sábado, 29 de janeiro de 2011

O azul líquido do Grand Canal


O azul líquido do Grand Canal


O azul líquido do Grand Canal
Em Veneza incendiada.

O vestido de cetim branco
Num corpo de Angeline
Debruçado sobre a noite.

Lustres de luz de murano
Num palácio outrora habitado
Balzac ou Proust?

O olhar enganador de cândido
O vilão que não era.

Pontes e canais e gôndolas
Um nevoeiro nocturno
A dissipar-se.

O amanhecer de ouro
Na cidade que flutua
E sabe
De um “cristal clear”
Que há lábios em todas as gôndolas.

Olho em volta
O escuro de uma sala
O momento escondido que se deixou
Atravessar de cenários, belezas de cinema
E um ecrã, perto, perto de mim.



Auxília Ramos

Um lapso à escuta


Fotografia retirada da internet

(Comecei a publicar com a Filipa Leal e agora com Armando Silva Carvalho alguns dos poetas concorrentes ao prémio Correntes d'Escrita 2011 de poesia)

1

Não há exaltação
este novelo de sombras
e nos ouvidos
a carne descansa o seu
abecedário.

Tornei-me este planeta por ofício.
Alguns colegas pedem: capelas,
luxos, alquimias.
E outros puxam, palavra
por palavra,
peixes de silêncio.

São atletas de Deus.
E eu confirmo.
também já conheci
os mais puros exercícios
do espírito.

E eu ainda: devagar,
em órbita fechada,
no tempo,
o melhor templo.

2

Inclino na folha
a imprecisão de Deus

Quieto na idade
eu já ouvira
o verbo feito luz

Tacteio o nome
incerto

Fixo o lamento
para a eternidade

3

Na sala ouvia os animais
que nunca vira
e a mão de Deus
batia nos pinhais

Estou só e cheio
do pavor do espaço
o céu abre-se ao meio
e cai-me no regaço

Tão feminino
seu gesto na brancura
dá-me o destino
a troco da loucura



Armando Silva Carvalho "As Escadas não têm Degraus" Ed. Cotovia