segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Diário repetido

Procurei a caneta de tinta permanente
sem a querer encontrar... de frases
provavelmente tristes, sempre tristes,
cansadas de serem tristes..
encontrei-a no pôr-de-sol da vila flácida,
deserta, num final de jogo de bola...
as vozes de uma rádio festival
lançavam ruídos estridentes,
minhotos, amassavam as dores
expandidas, maiores, mais sentidas
no lado esquerdo do bolso
da camisa.

Um diário repetido, sem surpresas,
reflexo dos sentidos contrários,
cinzentos, nublados que me cruzaste
sem o calor dos lábios, na despedida.
Cada um no seu caminho, qual o certo?
o necessário? o verdadeiro?
E que interessa afinal, se o resultado
já é cravado, na pele, num martírio
apertando sempre, o ventre vazio?

Guardo de novo a caneta de tinta permanente
no lado esquerdo do peito
no bolso da camisa...
e nada escrevo
tudo é aquilo que tem que ser!

Não há "fórmula de Deus", não existe.
poderá ser energia o Universo?...
um bater de asas de borboleta
no campo recatado, escondido...
dilúvio no oposto Oceano, um tsunami
de casas de papel, de tornados,
de ventos revoltados... e porque não
só, um bater de asas parecendo simples,
sem nenhuma consequência, ou então...
talvez...tão permanente... no outro lado
do destino, na meia-lua terrena,
algo de diferente, voando nós,
sem a graça, no mesmo ar da borboleta?

Saí como entrei no café antes vazio,
agora cheio de gente...e eu
de alma perdida...

Pés de chumbo, desaperto o cadeado,
guardo a chave, liberto a roda,
de bicicleta parto à procura do mar...

Levo a caneta de tinta permanente,
no bolso da camisa
junto ao peito,
e dentro uma alma de poeta,
atenta!

A luz que se perdeu quando a mulher a deu

De olhar longo ao açúcar
esguio entre panelas flácidas
Ela fia o ninho e espera
suspensa cumpre e prolifera

Atrás do avental de ferro
de lado na terra em guerra
Ela suga o mel da serra
e cura o bicho que lhe chega

Às vozes surdas de medo
que gritam atrás dos muros
Ela sempre foi dando à luz
trilhos lentos e seguros

Hoje da espera delibera e
até a voz do mar se torna exílio
da raiva que aos gatos confessa
à hora do chá de concílio:

“A lua que nos rodeia é como grades
fluímos em extensões do sol e
tal como os das minhas irmãs
o meu olhar é nítido como um girassol!

Mas a visão que é nossa e dos gatos
não tem importância nenhuma
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

E o meu amor não tem
dessa luz a que te dei no leito
para ti que és de entre cegos
o que se sente mais que perfeito.”



Joana Espain

Um outro olhar...(6)


“o direito à (in)diferença...”

quem seremos nós?
e quantos estaremos aqui a fazer amor?
seremos mulheres ou homens?
seremos dois, três ou quatro?

mas, que interessa isso se estamos bem?

todos dizem que temos o direito à diferença
a nós que só queremos
apenas
ter o direito à indiferença

Tonto de amor

Cantavas à janela de Maio florido
Olhando o céu de luz inebriado
E, por fundo, um imenso azul de alegria.

Do canto me ficou em suspenso o que dizia:
“O meu olhar é nítido como um girassol”
– Talvez um eco da alma que te habita!

Sustendo a minha solidão indesejada,
Ouvia-te cantar, distanciada, sonhos
Onde eu já não cabia, e cuidava:
“Nunca são as coisas mais simples que aparecem
Quando as esperamos”.

Eu anseio, meu amor, as rosas do coração,
Rosas fortes como as mãos e sangue da emoção,
“recusando o que é desfeito
No interior do meu peito”.

Mas foi-se o teu canto para dentro
E tu seguiste-lhe os passos, ficando-me a luz assim
No horizonte lá longe como um muro de cetim –
Um rumoroso silêncio dentro de mim a ecoar:
“Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades”
– Coisa, meu amor, que tu não sabes.

E eu desfiei as memórias, tão felizes, uma a uma,
E fiquei triste e fiquei só como fica um girassol
Tonto de amor pelo Sol escondido atrás das nuvens,
Tudo porque descobri, e sem mo dizer ninguém,
Que “O meu amor não tem
Importância nenhuma”.
Até mesmo para ti!...


2008.11.20
José Almeida da Silva

1º Trabalho de casa II

O meu olhar é nítido como um girassol;
surpresas e confusas só as folhas
nos gestos recusando o que é desfeito,
flor de círculos descompondo a Natureza
revirando rosto de abelhas,
pétalas chama de cabelos,
no crepúsculo deciso dos poentes!

Nunca são as coisas mais simples que aparecem,
aos futeis, vulgares, distraídos,
imaturos eremitas parasitas de sinais...
redondos, concretos, cinzentos, inequívocos de ocasos
nos limites, nas fronteiras dos Invernos, dos Estios;
frios, muito frios... quentes, calores demais!

Quando não se conhece a Primavera
nada se escuta, nada se vê ...
até a voz do mar se torna exílio!

Belas são as flores, os rosas dos flamingos,
os bagos de romã, os voos da cotovia,
os restos dos ramos nas camas dos ninhos
das aves, quando as esperamos
antes dos frutos, nas beiras dos caminhos.

Nos campos de girassol
o meu amor não tem o medo dos grãos,
das mãos terra de raízes;
afasta as mousses dos vestidos
descobre-se na descida dos caules
transparece sorrisos de semente
no interior do meu peito.

Belos são os ventos, as melodias, os bailados
das folhas, dos ouriços dos castanhos...
e os dois corpos, longe dos olhos
estranhos, presos nos seus
sussurros de ventres, desejos repartidos...
e o sabor silvestre das amoras,
os figos de mel por entre filtros
de caruma...
a brisa do fundo da terra
que inebria de sopros, apruma,
a nitidez do girassol...

Nada mais tem
importância nenhuma!