sábado, 28 de fevereiro de 2009

Bachianas melodias

As bachianas melodias penetram de voz feminina
por momentos o tecto vazio de amplas raízes.

As bachianas de "Villa" de "Lobos"
desfibrando terminologias
lianas finas forasteiros sentidos
palpitando socorros de clareiras
na vasta selva savânica
onde o dia escoa ao som de ruídos
que são mudos na noite das bachianas.

Prudente juntar lenha, pedaços de chama
na luz intermitente que afaste as feras
a fogueira num batimento pré-histórico
de lascas e chuvas de faíscas. Brasas
uma luz emergente altiva de pirilampos
na escura orquestra anómala de grilos
músicos vadios em traje de gala
desconexos e perdidos num mar de arbusto
mesmo assim sem ser incómodo
a mágicos sustenidos soprano

as bachianas

sons de dança curvilínea
hipnose oscilante de sorrisos
vestido nas manchas de hienas
quietas, atentas
na clareza aguda das melodias

as bachianas

demovendo olhos cercados de linhas roxas
nos braços nus de uma tempestade interna

as bachianas

o sossego, o abandono
no busto da harpa dourada
crescendo nas cordas de celos
violinos de voz feminina

as bachianas

suspenso em asas de música
por momentos não existo

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Num copo de vinho

Num copo de vinho
Moram os dias
Audazes
Dos capazes
Ébrios alados

Afogados
No vinho a copo
É tinto o corpo
É findo o torto medo de ser
Somente

É findo o corpo modo de ser
Só mente
Porque do corpo a copo
Bebido
Assumes o dia
Consumido

E já nem sentes
O dormente
Verter de horas
E demoras
Sem escapar
Dos dias
como este

Mas,

Se ainda te moleste
O temor que bem pressentes
Mergulha fundo no copo
Dos contentes

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Nesses dias não anotava matrículas

Nos dias de Março, fim de Fevereiro
apara-se os cabelos das árvores:
mais de lado, mais ao alto
conforme o penteado;
menos copa, menos ramos
um molho bem atado.

Nos dias da Baixa à Biblioteca
duas janelas no segundo andar
os ramos finos qual vidro partido
gretavam o ar nos olhos miúdos
- alguém pequeno que observa
e risca folhas soltas de papel
matrículas velozes de marcas
antigas: Simca, Taunus, Capri.

Onde estão as notações, os registos
as surpresas dos repetidos
nas colecções sem caras
(números letras suspensas
de placas cor de xisto)?
Perderam-se nos recantos
casa dos pais altas janelas.

Nos dias dos caçadores de ninhos
(descobertos nos vazios)
muitos homens de serrotes ruídos
despiam árvores já despidas
na espera dos dias primos;
previsto despontar de brilhos
verdes.

Homens em cordas grossas de sisal
(balancé de pé fincado nas dobras dos braços
transformados em aparas de lâmina faminta)
desnorteando os nós em migalhas de fibras
ramos em queda;
círculos divididos céu terra.

Nos dias da estética antes da Primavera
surgia mais branco o horizonte na janela
(cortes duros excessivos sem queixume
àrvores grandes nos troncos mudos).

Nesses dias esperava o pôr-do-sol
a despedida
na parte perdida dos ramos
e não anotava matrículas.

Sobre a insensatez

Imprudentemente
Tremo
Os ossos, as pernas, o corpo
Que temerosamente cuidam
Serem base, prato e copo
Meus alicerces servidos
Sobre a mesa de jantar
De medos bem guarnecidos
Num imponderável manjar
Meus acessos de loucura
Brandos comes brandos bebes
Trazem-me água e fartura
Para cobrir as minhas sedes
Tanto faz se não me vês
Tenho febre e insensatez
E se não me vires ainda
Tanto fez
Tanto fez

Sobre a vontade

À volta, o tempo ressequido
E a sede à solta a sugerir
Todo o mar por tragar
Toda a demora seca de vontade
De ter sede, ainda mais do que beber

Sobre a resignação

Sento-me sob a quina dessa dor
Como no mais confortável dos espinhos
E nem à velhinha mais sofredora
Eu cedo este lugar onde me sinto

Sobre a ausência

No espaço ocupado pela tua ausência
Cria-se a espessura do vago
Essa nuvem cerrada que tinge o olhar de névoa
E precipita os dias em lágrimas
Pergunto-me porquê?
Se da tua profunda inexistência, nada é extraído
Ensinamento nenhum
Nenhuma crença
Sentença alguma
Apenas este incerto momento em que aprendo
A consistência da saudade

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

o amor esconde-se nas arestas da dor

O amor é um jogo sem regras
Nada é simples
Ladrão de vontade
Poeta perdido sem pés
Tudo é simples
Só asas
O amor
É um jogo sem regras
São sempre três no amor
Eu
tu
os outros
nada é simples
ladrão de vontade
O amor
É solidão em estado duplo
trilogia incompleta
Uma dor tripartida em prazer
Solidão em estado duplo
Amo o amor na sua indelicadeza
Rude de amor
Perene
Eterno
Etéreo
É solidão em estado bruto
Só asas
O acaso ditado que se redobra
Tudo pode ser
Tudo é simples
Reciclagem de afecto em dor
Dor em afecto
Nada é simples
Poeta perdido
Sem pés
Só asas
Sombra em luz
Sombra em nós
Amo o amor na sua indelicadeza
Nossa sombra
Amor nosso
É caos organizado
Em estado duplo
Amo o amor na sua indelicadeza

Em estado puro
É paz

Paul Auster

Something happens. Or else, something does not happen.
A body moves. Or else, it does not move. And if it moves,
something begins to happen. And even if it does not move,
something begins to happen.

Paul Auster "White spaces"

Parti a cadeira

Parti a cadeira contra o muro
no prazer destruidor daquela madeira
lembrava o dia que foi destroço
náufrago de uma zanga de tridente.

Era bela. Quando olhava o fundo
um anel em argola rodeava antes do fim
tornava-a segura. Mas parti-a
com todas as forças em mil pedaços
reduzi-a a uma inexistência última
que era tua.

Separei a palhinha e sombreei os raios
disfarce de girassol- último adeus.

Acendia-a de chamas
reduzi tudo a cinzas-
último suspiro.

Perdi-te. Morri.

Magnolia Grandiflora

Destila em ti um aroma lunar
de rosas mil forma branca
delicada Prímula
rosto de tulipa
uma seda junto aos dedos
na descida
em que te adoro de joelhos
deslizando na coluna
vista curva de receios
louco a meio a face junto
no triangular designio
lábios de destino
ao estelar desiquilibrio.

Magnífica indefesa sem ser eu fera
apenas e tão só alguém que observa
a oculta beleza que me desperta
na sempre insistente natureza
não humana
que te vê tão simplesmente
como opulenta e extensa deusa
"Magnolia Grandiflora"

Fulbright Scholars

Ted Hughes, poeta nascido em 1930 faleceu em 1998. Foi casado com Sylvia Plath a quem conheceu em Cambridge como bolseira Fullbright em 1955. Sylvia perdeu o pai aos oito anos e tentara o suicídio em 1953. Casaram tiveram dois filhos, separam-se em 1962 e em 1963 Sylvia suicida-se.
Esta pequena introdução faz parte da informação que recolhi num livro que recentemente comprei e se chama "Cartas de Aniversário" (edição Relógio D'Água)dirigidas a Sylvia durante vinte e cinco anos depois da sua morte.
Hoje deixo o primeiro desses poemas nas duas versões Inglesa e traduzida.

Fullbright Scholars

Where was it, in the Strand? A display
Of news items, in photographs.
For some reason I noticed it.
A picture of that year's intake
Of Fullbright Scholars. Just arriving-
Or arrived. Or some of them.
Were you among them? I studied it,
Not too minutely, wondering
Which of them I might meet.
I remember that thought. Not
Your face. No doubt I scanned particularly
The girls. Maybe I noticed you.
Maybe I weighed you up, feeling unlikely.
Noted your long hair, loose waves-
Your Veronica Lake bang. Not what it hid.
It would appear blond. And your grin.
Your exaggerated American
Grin for the cameras, the judges, the strangers, the frighteners.
Then I forgot. Yet I remember
The picture: the Fullbright Scholars.
With their luggage? It seems unlikely.
Could they come as a team? I was walking
Sore-footed, under hot sun, hot pavements.
Was it then I bought a peach? That's as I remember.
From a stall near Charing Cross Station.
It was the first frsh peach I had ever tasted.
I could hard believe how delicious.
At twenty-five I was dumbfounded afresh
By my ignorance of the simplest things.


Os Bolseiros Fullbright

Onde é que foi isso? terá sido na Strand? Uma exposição
de acontecimentos recentes, com fotografias.
Por alguma razão reparei nela.
Uma fotografia tirada naquele ano
com os bolseiros Fullbright. Mesmo a chegar-
ou já chegados. Ou só alguns deles.
Será que estavas lá no meio? Examinei-a,
sem grande minúcia, imaginando
qual deles podia vir a encontrar.
Lembro-me desse pensamento. Não
da tua cara. Dei sem dúvida particular atenção
às raparigas. Talvez tenha reparado em ti.
Talvez te tenha avaliado, achando-te improvável.
Prestei atenção ao teu cabelo comprido, levemente ondulado-
à tua franja Veronica Lake. Não ao que ela escondia.
Parecias loura. E o teu sorriso.
O exagero do teu sorriso
americano frente às câmaras, aos juízes, aos estranhos, aos
que metem medo.
Depois esqueci-me. Ainda assim lembro-me bem
da fotografia: os bolseiros Fullbright.
Tinham bagagem? É pouco provável.
Teriam vindo em equipa? Eu caminhava
com os pés doridos, debaixo de um sol escaldante, em passeios
escaldantes.
Foi então que comprei um pêssego?- Lembro-me que foi assim.
Numa tenda perto de Charing Cross.
Era a primeira vez que saboreava um pêssego acabado de colher.
Nem podia acreditar como era delicioso.
Aos vinte cinco anos estava de novo pasmado
com a minha ignorância das coisas simples.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A derme adormecida

A derme adormece endémica
sede pele vermelha
na quente tarde que queima
(toalha de felpo montes de areia)
lençol que passeia uma outra pele
macia indelével invisível de tela
branca tontura as ondas perto.

Se a nuvem se descuida e voa a mosca
afasta-se a espuma retoma a forma
o fresco ciúme de sol posto
na derme
que acorda e estremece.

A poesia de "quase"

Gostei imenso desta poesia de Mário Dionísio que agora partilho convosco;
uma poesia de "quase" que "quase" acontece.

Uma mulher quase nova

Uma mulher quase nova
com um vestido quase branco
numa tarde quase data
com os olhos quase secos

vem e quase estende os dedos
ao sonho quase possível
quase fresca se liberta
do desespero quase morto

quase harmónica corrida
enche o espaço quase alegre
de cabelos quase soltos
transparente quase solta

o riso quase bastante
quase músculo florido
deste instante quase novo
quase vivo quase agora

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O poeta é um pouco louco

É curioso escrever o poema como quem sobe uma escada
até à cerimónia secreta de manto, vela e rosto tapado.
Estender em dois buracos o olhar imperfeito de retinas
na raiz de outras almas outras sinas.

Não será postulado único como origem.

Por vezes é um circo que se anima de um trapezista
no equilíbrio de uma vara, um anão que rebola na
impossível guilhotina de uma garra imemorial de um
tigre ou num balancé de uma tromba de elefante.

O poema como resultado expositor de palavra

Cabeça de guizos incomposta e exigente
na súbita invenção de margens, um rioimediato
que nasce de um sopro ou fumo vago.

Sonha-se a imagem no poema como gozo
uma garrafa de asa uma chávena de gargalo
e a mesa pendurada no belo tecto arabesco
da mesquita Halloween; grande abóbora.

E nada existe desta forma para além do cisco
que resiste junto ao canto, obriga a vista
à cuidadosa medida
que lança de novo a âncora
o bálsamo do benefício
o merecido alívio
nos risos improváveis de juízo:

o poeta é um pouco louco
uma nota descontínua.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Quarentena dos afectos tripartidos


PARTE I - à parte

Nas palavras suturadas
Entrego-te a cicatriz de um poema
Ou o que restou do alto do
Salto atirado de um sonho em queda livre
Sem o atrito do bom senso
Infligi unhas e quanto pude
A todas as frases e frases que escrevi
E nem assim rasguei sequer um rasto
Da ferida alimentada de flores sem pétalas
Perfume decapitado de agitado temor adormecido

Como explicar o que me sobra
Se a sombra que sigo é apenas -
O revés de um beijo
O reverso do desejo
O oposto da doçura
A dor pura
Que de palavras impossíveis
Eu a visto
Que nada do que diga se lhe assemelha
Mas,
insisto em inscrever
Na minha pele
A cicatriz desse poema

___________________________

PARTE 2 - aparte

Dói
.......Mói
Rói
A dor rói
Amor dói
A dor mói
___________________________

PARTE 3 - partes

Glóbulos
Rubros de afectos
Corram mudos
Aos factos
Surdos do amor
Glóbulos brancos
Soldados
Em bandos
Recrutados
Acalmem a dor

Faltas-me e
É isto que aqui vês
Febre e
Branca tez
Em rubor contradição
DaDor eu sei
Que o teu sangue molha
O meu coração
E da dor que me olha
De frente
Sobra a infecção
Dessa ausência
Permanente e
Incurável
De ti

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Poema

Mais um poema de Nuno Júdice do seu livro "Cartografia de emoções"

Poema

Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registo de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que o guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Alta muralha

Era o prédio mais alto na rua mais alta
da ciddade junto ao mar.
Telhados de remendos e vigas desalinhadas
condensadas em brilhos de alumínios
reflexos arco-íris nos dias húmidos
desfiando luz.

A rua era a mais funda na cidade baixa
de legos castanhos, vista do prédio alto.

A náusea do perigo a evidência da distância
na volta da varanda e a cidade inerte, suspensa.

Não havia asas talvez dormissem de bicos quentes
rodeadas de sovacos e o arfar de folhas verdes.
Das árvores na varanda alta não se viam troncos
apenas cabelos de selva, círculos infantis incertos
copas distintas de tílias, plátanos, loureiros
e o sobrevivente rododendro no átrio do Paço
que previa de botões pequenos, pontas de lança;
não era a época do lilaz.

Na varanda alta era um na cidade muda
recebia raios de chama golpes na face
e os dedos vincados no tubo inox
vidro aquecido.

Trouxe uma cadeira de lona uma mesa de arame
um guardanapo bordado um copo de água
abriu o bloco estendeu o olhar até ao azul
tão azul no limiar de um céu mais claro.
Lembrou o dia da casa mais baixa na rua mais
estreita da vila mais pequena
agora na varanda alta esplanada sobre o mar
onde certamente as gaivotas e os golfinhos
eram os mesmos indiferentes aos ritmos
dos cimentos e palavras tão distantes.

Não pôs o chapéu não queria
um fio de sombra separando o Sol
deixou-se ficar como quem aguarda
um amigo do céu uma sereia do mar
e interrogou-se se talvez não devia
trazer uma outra cadeira
ou antes
uma banheira na varanda alta.

E sorria e gritava na mais alta muralha
na cidade calada.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O dia 14 de Fevereiro

Está previsto um dia de Sol amanhã
por isso não se cuidem
não se cuidem da cor

dos lírios das orquídeas da romã
dos "fruit de la passion"
nos bosques "du lendemain"
numa praia de Itapuã

e não se cuidem por isso
dos aromas de uma rosa
em pétalas cor de maçã
do travo sabor picante
de uma folha de hortelã

e por isso
o poema é só isso uma rima
de um feitiço
para o dia de amanhã!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Narimbá

Narimbá quebrado no barco sai para o mar
a pele morena sabe a destinos de Sol e sal
e Narimbá parte, os dias todos pela manhã.

Leva farnel, uma sardinha o pão de maná
olha as ondas em héxagono sisal
espera o tempo largo medindo o céu
descaindo de luz nas pratas do seu mar.

Houve um dia o barco no areal.

Nesse dia o Sol subiu mais alto
soltou gotas escondeu o olhar
de nuvens cinzas ondas sentidas.

Foi o dia mais triste na praia de Iemanjá:
14 de Fevereiro - o dia da sereia

Narimbá entrou no mar.

Convictos

Das manhãs laminares
que deslizam pelo útero
escolho aquela
vermelha suspensa
em os olhos se espalharam
grandes e convictos
e nunca mais te viram.

As paredes do meu ser

AS paredes dos meus dias são feitas de vidro
sujeitas aos sinais do clima;
sol intenso, águas de chuva, gotas de grizo
intenso frio:
três camisolas, um anorak, meias de lã
mas sobrevive o brilho
de um sorriso hortelã no ar adverso
e as formigas seguem o seu caminho
tão escuro, tão espesso, nas rotinas
da cidade.

Quando era menino minha mãe
via dias num aquário de neve
prédios de pernas ao contrário
dentro de paredes líquidas.
Respirava água a alta torre, a casa mais bonita
e as mãos pequenas de criança à roda fixa
do mesmo cristal, sem renas, feitas de pedaços
de penas, estrelas brancas, ora em cima
ora em baixo.

A minha cidade tem paredes cor de tela
escrevo nelas palavras anónimas de grafites
de pastel, na forma perene de gravuras
ilustradas, serpentinas de pincel.

Por vezes no Carnaval
quando era menino minha mãe
fazia chapéus de listas, de fitas coloridas
mas um dia disse uma asneira picante
pediu-me a língua e pôs
pós de cor gengibre, especiaria opalina
pimenta, ardia ardia ardia
guardei as lágrimas numa bolsa pequenina.

As paredes dos meus sonhos são feitos de névoa fina
são rios ou areias movediças
mas não os sei
nem qual é o seu destino
guardo risos guardo lágrimas
numa bolsa pequenina
a bolsa de minha mãe
aquela que viu nascer
os meus sonhos de menino
as paredes do meu ser.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ambos nos olhares

Quero-te de olhares noutro sentido
aberta aos sons que o vento traz
descruzando a lira de mensagem
que sendo minha no silêncio
da tua como onda se desfaz

em chuva persistente de morrinha
gotas de discurso tão fugaz
como ruído de granizo impertinente
sem frases belas palavras ternas;
folhas e maçãs de um Paraíso.

Quebrem-se os arames
as pelúcias dos ditames
e frente a frente ao som das águas
falemos sem qualquer medo
nas mãos das fragas
dos olhares noutro sentido
sem outras mágoas.

Dizem do homem ser mais muralha
preso de nós e de lugares
Dizem da mulher ser mais profundo
o sentir e a chama de acendalha
embora a mesma lógica- o ideal
a metade do divino
o meio caminho
a lima e o mel doce
a flor e o espinho.

Por isso em ti me fundo de liana
em palmas oscilantes de passeio
no teu ombro nada vejo
cego em florestas de cabelo
nas lágrimas mágicas de brilhos
ambos nos olhares
unos sentidos.

Poema

Uma pequena pérola de poema que começa numa frase muito conhecida, muito utilizada.


Poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Onde há ondas

Não engole, digere,

é planeta, dimensiona-nos,

espaço e lógica do nosso papel.

Ama-se assim,

em abandono, sem força,

à música que o manipula com um sopro

numa dança contemporânea, onde se cai e rebola,

onde se pára no silêncio e se mexe só os olhos devagar.

E como se deseja,

se espalha e se abre na pele de todos, sempre nua para ele

que despimos, novos e velhos, e lançamos em sentida oferenda,

numa troca bem pensada, onde pelo nada de quem nada teme ao nadar

em ondas que nem sempre vemos crescer, já sem fôlego, se recebe o sabor de todo o ser,

não refinado, não mutilado, em ferida aberta

que dói, mói, arde e sara

salga a humanidade.

O Mercador de Veneza

Tarde parda de domingo
algumas gotas de chuva
poucas na praça.

Desafio de segredos e espantos
nas falsas modéstias de um balcão
cadeiras soltas veludos gastos
de cor rubi junto à coluna
pessoas muitas.

O Mercador de Veneza época áurea
o fosco judeu brilho de usura
alguns mais personagens no cenário.
História de anos talvez trezentos
os tormentos deduções e aventuras
nem tantos talvez minutos.
Nas luzes do presente
nas rotinas escuras de
cidades consequentes
homens tantos mulheres várias
amores pedintes riquezas raras
são intermitentes raízes sempre
em séculos de idades.

Cofres ouro prata chumbo
alegoria cristalina de mensagem
súmula do conforto no posfácio
prémio defesa subtil que destina
o suspenso final que oscila
entre um quilo de carne humana
e a suprema entrega da sua amada!

Ganham os bons julgados fracos.
Sem a filha, as moedas, a vingança
perdem os fortes que no fim
se tornam fracos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Quatro quadras

Inventário


De que sedas se fizeram os teus dedos,
De que marfim as tuas coxas lisas,
De que alturas chegou ao teu andar
A graça de camurça com que pisas.

De que amoras maduras se espremeu
O gosto acidulado do teu seio,
De que Índias o bambu da tua cinta,
O oiro dos teus olhos, donde veio.

A que balanço de ondas vais buscar
A linha serpentina dos quadris,
Onde nasce a frescura dessa fonte
Que sai da tua boca quando ris.

De que bosques marinhos se soltou
A folha de coral das tuas portas,
Que perfume te anuncia quando vens
Cercar-me de desejo a horas mortas.


José Saramago

Retirado do livro oferta do Jornal de Letras

Poesia curta

Alguns poetas têm o condão de escrever em poucos versos grandes mensagens
daquelas que ficam na memória como uma estrofe de pauta, uma canção.


A história da moral


Você tem-me cavalgado,
seu safado!

Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo!

Alexandre O'Neill

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O prisioneiro da liberdade

Não é suportável todos os dias
a gota pinga a alma ferida
o negrume tão escuro de uma vida
putrefacta de destino. O não sentir
a pele amiga que nos cobre e amacia.

Dez anos de exílio na escura prisão
grades de quem ousou denunciar o
opressor. Entrega ingénua de liberdade
a própria, una, pura, princípio singular
de cruzada, sina frágil. A dor só
que gira na roleta dos duros cardos
permanente e forte, imensa tortura
na rotação de globo, cela profunda.

Quatro paredes medidas de mãos
junto ao catre- dez por cinco palmos-
vinte livros ao alto um copo de lata
a janela de carvão uma algema desenhada.
Luz de velas em escada de ceras
o espelho torto de tábua na moldura
um prego e um nagalho discreto
o prisioneiro à solta olhos fechados
a alma ferida na almofada.

A terra do nunca

Mais um poema do Nuno Júdice um poeta que muito admiro desde que me chegou às mãos o livro "Cartografia de Emoções".
Hoje deixo-vos um poema que vem publicado num livro oferta com o Jornal de Letras. Chamou-me à atenção o nome e o síndrome "Peter Pan" que por vezes me seduz no desejo de elevar um pouco os braços e em magia de "Sininho" tocar as estrelas, conversar na Lua e espreguiçar-me coçando lentamente os olhos aos primeiros raios de Sol, ou seja cobrir-me de um sentir de girassol na direcção exacta da Luz.



A terra do nunca

Se eu fosse para a terra do nunca,
teria tudo o que quisesse numa cama de nada:

os sonhos que ninguém teve quando
o sol se punha de manhã;

a rapariga que cantava num canteiro
de flores vivas;

a água que sabia a vinho na boca
de todos os bêbedos.

Iria de bicicleta sem ter de pedalar
numa estrada de nuvens.

E quando chegasse ao céu, pisaria
as estrelas caídas num chão de nebulosas.

A terra do nunca é onde nunca
chegaria se eu fosse para a terra do nunca.

E é por isso que a apanho do chão,
e a meto em sacos de terra do nunca.

Um dia quando alguém me pedir a terra do nunca
despejarei todos os sacos à sua porta.

E a rapariga que cantava sairá da terra
com um canteiro de flores vivas.

E os bêbedos encherão os copos
com a água que sabia a vinho.

Na terra do nunca, com o sol a pôr-se
quando nasce o dia.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Heterónimos de Fernando Pessoa

Segue o teu destino
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-votos aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis (1916)
Poesia Heterónimos Porto Editora
(introdução e organização de
Auxília Ramos e Zaida Braga)

O Olhar Diagonal das Coisas

Caros amigos,
a ASSéDIO tem o prazer de informar que vai estar presente nas Correntes d'Escritas 2009, na Póvoa do Varzim, no Novotel (Aver-o-Mar) no dia 9 de Fevereiro, pelas 22:00h, com o espectáculo:

A partir da poesia de Ana Luísa Amaral
Com direcção de Nuno Carinhas
Apoio dramatúrgico Rosa Martelo
Figurinos Bernardo Monteiro
Vídeo Paulo Américo
Interpretação João Cardoso, Micaela Cardoso,
Pedro Frias e Rosa Quiroga
Produção executiva Rosário Romão
Produção ASSéDIO



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Água em nós

A lenta dança da chuva
Neste sussurrar cinzento de neblina
Manhã ténue
Vento e chuva
O verde escuro da árvore parada
Danço com o vento esta chuva interior
Dói-me a chuva
Ritmo cinzento cardíaco
Bate lenta a chuva
Bate lento o peito adormecido
A lenta dança da chuva
Rouba o vento as minhas folhas
Neste sussurrar cinzento de neblina
Ouço água imensa que me inunda
A árvore é indiferente
Ao vento, à chuva, ao céu
Interna árvore parada
As pernas imóveis num tronco
Os ramos braços inertes
A lenta dança da chuva na minha face
As folhas verdes caindo
A minha face em água
Dói-me a chuva
Danço com o vento esta chuva interior
As lágrimas
Só gotas de chuva
Água interna parada
Árvore interna parada
Eu inteira parada
Choro chuva
Sou a árvore mais parada da rua nesta manhã
Rouba o vento as minhas folhas
Ouço água imensa que me inunda
Parada
Eu chuva.

Gesto suspenso nas águas

Nas costelas de gaiola aberta bate o som
linear de um discurso de aromas
querendo desmaiar pétalas
conservá-las na impressão de um sonho
suave e bom.

Será suave e bom como perfume de alfazema
numa tarde de rio e de merenda
apesar do frio do musgo de resíduos
quando não há sorrisos.

Uma folha de eucalipto e a baga de botão
cai ao centro circular
de pequenos redondos em crescendo
até à margem
onde teus dedos perdem tamanho
em mergulho de aqueduto
gesto suspenso de águas.

A folha é um barco que passa ao largo
e o discurso continua flor de amêndoa.

Na frase mais quente levantas o cais
de salpicos inundas o meu rosto
gotas doces, mel de duendes
sem os sais dos mares
a saliva das nascentes.

Primeiro sinal a reticência
nos teus olhos de searas
fenos os cabelos e a cena
dos meus negros.
Verdes os poemas de alfazema
as rimas dispersas de brisas
cor do mato e névoas finas.

Não dizes que sim voltas ao cais
aos medos, nas dúvidas dos lábios
diminuem os teus dedos.

Volta o discurso de aromas
as gotas do mesmo jeito
volta mais o meu desejo
no mesmo tom
suave e bom.

VIDA

Vida, momento-ternura de grande fervor,
também mágoa e compaixão,
momentos de paz, delírios de amor,
também desassossego e desilusão,
...mas só enquanto bate o coração!

Vida, momentos de calma e voz mansa,
também gritos ou alucinação,
momentos de lirismo, de grande bonança,
também de guerra ou destruição,
...tudo isto enquanto bate o coração!

Vida, momentos de fome ou larga abundância,
também de mistério ou religião,
momentos de equilíbrio ou discrepância,
também de ciência, apurada investigação,
...mas só enquanto bate o coração!

Vida, momentos de prazer, de doce loucura,
também de silêncios ou de crispação,
momentos de saúde, ou sepultura,
também de beijos, por vezes traição,
...mas apenas enquanto bate o coração!

Vida, somos nós cordialmente,
com estóica esperança de viver,
aceitando uma vida tão efémera,
mesmo sem haver um renascer!

Vida, somos nós cordialmente,
lutando pela família e pela amizade,
também pelo amor mesmo que efémero,
em busca duma utópica felicidade!...

( Nota do autor: retrato da Vida na sua magnitude e na sua complexidade, algumas vezes ultrapassando a chama do amor; mas em última instância, é este que representa a mais doce expressão vital).

António Luíz, in " VIDA: Paixão e Tormento", 2008 - Edições ECOPY

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Por isso quero

Não querer é desistir
é não ser nada.
É partir à nascença
a essência de existir.

Não querer é insolver
abismar de disfunção.
É viver a culpa alheia
é ser nada e existir.

Por isso quero
essa dor de impossível
esse mar de Adamastor
esse ardor de querer ser
esse ser de fingidor.
Ter a sede de poema
e ele ser
água e alma no deserto.

Por isso quero!

Um poema da Ana Luísa

SILOGISMOS


A minha filha perguntou-me
o que era para a vida inteira
e eu disse-lhe que era para sempre.

Naturalmente, menti,
mas também os conceitos de infinito
são diferentes: é que ela perguntou depois
o que era para sempre
e eu não podia falar-lhe em universos
paralelos, em conjunções e disjunções
de espaço e tempo,
nem sequer em morte.

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão
seguinte: o que é morrer?

Por isso respondi que para sempre
era assim largo, abri muito os braços,
ditraí-a com o jogo que ficara a meio.

(No fim do jogo todo,
disse-me que amanhã
queria estar comigo para a vida inteira)

Ana Luísa Amaral
"Poesia Reunida 1990-2005"


É sempre bom voltar à poesia da "Prezada Mestra"!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Certeza dos Dias

Assinalo o dia das certezas
dos rostos belos fotografias
súmulas resumos entendimentos
pretendidos, reforçados no almoço
vegetariano rubi de beterraba
de lentilhas grãos de milho
moles acessíveis
trincando digerindo saciando
a certeza dos dias.

Cálice de vidro champanhe
nas saúdes merecidas
afastando
rudes ramos de armadilhas
rastilhos explosivos
esfumados e desfeitos
clareando
ambientes cristalinos
danças de sereias salinas
especiarias
horizontes azuis anilinos
temperos de fogo
voragem que nasce em nós
mar de novo
na certeza dos dias.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A Bela A(dor)mecida

Dá láudano à dor
E alivia com torpor
O que te arde
Sem calor
Que é só frio
O frio
Que te invade
E é sem freio
E feio de se ver
Este rumo com que a dor
Faz em fumo a vontade
Sem pudor

A Dor trás a dor
A dor atrás da Dor

Dá láudano à dor
Adormece no segredo
De engolir
A medo
Esse medo
De sentir
Mais dor ainda
Que essa dor
Temor
De dor não é bem-vinda
E queres calar
A voz
Da dor
Que vai ainda
Insistir
Em te embalar
E nesse sono
À dor seguro
A dor dá colo
No quarto escuro

Adora a tua dor
A dor, a tua dor

Dá láudano à dor
Retalha o sofrimento
Dessa dor
Em movimento
Amputada
Ali é manca
Ali é branca
Ali é nada
Sem cor
A dor
A dor que sei
De cor
Ali sentada
A dor
A dor ali esquecida
Por um momento
A(dor)mecida

A cor da tua dor
Acorda a tua dor

Poesia contemporânea

Resolvi publicar este poema do Nuno Júdice recordando a noite de lançamento do disco maravilhoso da Clara Ghimel "Entre Mares", totalmente dedicado à poesia portuguesa musicada num embalo Bossa Nova que a todos recomendo.
Espero que gostem!






Natureza Morta sem Paradoxo

Se tivesse um copo para encher,
dá-lo-ia ao verso que se estende pela sede de o beber.

Se tivesse uma faca para abrir a romã,
trocá-la-ia pela serpente que preferiu a maçã.

Se tivesse um vaso oonde plantar flores,
enchê-lo-ia com a terra que o céu vestiu com as suas cores.

Assim, poderia beber-se o poema
pelo copo do verso,

cortar a fruta
com a lâmina da serpente

e pisar o céu
à luz da terra.


Nuno Júdice 2008

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Tarde laranja

Na caixa de cartão colada de surpresa
o telefone negro na luz parda do sótão
não houve mola de susto mas só
o disco sujo o mecanismo surdo.

Sentado no banco pequeno antigo
(palha lustrada nas noites de aldeia)
espanto os pós submissos
na pele activa de camurça
lâmpsda de cintilos e esquiços.

Tarde laranja em Paris
perco-me depressa dos amigos:
"Uma hora...volto! Uma hora já
volto!"

Na espera crescem picos na relva
no jardim das Tulherias
provável no Sena o bateau
tempo lento precioso.
Os minutos caem no ponteiro Swatch
mostrador de vidro plástico
riscas bordeaux.


Aperto o botão da camisa "Califa"
também de risca manga curta
um ritmo incerto de batuta
(en)luta crente na hora de luz
que o Sol segure.

Surges de seda verde à cintura
calças de azul espantado roliça
cobre-se de (aguar)ela a pintura:

"Heléne!Heléne! Je t'aime!
Oui c'est ças! C'est à cause de tois
que je parle trés bas!"


O telefone cega de brilho limpo
termina em fios separados
um deles fino aguçado
picos na ponta dos dedos
relva seca amarela:

"Heléne!Heléne!
C'est moi le poéte des secrets.
Le cadeau des yeux rondes
des cheveux noirs... c'est toi!
Rentre dans mes rêves... ci belle!
Je t'aime!"

Uma pequena gota vermelha
no filamento de agulha
compara a tonalidade dos lábios.
Uma voz distante rosa adormecida
atravessa doce
as rédeas do tempo:

"Vê um filme! Adormece...
não esperes por mim..."

A altura exacta da dor

Hora só
Só uma hora neste desencontro de ti
O ramo alto da árvore alta onde sorris
A janela do teu rosto
Toda ela luz e vento
Como uma torre alta junto ao mar

O mar não espera por mim
A torre não mexe, não dança nem sente
Alta, bela e vazia
O mar dissolve esta dúvida mascarada de ausência
A escuridão do mar embala-me
Sem saudade

A torre parada não se move
Espera o tempo
Toda ela luz e vento
Ri da tempestade vã que empurra a pedra
Imóvel
É noite
Só uma hora neste desencontro de ti
Aspiro à torre mais alta
Alta, bela e vazia
Como se fosse todo o meu ar.