Não é suportável todos os dias
a gota pinga a alma ferida
o negrume tão escuro de uma vida
putrefacta de destino. O não sentir
a pele amiga que nos cobre e amacia.
Dez anos de exílio na escura prisão
grades de quem ousou denunciar o
opressor. Entrega ingénua de liberdade
a própria, una, pura, princípio singular
de cruzada, sina frágil. A dor só
que gira na roleta dos duros cardos
permanente e forte, imensa tortura
na rotação de globo, cela profunda.
Quatro paredes medidas de mãos
junto ao catre- dez por cinco palmos-
vinte livros ao alto um copo de lata
a janela de carvão uma algema desenhada.
Luz de velas em escada de ceras
o espelho torto de tábua na moldura
um prego e um nagalho discreto
o prisioneiro à solta olhos fechados
a alma ferida na almofada.
1 comentário:
Este poema surgiu na sequência da
imagem na prisão de Dostoievsky e de muitos outros prisioneiros na defesa de ideais de liberdade. Lembrei-me da varanda junto ao Prado do Repouso onde se clamou a libertação de todos os presos no dia seguinte ao 25 de Abril.
Eu assisti depois de descer uma calçada de plano inclinado, a R. António Granjo, com uma capa de cabedal onde na envolvência dos cadernos observava a figura de colarinhos ondulados e um olho tapado de seu nome Camões.
Andava no 6º Ano do Liceu (actual 10º)no Alexandre Herculano.
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