segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A Bela A(dor)mecida

Dá láudano à dor
E alivia com torpor
O que te arde
Sem calor
Que é só frio
O frio
Que te invade
E é sem freio
E feio de se ver
Este rumo com que a dor
Faz em fumo a vontade
Sem pudor

A Dor trás a dor
A dor atrás da Dor

Dá láudano à dor
Adormece no segredo
De engolir
A medo
Esse medo
De sentir
Mais dor ainda
Que essa dor
Temor
De dor não é bem-vinda
E queres calar
A voz
Da dor
Que vai ainda
Insistir
Em te embalar
E nesse sono
À dor seguro
A dor dá colo
No quarto escuro

Adora a tua dor
A dor, a tua dor

Dá láudano à dor
Retalha o sofrimento
Dessa dor
Em movimento
Amputada
Ali é manca
Ali é branca
Ali é nada
Sem cor
A dor
A dor que sei
De cor
Ali sentada
A dor
A dor ali esquecida
Por um momento
A(dor)mecida

A cor da tua dor
Acorda a tua dor

2 comentários:

josé ferreira disse...

Marlene é sempre a surpresa da melodia mesmo que fale de dor, a que nos acompanha assim como o calor dos momentos bons. Adorar a dor, a nossa dor como parte de um todo que o verso de Neruda reflecte bem "o fogo tem a sua metade de frio".
Não posso deixar de dizer que aprendi a técnica dos parentesis através de ti dissimulando e completando o sentido das palavras; A bela dor que é adormecida ou num outro sentido "mecida" como "merecida" fazendo parte, isto é dor que vai e volta nas ondas do mar( isto se calhar já sou eu a inventar).
Gostei também imenso do láudano ( tão esquecido Há quanto tempo não ouvia a palavra) e realmente é o que fazemos sempre, isso é sobrevivência; vemos um filme, tomamos um café e um bolo, escutamos o cómico escondido no mais peqqueno pormenor e reafirmamos o sorriso ou seja o "láudano".

Parabéns e ainda bem que te (re)publicaste

Elza disse...

'Láudano'... A palavra faz-me fugir a outro Universo que não é o meu. A outro tempo que não é o meu. Gosto. Muito. O jogo de palavras que usas cativa-me: "E é sem freio/ E feio de se ver"/ "A Dor trás a dor/ A dor atrás da Dor"/ "De engolir/ A medo/ Esse medo"/ "A dor ali esquecida/ Por um momento/ A(dor)mecida/ A cor da tua dor/ Acorda a tua dor". E, no final, independentemente destes jogos que consegues criar com brilho próprio, está a imagem da dor e do grito que pede que a aliviem, a amputem, a retalhem, a escondam. E, no entanto, fica a incerteza, será a dor ultrapassada quando aliviada, ou quando, com bravura, suportada? Seja como for, Marlene, Parabéns!