 28 de junho de 2010

o mesmo início uma outra direcção


Robert Doisneau


verde e água no refúgio de um bosque.
crescem os juncos e erguem-se as rãs
muitas, num tempo quase mínimo.

recôndito lugar, símbolo de paz, silêncio de uma luz
pousada sobre um pinheiro a escoar, a encadear
em reflexos, as suavidades de sombra de um chapéu claro.

sente-se o piano, um som portátil de sonata kreutzer.
um violino que acompanha os versos fundos de Pessoa.
grande pessoa. vivia na arqueologia do sentimento;
um erudito da alma.

uma casa de ar no alto de nada.
um adro onde se salva um violoncelo, onde se dança
abraçando uma gota de água, um toque fresco
de neblina, uma música de asas que predomina.
onde se sente o voo e a dança.

mas no meio do bosque ou no cimo da montanha
dói-me o fumo fosco da cidade a sua toxicidade.

sinto-me melhor mas não descanso. não descanso -

alguns segundos e caiu um envelope


Robert Doisneau

um pequeno charco, uma fonte verde de água.
crescem os juncos esgueiram-se as rãs
formam o salto. Schlap! Schlap!

minutos calados
o silêncio de uma luz solar que não passa
no receptáculo de um colo de árvores
a aguardar, o horário terminal e descendente.

na subsidiária constância de veias que respiram
os trajectos únicos do sangue que segue dentro
circula em círculo e ilumina os olhos
que pousam em pormenores sem qualquer importância;
as sapatilhas um pouco rotas, a camisa descomposta, aberta,
os pêlos cinzentos presos num leito confuso, os cabelos despertos
num colarinho curto de pintor.
sem qualquer importância em toda aquela harmonia;
a formiga passa, o ralo rala, uma lebre salta
a cigarra sabe-se a viajante que toca guitarra
e as rãs saltam. Schlap! Schlap!

um esquilo sobe a casca de um carvalho
de duras unhas, no susto de cem olhares
anuncia o acontecimento, estranho
e surge um círculo nítido de escuro
um baque, um súbito crescer de água
um géiser de fumos a abrir do nada
a arrastar restos de folhas dispersas
a levá-las como penas numa rama de remos

e uma fala de alma, humana, em desassosego
em dialecto de imperceptível significado.

a água subia a uma imensa nuvem.
parou de repente e terminou sem mensagem.

calou-se a fala, a fala funda e surgiu num aroma húmido
uma chuva míuda, improvável.

o esquilo não esperou encostou-se dentro da casca
a um canto tremido de nozes e bugalhas. E a chuva
não durou mais do que doze minutos, doze minutos
breves naquele lugar de um vulgar estado de recato.

um assombro que assombrou as rãs no charco
que saltam. Schlap! Schlap!

quando todas saltaram desceu em voo picado uma folha de escola
uma página escrita no formato dobrado de concorde
de bico e asas dobradas.

alguns segundos e caiu um envelope -