domingo, 8 de janeiro de 2012

Fragmento XIII - «e a noite iluminava a noite»


Cindy Sherman

noite. Todo o estado que suscita no sujeito a metáfora da obscuridade (afectiva, intelectiva, existencial) em que ele se debate ou tranquiliza


1. Atravesso sucessivamente duas noites, uma boa e outra má. Sirvo-me por assim dizer, de um distinção mística: estar a oscuras (estar as escuras) pode produzir-se sem que para isso haja motivo, porque privado da luz das causas e dos fins; estar en tinieblas (estar nas trevas) acontece-me sempre que fico cego pela ligação às coisas e pela desordem que daí resulta.
Na maior parte das vezes, estou na própria obscuridade do meu desejo; não sei o que ele quer, o próprio bem é para mim um mal, tudo ressoa, vivo momento a momento: estoy en tinieblas. Mas, também por vezes, é uma outra noite: sozinho, em atitude de meditação ( é talvez um papel que me atribuo) penso calmamente no outro, tal como ele é; suspendo toda a interpretação; entro na noite do não sentido; o desejo continua a vibrar ( a obscuridade é translúcida ), mas nada quero agarrar; é a noite do não lucro, do dispêndio subtil, invisível: estoy a escuras: estou ali sentado simplesmente e calmamente no interior negro do amor.

Roland Barthes " Fragmentos de um discurso amoroso "