É como um ventre, a mesa
Pelas patas presa
Longe dos ventos de outros eus
Mas os outros são os outros
E os outros meus
Dedos de medos à janela
Acenam com o céu. Não.
Quero ser mesa e cair nela
Quero a certeza do que é seu.
Joana Espain e José Almeida da Silva
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Plastema
Ninguém gosta
de andar por aí
com os espelhos à mostra
ou as perdas ao léu.
Larguei-os.
Andavam distraídos
e inutilmente
pousaram tortos
numa prateleira qualquer,
vim embora devagar,
larguei-os.
Fui à internet
e comprei uns novos
grandes, azuis de plástico,
muito resistentes
para uns olhos
em promoção
muito agradável
de andar por aí
com os espelhos à mostra
ou as perdas ao léu.
Larguei-os.
Andavam distraídos
e inutilmente
pousaram tortos
numa prateleira qualquer,
vim embora devagar,
larguei-os.
Fui à internet
e comprei uns novos
grandes, azuis de plástico,
muito resistentes
para uns olhos
em promoção
muito agradável
AS MINHAS ASAS
As Minhas Asas
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
– Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas…
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores…
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me seu
Pena a pena me caíram…
Nunca mais voei ao céu.
Almeida Garrett, in Flores sem Fruto
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
– Veio a ambição, co’as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas…
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores…
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me seu
Pena a pena me caíram…
Nunca mais voei ao céu.
Almeida Garrett, in Flores sem Fruto
(in)colocado
Fotografia retirada do blog "cités obscures"
há um cansaço à espera de sábado
neste ar demasiado luzente e caldo.
a melancolia de um mocho num ramo de pinheiro
o formato da copa, uma seta.mas esta é apenas
uma imagem, uma metáfora, não vejo pinheiros:
uma tília, um arbusto sem nome, uma magnólia.
o silêncio cúmplice do jardim nas artérias
cor de saibro, clareando ainda mais o espaço
de um Equador, luzente, caldo, nos meus pólos.
a alma enrola-se pequena, encolhe como o caracol
sua dentro da sua única casa, os poros abertos
como janelas de onde sai a chuva, o cansaço.
do outro lado o ouro de um cogumelo mágico
raiado numa selva de dedos no teclado branco.
os concertos. os consertos de alma, fluidos,
no berço de uma clave.
Sol porque assim começou luzente e caldo
na opacidade do ar. sem ser sábado.
(in)colocado como uma flor de plástico
sem viço nem aroma no interstício de uma rocha
exótica, da arábia, da china, talvez de áfrica.
como um robalo na hora de um prato, fumegante,
no restaurante, do alto, olhando o mar da foz
(inal)cansado.
flutuo no lugar da música
sem a razão e os minutos de um sentido
sem pés, sem patas, sem mãos, sem garras
no interior de uma lamparina
e amanhã é sábado.
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