sexta-feira, 14 de outubro de 2011
de cabelos molhados
Henri Matisse
de cabelos molhados e a frescura em cima dos ombros,
escrevo para levantar um rebuliço nas pontas do ar.
não há cavernas sempre fechadas e sempre abertas, e todos têm as suas,
escuras e escondidas ou vestidas de luz, dentro das suas vidas.
criaram-se as dicotomias e as tríades para levantarem poeiras,
no meio dos desertos, para revelarem oásis ou vazios difíceis,
de onde se conclui
que não há perfeições perfeitas nem diabólicos lugares que povoam os dias,
há misturas e dúvidas, trilhos pequenos e uma poluição de ruas,
e todas se complementam em surpresas imprevistas:
por vezes, no fim da tempestade, também surge o arco-íris.
porventura se falarmos da complexidade, das reacções químicas,
como os cogumelos drásticos de Hiroshima, cai um véu negro
que destrói os filamentos das células num veneno permanente.
o estado extremo da calamidade pode cair como uma aurora negra
ou uma nascente seca de um rio, na sede das encostas e das raízes;
um supremo desafio, uma transcendência dura que nos infiltra.
no entanto, essa é a essência do nascimento, o existir e o não existir
como súmula simples, e enquanto existimos, devemos usar
todos os argumentos: uma pele inquieta, os lábios abertos,
a fórmula reanimada até aí desconhecida, o cálice perseguido,
a revolução das ideias e dos sentidos,
o acreditar em paraísos -
escrevo portanto sem o pudor dos templos, sem as faces dos cubos
que apenas dobram esquinas e repetem rumos de formigas.
escrevo simplesmente de cabelos molhados e sem qualquer fúria
nas voltas de um ar contínuo,
um ar em rebuliço onde folhas rodopiam;
linhas de letras seguidas,
como a água morna de um chuveiro
ainda há pouco, caindo suavemente sobre o corpo,
e um sabonete branco
por entre espumas que deslizam -
José ferreira 13 Outubro 2011
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