Sempre coloco o relógio
na pedra mármore ao deitar.
Esta noite não. Apertou o pulso
na canção pontual do ponteiro
dos segundos
marcando esquecidos sonhos
na noite fria das neves;
um compasso fora d'horas
no fim do concerto da Trindade
cantar de Reis ultrapassados
melodias de Mozart e Vivaldi
orquestra de alunos
Jingle Bells
um coro juvenil
um outro mais avançado.
Notas de músicas crescendo acima
da cúpula antiga no altar dourado.
Sons de eco mais de mil
os ouvintes sentados nem tantos
um grupo de pé jovem, de rastas
e um skate de arte spray.
Dois metais dominantes, um de trompa
e a batuta do maestro escovinha
oscilando a mão entre "sotenutos"
e os tempos moles ou vibratos
de vozes brancas
colarinhos de golas altas
calças de vinco
vestidos sem repas.
Não levei luvas apenas capote
carapuço de costas lustrando
o apoio das semanas de mãos postas
e joelhos de martírio nos "Avés"
dos desejos de pedidos.
Escondi os punhos mangas dentro
lembro-me do revirado relógio
mostrador às voltas mirando
medidos batimentos.
No alto contrabaixo vi a descendência
do pequeno violino nem cabelo
nem o arco nos tempos das cabeças.
Por três vezes caíram os óculos
entre o colo e os joelhos
escorregando o programa
entre as palmas e os silêncios.
Recontei os dias, a vida real:
dez anos de música
crianças pela mão
milhares de passos
na escola antiga
alguns na actual.
Desfiei as diferenças minhas
dos outros que usam barbas
madeixas, olhos pintados:
"que bonita que ficou
aquela rapariga"
e os mais velhos, mais vincados
como eu
neste recuo de idades.
No altar-mor da igreja
a figura do menino em pontos luz
iluminada nos fios descaídos
de àrvore de Natal
de olhar feliz, as mãos ao alto
os pés pequenos e o espírito
que descia e abençoava
os pais queridos, o filho amado.
Não parecia de cerâmica o Jesus
talvez fosse de Deus o brilho
que me lembrou o dia e o vitral
na catedral de Reims
Ontem esqueci-me é verdade
não coloquei o relógio no mármore
e é costume colocá-lo.
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