Desci a rua ao fim da tarde para ver aquelas cores, esse azul e laranja matizado, e desejei encontrar-te nas ruas da baixa.
Quando
passei na rua onde estava a sala de jantar, onde também tinha estado
acompanhada, temi que aparecesses. É que nessa sala tinha-se enchido o
som do piano, e do outro lado da mesa foi repetido, Se quisesses vias
como esperam que o teu olhar pouse sobre eles. Muito mais tarde pensei,
então era isso, capricho! Chorei, e lembrei que se calhar, só mesmo o
pianista teria percebido a pontinha de tristeza e a minha ilusão de
pensar que me iria despedir dela.
Voltei
a passar no largo da lapa, para ir visitar uma mulher. Estava frio
nessa noite, também estava frio enquanto subia a escada a meia-luz. E
quando entrámos na sala, essa mais iluminada, é que vi, metade do seu
rosto e pescoço, e o meu olhar foi pousar na sua mão, com a pele também
enrugada pelas queimaduras. Chorei compulsivamente, ela abraçou-me.
Quando nos sentámos na mesa redonda, já com as duas chávenas de chá,
perguntei-lhe quando soube. Ela disse, Ainda faltavam uns dias para
voltar ao Porto quando me disse que eu queria partir, que tinham sido os
seus dias mais felizes mas que eu queria partir, percebi que para ele
eu não era... Terminei-lhe a frase, e ela recomeçou a falar, Não me
lembro bem da viagem de regresso, nem de chegar a casa. Só me lembro de
acordar no hospital. Tive algumas visitas, foi muito constrangedor para
elas, não perguntavam... Disse-lhe, Pois, pensaram que querias morrer.
Devagar ela esboçou um sorriso para dizer-me, A coragem só existe quando
temos medo, e não temo a morte... Mas… lamento ter agido de impulso, só
quando voltei a casa e me despi em frente ao espelho... Levantei-me da
cadeira, contornei a mesa para a abraçar. Depois ela disse-me, Tens de
ser... Sorri-lhe a confirmar.
(2010-2011)
Anabela Couto Brasinha
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