domingo, 11 de janeiro de 2009

t-e-m-p-o

O tempo é este instante de tempo
Esta dança entre ser este e ser já outro depois
Danço no tempo
A vida é uma dança de estrelas
Danço no tempo
A vida num instante
As estrelas que dançam em mim
Eu danço nos intervalos da lua
As mulheres dançam na tarefa da dor
Dançam em ritmo no parto e no beijo
Dançam de cor
Sabem tudo de cor
Pintam tudo de cor
Danço no tempo
As mulheres são a vida a quatro tempos
A vida corre neste sorriso de papel
Deixo-te este sorriso por não te poder dar um abraço
(tempo para um abraço)
Deixo-te a vida no tempo incerto de um poema
Uma sutura de tinta na relatividade do tempo
A metafísica do teu beijo, do teu tempo
Esta vida que me corre
Tenho tempo
Todo o tempo
Muito tempo
Na calma doce e lenta
da espera do teu beijo de boa noite.

O relógio na pedra mármore

Sempre coloco o relógio
na pedra mármore ao deitar.
Esta noite não. Apertou o pulso
na canção pontual do ponteiro
dos segundos
marcando esquecidos sonhos
na noite fria das neves;

um compasso fora d'horas
no fim do concerto da Trindade
cantar de Reis ultrapassados
melodias de Mozart e Vivaldi
orquestra de alunos
Jingle Bells
um coro juvenil
um outro mais avançado.

Notas de músicas crescendo acima
da cúpula antiga no altar dourado.
Sons de eco mais de mil
os ouvintes sentados nem tantos
um grupo de pé jovem, de rastas
e um skate de arte spray.

Dois metais dominantes, um de trompa
e a batuta do maestro escovinha
oscilando a mão entre "sotenutos"
e os tempos moles ou vibratos
de vozes brancas
colarinhos de golas altas
calças de vinco
vestidos sem repas.

Não levei luvas apenas capote
carapuço de costas lustrando
o apoio das semanas de mãos postas
e joelhos de martírio nos "Avés"
dos desejos de pedidos.

Escondi os punhos mangas dentro
lembro-me do revirado relógio
mostrador às voltas mirando
medidos batimentos.

No alto contrabaixo vi a descendência
do pequeno violino nem cabelo
nem o arco nos tempos das cabeças.

Por três vezes caíram os óculos
entre o colo e os joelhos
escorregando o programa
entre as palmas e os silêncios.

Recontei os dias, a vida real:
dez anos de música
crianças pela mão
milhares de passos
na escola antiga
alguns na actual.

Desfiei as diferenças minhas
dos outros que usam barbas
madeixas, olhos pintados:
"que bonita que ficou
aquela rapariga"
e os mais velhos, mais vincados
como eu
neste recuo de idades.

No altar-mor da igreja
a figura do menino em pontos luz
iluminada nos fios descaídos
de àrvore de Natal
de olhar feliz, as mãos ao alto
os pés pequenos e o espírito
que descia e abençoava
os pais queridos, o filho amado.

Não parecia de cerâmica o Jesus
talvez fosse de Deus o brilho
que me lembrou o dia e o vitral
na catedral de Reims

Ontem esqueci-me é verdade
não coloquei o relógio no mármore
e é costume colocá-lo.

Paz congénita

Não consegui aquecer-me nas palavras que me disseste
por escrito. Essas palavras são lenha verde acabada
de apanhar nas florestas onde vive o frio como chagas
em carne viva. São só dor sem bálsamo para curar as chagas.
Não curam de iluminar os sentidos todos acesos – a sombra
das árvores nem sempre é balsâmica. Há longos lugares onde
a luz é corredor de morte e as palavras sobram no silêncio
entre a dor e a dor seguinte quase sem intervalo. E as palavras
são pedintes suplicando um prazer efémero passando pela boca
como um gelado chinês quente e frio. É só na boca o prazer do frio
e do quente que transborda do gelado. A verdade é uma amálgama
que se transforma num todo interior. A verdade nunca é o todo
exterior. A verdade é a sombra da luz que vem de dentro. Tu dizes
e as palavras – a verdade – soam no universo vertendo a realidade
de que tu és capaz. Mas porque não conseguiram aquecer-me
as tuas palavras escritas, quero dizer, não verteram a realidade,
não havia nelas sequer a sombra da luz. Nem as palavras
que transcreveste de uma outra luz soaram à verdade das tuas. Não
as iluminaram. Nem sempre luzes entrelaçadas fazem clara a luz.
Nas palavras quase sempre convergem para uma noite sem estrelas
a não ser que sejam coadas ao sol num vitral de catedral românica
ou gótica onde é sombra iluminada o silêncio surgindo de dentro de ti.

As lágrimas que vejo nos olhos face a face com a morte da inocência
trazida pela luz mortífera de rockets e de obuses sedentos de uns tantos
quilómetros quadrados de terra e de ideologia! Este poder avassalador
da alegria e da liberdade não é luz de aquecer os homens nem o Amor.

E se fizesses explodir o papel pragmático que não vislumbras aos deuses?
Talvez pudesses accionar a força de paz que te é congénita – sem

[palavras.

2009.01.09
José Almeida da Silva