sábado, 31 de janeiro de 2009
O Nosso Mundo- O limbo invertido
Não há culpa que resista quando a poesia nos invade, uma névoa calma que nos transporta no sonho real dentro, fora, de mãos dadas na sensibilidade própria
de ser poeta - um voo de Peter Pan.
Continuemos a tomar conta dos momentos que nos tocam e a transformá-los em danças de palavras, em melodias. Ontem fomos alguns que puderam estar, da próxima seremos mais, mas principalmente não esqueçamos os conselhos da nossa prezada Ana Luísa - publiquem-se!
Segue-se só o poema porque ainda não sei publicar as imagens:
Nosso Mundo - O limbo invertido
O país original separa o véu
olhares largos de azeviche
esconde limites na auréola
de um tecido interdito
apelo hirto de leito de rio
no anteparo alto da barragem
soltando soluços de água
- energia sufocada.
O meio caminho de Darwin
o preconceito do sagrado, proibido
do estado hipnótico ao óbvio
sentido "emociobiológico" celular
divisão múltipla orgânica
do minúsculo átomo- igual origem.
Admito complexo este mundo, este ser
onde a fala determina o resultado;
o gato, o cão, a águia, o abutre.
A flor, o bago, o puro malte, a seara
outro falar: a cor, o sabor, a semente.
A árvore a presença, o mocho quietude
o galo o acordar, a serpente o ciciar
-todos espécie e símbolo.
Nesta sequência aprecio o brinco
azul safira, cobalto, claro, marinho
e desta forma sigo a rota do leme
das águas claras de superfícies
aos profundos de sombra
o viajar ao contrário no pecado original
- ritmo sonar seguro.
Atrevo a definição
o nosso mundo:
"um limbo invertido"
judeu, árabe, europeu
amarelo, negro, filisteu
grego, romano, plebeu
- o jogo ocaso que é luz
no DNA da incógnita
contagem infinita de areias
- o novo ser que nasceu.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
O pôr do sol em espinho
LITERATURA EXPLICATIVA
O pôr do sol em espinho não é o pôr do sol
nem mesmo o pôr do sol é bem o pôr do sol
É não morrermos mais é irmos de mãos dadas
com alguém ou com nós mesmos anos antes
é lermos leibniz conviver com os medicis
onze quilometros ao sul de florença
sobre restos de inquietação visível em bilhetes de eléctrico
Há quanto tempo se põe o sol em espinho?
Terão visto este sol os liberais no mar
ou antero junto da ermida?
O sol que aqui se põe onde nasce? A quem
passamos este sol? Quem se levanta onde nos deitamos?
O pôr do sol em espinho é termos sido felizes
é sentir como nosso o braço esquerdo
Ou melhor: é não haver mais nada mais ninguém
mulheres recortadas nas vidraças
oliveiras à chuva homens a trabalhar
coisas todas as coisas deixadas a si mesmas
Não mais restos de vozes solidão dos vidros
não mais os homens coisas que pensam coisas sozinhas
não mais o pôr do sol apenas pôr do sol
RUY BELO in Homem de Palavra(s)
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Nem tudo me dizes
tudo me dizes
erguendo fantasmas brancos
lívidos em sons guturais...
e o silêncio indiferente
dentro.
A meu lado
ramos fustigados de tempestades
acima das folhas crepitantes
crateras de dor
no eu impotente.
Nada do que sei
quero por companhia.
Onde está a concha
que afasta o grito
devolve as asas
o dia azul?
Qual o oceano longe
desconhecido
a Nova Atlântida?
Sinto-me ilha submergida
bóia bamboleante de maré alta
revoltosa que aparta e destrói;
impulsão dos sentidos.
Aguardo o dia
em que o que sei
será o que dizes
e nesse dia
não serei mais o eu
apenas o ponto final
sem intervalos exageros
interjeição...
cingido a meio
entre o que fica
e o que ...
não sei-
Um texto poético
Última sesta
Que triste beleza, amarela e descolorida, a do sol da tarde, quando acordo debaixo da figueira!
Uma brisa seca, embalsamada de esteva derretida, acaricia-me o despertar suado. As grandes folhas da branda velha árvore, mexendo-se de leve, enlutam-me e deslumbram-me. Parece que me embalam suavemente num berço que fosse do sol à sombra, da sombra ao sol.
Lá longe, na aldeia deserta, os sinos das três tocam as trindades, atrás das vagas cristalinas do ar. Ao ouvi-las Platero, que me tinha roubado uma grande melancia de doce gelo escarlate, em pé, imóvel, olha para mim com os seus enormes olhos vacilantes, onde anda uma pegajosa mosca verde.
Perante os seus olhos cansados, os meus olhos cansam-se outra vez...Volta a brisa, como a uma borboleta que quisesse voar e a que, subitamente, se dobrassem as asas...
as asas... as minhas pálpebras frouxas, que, rapidamente, se fecharam...
Juan Jiménez "Platero e eu"
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
APELO DE UM AMOR FERIDO
com um amor doce, abençoado,
mas perdi minha liberdade,
é inutil meu grito amordaçado.
Meu sonho vive em ruína,
tão manchado pela maldição,
não m' esforces ter-te em surdina,
- liberta-me! e ter-te-ei com paixão.
Não me cries mais ansiedade,
quero de novo o chilrear de passarinhos,
... que deles hei tanta saudade.
Não me subjugues a teus desvarios,
inunda-me d' amor e de gestos mansinhos,
... e nossas lágrimas não desenharão mais rios!
António Luíz , 25.01.2009
Azul cobalto- os dois rostos num aperto
e pretende criar um ambiente a que chamei " Díptico do desencontro"
Azul cobalto- os dois rostos num aperto
Acordei preso de pétalas
amarelo malmequer
rodeado de cabelos em ogiva
os dois rostos num aperto.
Diria o sonho extinto
não fosse a flor na jarra
azul cobalto
que rodava crendo-se viva
sorrindo na volta do vidro
caule esguio de uma linha
na mesinha onde sopra
seiva verde de permeio
entre o linho do tecido
e o mármore cinza um pouco frio.
A luz ténue matinal
película fina
qual imperativa razão
desce lenta a persiana
adormeço de novo
no mesmo sonho
e
sinto-me de ti como o crepúsculo
prisioneiro na longínqua serrania
num rubor rosa de nuvens
os dois rostos num aperto
e um bailado
dos teus braços de alimento
ao meu corpo em desconcerto
tonto ao sê-lo.
É sonho bem sei
e planeio
bem mais do que um simples devaneio
poemas de palavras
que te toquem os cabelos
com ternura
as mãos dadas e os passeios
de aromas silvestres sabor de amoras
que te troquem os jeitos a postura
a miragem de um oásis
nos sossegos do teu seio
e ser eu o jardineiro
de ganga e saco de juta
na procura das sementes
no canteiro dos teus lábios
doce rosa de Alladin.
É sonho bem sei
mas a flor diz o contrário
na jarra côr azul
azul cobalto
os dois rostos num aperto
tontos dois tontos
sem sê-lo
O voo frágil do colibri
cara ao lado nas unhas de casca
a árvore e eu sózinha.
Pelo caminho das gangas sobe um esquilo
descansa no cinto castanho irmão de côr
segue grávido de noz ao redondo lugar
da toca na altura do cabelo.
Qual o nome destino que desponta
o ritmo batuque pulsante
que alimento de sabrinas
pés distantes no calor liso das raizes
milenar fluído de liras capilares
circular música sina dos sentidos
a árvore e eu sózinhas.
Posição imprópria e singular
acalmia
sinto-me bela adormecida
no berço rutilo titânio das pupilas
braços abertos seios despertos
desejo
a seiva fruta dos lábios
ofereço
o cálice flor de mel
no voo frágil do colibri
a árvore e eu
Aqui.
Maria-
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
O Naufrágio
Rebentam ondas de doçura
Molho os pés nesse areal
Bebo aos molhos a ternura
Sobre ti as mãos percorrem
A seda do teu calor
Dás-me sede só do beijo
Tua pele, meu cobertor
Sobre as dunas desse dia
Deito o beijo adormecido
Dói-me a tua sombra fria
De desejo acontecido
Invoco então os teus dedos
Alados de borboletas
Que desvendam os segredos
Das passagens mais secretas
Numa onda deste mar
Cinges os braços em remos
Para me veres naufragar
No abraço que fizemos
domingo, 25 de janeiro de 2009
O autêntico segundo
em feltro azul de traço largo
não saberás que me guio em linhas
de cabelo recém nascido traço fino
fino muito fino.
"Para ti"- como se estrela única
entre mil conchas de Pacífico
mergulho corajoso de rocha alta
ganhando lanço sustendo sopro
no puro engano que abraço como sendo
a luz singular do teu desejo.
Guardo a exigência no saco fundo
como quem se desvia da falsa areia
na toalha de caranguejos e corais
num jogo de crianças junto ao mar
e quando sempre e por acaso
me deixo afundar
nesse buraco demais aberto
guardo o autêntico segundo
a íntima certeza de posse
traço largo;
cinde esse mundo que adivinho
no lento crescer da minha linha
fina muito fina.
poesia de que gosto
cortando com o tradicional. Pareceu-me importante trazer ao blogue algumas delas.
hoje deixo-vos uma:
poema das coisas aladas no coração da minha irmã flor
as coisas aladas ensinam o chão. explicam-lhe quanto há entre terra e céu,o
caminho livre de voo, a vista elevada de deus. eu vejo anjos e os anjos são,
das coisas aladas, os sonhos mais completos. erguem-se braçados de asas a
educar o vento, percursos de sopro que se abrem nas dimensões, e luzem nas
nossas cabeças como homens enfim pássaros, como se as árvores pudessem
ser casas nossas e nada nos acordasse na força do frio ou da chuva. como se
nos cumprimentássemos em pleno ar, seres tão leves atarefados com mais
nada. seríamos só pulmões cheios, máquinas de pairar, alegres imprecisões
ao alto
valter hugo mãe "folclore íntimo"
nas palavras do próprio poeta e escritor "as maiúsculas fazem-lhe confusão"
em sua homenagem e respeito todo este texto é minúsculo!
sou eu
a humanidade orgasmática a suar, a vir-se
em quentes frios espasmos,
a neve que te entra nos olhos
Sou eu, o que rejeita a publicação a Joyce,
a que tira as manchas de sémen nas camisas de Proust
a que abraça Rober Diaz, a que chupa Borges
pessoas passo a passo com frio a transpirar
a consolar-se a cada perda
Sou esta humanidade inteira nuclearmente ansiosa de riso e de calor e o meu suicídio será um povo etnicamente puro pegar no seu míssil de prata -
sou o ditador a comer iogurte de morango depois da limpeza étnica
as estrelas brilham para eles
a gente de verdade consola-se à escala humana,
a mais perigosa a Maior
E sou tu, a ler este texto,
e agora no rio está reflectida a nossa cara, a múltipla perspectiva
menina a arder com Messenger ligado
Nuno Brito, 2009
sábado, 24 de janeiro de 2009
Carícia lenta permanente
que é teu
aqui ao lado
disfarçado na sombra
do Sol que te deseja.
Solto o beijo, a mão
ingénuo e cândido;
meu modo de ser.
Deslizo de sonho
no etéreo fumo dos afectos
junto a ti
Evolamos na brisa dos gestos inéditos
poesia reti(s)ente de asas imensas
carícia lenta, doce e permanente
riso sano
e no mesmo instante
o búzio gigante, sussurros,
rumorejo, sossego sim;
assinala o benigno dia
que é teu
nas ondas do mar.
Vinicius e Neruda - Dois sonetos
Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo.te, enfim, com grande liberdade
dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim muito e amíude
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.
Vinicius de Morais
XLIV
Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida
a palavra é uma asa do silêncio
o fogo tem a sua metade de frio
Amo-te para começar a amar-te
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.
Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.
O meu amor tem duas vidas para amar-te
por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo
Pablo Neruda
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Beijos trocados
Teus, que não sei
Se são meus
Os teus beijos
São desejos
E não sei
Quantos beijos
Precisas me dar
Para saberes
Que o beijo
Já não sabe parar
Beijada de beijos
Teus, fico aqui
A sentir
O que o teu
Beijo meu
Me deixou
Ao partir
Ficou só
Mais um beijo
Preso ao coração
Cada vez
Que ele bate
Pulsa a sensação
Desse tão
Beijo meu
Que afinal
É o teu
Beijada de beijos
Teus, que a sede
Me trazem,
Tanta sede
Eu tenho
De sorver
Mais um beijo
E assim
Se te vejo
Hei-de arrancar
O beijo
Desse tão
Beijo teu
Que afinal
É o meu
Bonitas as árvores
atento ao toque, trinados metálicos
feitos de moda e metal imediato
"A Bolsa sabes! Não é dia! LIgou-me
o Estevão!"
Assinei de palmas as penas do chão
as folhas castanhas secas fluídas
carapaça olfactiva de terra negra
e de uma formiga essa sim atarefada
de um ponto branco, uma migalha.
Centrei-me nela indefesa tão pequena
ampliei de vista as antenas, a cabeça
ametista, a pata levantada soltando
a baga, a gota cansada de caminho
e ela fugindo, ela por baixo
por cima a migalha.
"Gosto das árvores no Outono
erguem os braços fortes, finos!
Vês deste lado, um esquiço
um "Siza" chino, traços leves
fundo azul.
Gosto das cores cambiantes matiz
o som dos passos na forma elástica
interminável de um poema, estala."
E tu calado estendes a mão no meu ombro
afagas a pele; que interessa a palavra
a biologia do resto?
"Não queres sentar? Abrimos o jornal
não sujas o fato. Anda. Aqui no relvado.
Lembras-te do silêncio da Serra
no casebre de madeira da Estrela?
"A Bolsa sabes! A todo o momento..."
E os meus olhos dentro de mim:
vejo um prado longo de verde
umas meias longas brancas
umas tranças
uma Alice de tufos macios
um relógio grande de fadas
e imagino outras palavras:
"Bonitas as árvores?"
- Sim! Bonitas as árvores contigo ao lado!"
Maria-
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
As griffes de coração
as portas de laranja;
casa de artista
- óculos rectângulo azul turquesa
sobrancelhas à janela
arquitectura moderna
minimalista, estanque
cores opostas e pelugens;
faltam os ursos pandas
pendurados nos bambus.
Gogos largos muitos dividem salas
criam transparências nos átrios clínicos
chão de tábuas largas corridas pretas
nos brilhos dos trabalhos das abelhas.
Um catálogo de lugares exaustos
sem vivências: procuro onde são
as migalhas, as poeiras, o palco
ricochete de chamas nas palavras
bolas numeradas de bilhar
cruzando tabelas de paredes
brancas, descobertas.
Falta o desmancho de regras
músicas vinil de outras épocas
copos vazios o desamparo de bolos
nos disparos de talheres
bocas abertas;
a toalha entalada de gavetas
cadeiras de pernas coladas
mesas disfarçadas de bandidos
massagens nas provetas dos dedos
trocas de calcanhares diferentes.
Faltam as ondas quando escorregam
os cotovelos as gargalhadas soltas
de uma mufla fumos de enxofre
cor de açafrão.
Esta casa não existe
não é real
faltam as marcas, as garras
as griffes de coração.
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
olhos teus
........................os beijos interplanetários?"
........................Pablo Neruda
Conduzo a armada planetária
Dirigindo uma expedição aos olhos teus
Tento levar tudo que me permita
Sobreviver no teu planeta duplo
Preparo sem ciência e experiência
A acoplagem nas tuas pupilas
Aterro numa velocidade gigantesca
Que o teu lago salgado amortece
E que forma de vida me aparece!
Consta haver o lado esquerdo e direito do cérebro
A crença que catalogam funções distintas
recordo
Como tentasse descobrir uma diferença
Entre teus olhos gémeos perfeitos
Como um fosse a terra, outro a lua
Como um fosse original, outro a cópia
Concluo os resultados da expedição:
Jamais vi tamanha beleza duplicada
Constato que nunca um poderá ver o outro
Como se a perfeição não se reconhecesse
Alem da visão no espelho.
Os teus olhos - são dois e um olhar
E outro ainda antes de me abandonar
Os teus olhos – são dois e um retrato
Abstracto da alma que duvidas ter
Que não te pede licença para me receber
No olhar penetrante esbarrando na nave
Que te invade a porta entrefechada do coração.
Esqueço já de investigar
Perdido no planeta lugar
Inveja sinto do teu oftalmologista
Do oculista que te aconselhou os óculos de sol
Para alem daquele fotógrafo malabarista
Que ousou tentar reproduzir o irrepetível
Do mundo que te habita num olhar.
Sou eu quem te fita agora
E não há escândalo nesse lugar sagrado
O sentir-me em casa - no templo da origem
Convidas alongando o ângulo da mirada
Eu estrangeiro encantado no seu interior
Delicio-me com as cores da cor dos teus olhos
Passeio no céu que há nos teus sonhos
Mergulho no mar das tuas lágrimas escondidas
Sinto o amor de uma guardada para mim.
Sorris depois - Baptizas a minha alegria
De onde vês vejo um brilho fresco
E nessa luz nasce o meu dia
Revela-se o universo da utopia
Agora descansa
Fecha os olhos suavemente
Cerra neles as ideias do poema explorador
E guarda meu amor - a realidade da paz
Que me dás quando olhas docemente
Para aquilo que é a minha imagem.
Qual a imagem do negativo de
Um beijo nosso?
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Sonho
Onde caminho
Cresço no orvalho límpido da erva
Contas-me histórias e rio a brincar
Rio e o tempo pára.
Os meus brinquedos são flores
Batalhas, heróis de brincar e espadas de pau
Sonho com a criança que caminha
Dentro de mim a criança
Dentro caminha na dança
No campo verde onde me contas histórias
O cíclico círculo girando
em vida em roda em mudança
A criança cresce e dança
Colhe flores e brinquedos
Os meus brinquedos são flores
A criança cresce e fala
Diz que nada é seu
Só uma flor na sua mão
Por um instante é sua,
Como a estrela cadente que guardo em mim
Para te dar.
domingo, 18 de janeiro de 2009
O aprendiz de harmónica
a queda de pinhão que rapa
tira e põe histórias mágicas
no veludo das estrelas
o condão de varinhas quando
chega o sonho de pinheiros bravos.
Não previ os teus olhos
nas rugas dos meus
julguei-me gasto e cansado
entre as corridas de praias
e os mergullhos de àgua fria.
Desconcertei-me
qual aprendiz de harmónica
na doçura dos teus lábios, no sal
da lágrima feliz que ofereço tua.
És feita de tudo o que seduz
teu corpo é forma única.
Passeio a teu lado
fujo no minuto e volto
nos grãos de terra suja;
nas mãos a flor justa
do canteiro do Palácio
junto à quinta
nas presas margens do rio
que te ilumina o sorriso
os olhos de candeia
na gruta dos segredos
no milagre das rosas
do regaço dos desejos.
O amor partiu(-se)
O que fazer, se ao partires
Partes parte de mim?
Cacos fazes da casca dura que aqui vês
Sem que vejas que ainda dura
O que sinto por ti
E o que fazer?
Ao sentido do sentir, onde o levar?
Debaixo de que tapete varrer?
O pouco, mas pó que aqui fica
Do que não chegamos a ser
Para onde enviar?
O afecto que ficou
Por afinar ainda
Exporta-lo para a Sibéria
Num voo low-cost só ida?
Sem volta, estás de saída
E eu sem eira e com revolta
Te (im) peço que vás
E que (te) voltes
Para me veres ainda à soleira da espera
Não desesperes, que não consinto
Por não te ter já, quase nem sinto
Já não te quero mais deter
Vai, sai e faz-me um favor
Bate a esperança com força
E leva contigo o amor.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Óleo de amêndoas (agri)doces
do género, o colocar-nos na pele. Esse foi um chamamento que me tocou e uma experiência que ficou nos poema que, a partir dessa data, em resposta
ao meu nome de José passei a intitular como os poemas que assino como "Maria-" e começou com o das "Três Marias". Este que aqui vos deixo é mais um.
Óleo de amêndoas (agri)doces
Como se perde alguém
quando nasce uma criança?
- sem estar previsto
como obelisco, sílex de lança
pedra lascada de parto
quando sémen mal guardado
desiquilibra o amor, ameaça
o namoro na balança.
As águas revoltas do choro
que emerge e cansa na hora
dos sonhos, teima o dia.
Aperta o autocolante
de uma fralda tingida, amarela.
Ilumina o pó branco na estante
no livro, nas cruzadas do jornal
no ruído chamusco da novela.
Mãe! Sou mãe
só me sinto de mim e dela
quando ofereço o peito dorido
o braço cansado, o arremesso
de carinho no rodado do berço;
exausto carrocel de sossego.
Meço a almofada bébé do pulso
nas argolas do meu medo
e dentro do sorriso guardo
as dores abertas, os pontos corridos
o assomo claro de estrias
no óleo de amêndoas doces
natas de "Aloe Veras"
falsas de ser milagre.
Faz-me falta a presença do teu ombro
o prometido colo
outro colo de consolo
enquanto fecho os olhos
no descanso da menina
Mãe
faz-me falta a tua mão
um círculo de fogo junto à minha
perto dela. Vem
Vem
embala a Cinderela
a Boa Esperança
- não posso perder ninguém
enquanto dormem os ninhos
na alma de uma criança!
Maria -
O retrato tranversal
a àgua sumiu no ralo aberto
perto da gelosia.
O ovo de casca fina
estalou ficou ao alto
um Colombo sentado
e dentro
o retrato transversal
no livro antigo a preto e branco
uma célula cozida
de Ciência Natural.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Murmúrios tão distintos
dentro de ti?
São teus e meus os limos arenitos
de uma compota arejada que adia o doce
no precalço da colónia mínima
do tal murmúrio feito por mim
dentro de ti.
Diz-me!Diz-me! Quero ouvir
Não que seja novidade esse novelo
de palavras que afasta a fonte
dos azuis, essa rima clara de
começo de alavanca, um tropeço
que aproxima almas primas
num sorriso de estrelícias
cores escondidas
laranja, azul violeta
queixo verde natureza
alfinete na ponta que bica
os segredos do poeta
corado, quente no Estio
do desejo que apoquenta
aperta um pouco e solta mais
essa veia de minérios preciosos
emocionais.
Diz-me! Diz-me! Quero ouvir
Tenho pressa na partilha de chinelos
"patchwork" escocês
entre o bâton e o quarto
qual sinete louco
marcando o teu corpo.
Trocar-te a camisola do interior
ser a maçã do teu conforto
um sino solto
nas montanhas que subiste
num sorriso sossegado de menino
e eu menina de tranças plenas
entre versos doces
poesias de surpresas.
Diz-me! Diz-me! Quero ouvir
A voz de anjo que me oprime
prende o canto e a corneta do meu céu
a lente que espalha o raio
sem medo de ser
cigarra ou borboleta
escorpião e flamingo
fogueira flamejante
que nos faz subir à Lua
cair na terra e ser semente-
Diz-me! Diz-me! Quero ouvir
Muáh! Muáh!
Schlape! Schlape!
Maria-
Meninas
De porte altivo
Brilha toda em ouro
Tem o mundo em volta
Para deslumbrar
Menina menina
De rosto cansado
Vive para dar
Uma vida ao lado
Menina sem luz
Cai a névoa densa
Que o pintor desenha
Cai sobre princesa
Cai sobre menina
Cai como num sonho
A querer transformar
Menina ou princesa
- Em criança
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Inquietação
Espero
Seja desespero findo e
Passe
A uma débil oscilação
Porque a frágil estrutura
Cede
Sob a
cabeça
insegura
Entre o sim e o não
Este tremor que eu sofro
Quero
Que seja apenas ssssopro e
Cesse
De abanar a construção
Porque eu assim concreta
Por isso peço que guardes
O toque, a música e as estrelas
Pois no céu andam sem vê-las
Por mas dares pelas tardes
Por isso peço que poupes
Nos gestos e na flor da pele
E que o coração não roubes
Enquanto sou dona dele
Lado B
Às coisas que eu trago há tanto tempo
Como se sentado no chão me abrisses
Em arca e soubesses
Exactamente
O lugar onde eu guardo
As coisas gastas que tu gostas.
Em teu redor tudo –
Eu e as palavras
Não as reconheço, eu que as digo
Surgem de mim já tuas e eu
Espantada
Por ver-te ver-me assim
Revisitada
Trazes-me tu esta nova versão de mim
Que com jeito e sem um gesto
A mais soubeste encontrar
Desconhecia até me fazeres dizer
Com clareza
As palavras inéditas que viviam dentro
Das outras, e dentro delas outras e outras
E eu outra tanto quanto elas,
Sem saber
Se fui eu que disse ou fui dita por mim
O poeta- mar de novo
e não ter frio.
Mergulhar no Oceano tropical de listas
nos corais belos circundados de caminhos
que não ferem os joelhos os nós dos dedos
e dizê-los
entre risos de golfinhos luzidios
- como são belos alegres elegantes
os caminhos de corais e dos golfinhos.
È tocar o chão do mar às escondidas
das anémonas no colchão das arrecuas
de duzentos caranguejos.
É dançar com lavagantes e lagostas
nos braços de uma sereia
afagar-lhe os cabelos
beijá-la nos cotovelos.
Ser poeta é ser capaz
de sonhar os outros sonhos
entrar num mar de novo
e ser peixe
dentro deles.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Sem sentido consentido
apesar do sorriso, da palavra fácil
há demais por baixo da camisa
um inteerior desfeito de avenidas
circuito veloz, sanguíneo
entre guetos e palácios
terramotos brisas suaves
maremotos planícies
divas ninfas musas
"Sabes- a minha poesia"
"Tão pouco tempo tão curta a vida"
-dir-me-ás enquanto afastas
o caracol de cabelo no aconchego
protector por detrás da orelha
gesto rápido e seguro o teu
natural, simples, água lisa
nas palmas de nenúfar
não sem antes se notar o anel
a pedra larga oval
na mistura cinza do quartzo
e das névoas num cristal
"Pedra larga pequeno o dedo"
dir-te-ia então
como quem diz algo
que nasce de águas paradas
um salto de rã no charco antigo
logo à entrada do parque
entre juncos e risos de azevinhos.
"Frase vulgar sem nexo. Qual
o sentido?Prisão?Dúvida?Talvez
lembrança frágil de mulher!"
-dir-me-ás afirmativa
como se tudo fosse determinado
objectivo, claro como gomo
à volta do caroço de Lichia
ou rubor romã de quartos apertados
face "golden" de maçã feita indiferença
ou "starking" de vestidos
que se soltam pela cabeça
nos tecidos florais de um divã
de braços estendidos
gestos de bocas surdas
palavras mudas, amores depressa
que por asssim serem talvez
não terem qualquer sentido.
"Mas há sempre sentido mesmo
quando tropeçamos"-dir-te-ia
a pedra o socalco, quando não caímos
e apesar do desafio no equilibrio
forte de uma vara, se arranha o céu
e se tenta inseguro na existência
de verdades de alquimista, fazer
caminho, procurar e concluir:
"Às vezes um minuto vale a vida
e nada mais à volta tem sentido"
-dir-te-ei quem sabe
talvez um dia.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Abismo à Portuguesa - continuação
Um abismo à portuguesa
Com toda a sua chama, toda a sua Vida
– Assim que houver abismo e assim que houver portuguesas com os seus cabelos sexys e mãos sexys e que com a sua linha dourada teçam o destino do nosso país.
O mar está fora de moda e nós estamos rodeados de mar…
Ao primeiro marinheiro que chegar ao nosso triste povoado – hei-de apanhá-lo na doca
Fazer-lhe um broche à portuguesa – pô-lo louco – fazê-lo vir-sena minha boca –
dentro de mim A literatura vive
Gosto dos escritores que nunca escreveram, sobretudo esses me são favoráveis
Escritores que como Perseu entram nas melhores pastelarias de Montevideu para comerem bolos dourados e mijarem em urinóis de prata.
Mijam em urinóis de prata a dez quilómetros de Montevideu
quero mais do que a vida
Ontem vieram ter comigo homens tristes, acho que lhes dei confiança sou bem capaz disso
Aliás sou capas de tudo e tenho medo disso - nunca te apaixones por mim o mais provável é encontrares-me numa pastelaria de Berlim a fabricar bolos para os escritores comerem enquanto escrevem nos seus guardanapos isto e aquilo porque tudo é isto e aquilo mas será preciso dizê-lo ? Esses guardanapos hão de servir de alimento aos pássaros que não debicam só migalhas, pelo menos os alemães, mas toda uma literatura, todos os guardanapos à saída da esplanada: toda uma literatura de vanguarda comida, reciclada, escondida, descoberta nos casacos dos mortos -- e eu a rir-me com sarah kane – ela ri-se e nós rimo-nos porque somos pessoas a sério ou temos medo de o ser - E porque temos casacos de marca e isso dá conforto.
Tenho um medo violento – Amo tudo quanto fluí tal Milton – do extremo do corpo ao extremo da alma – a experiência mais profunda – um abismo doce e alucinado à portuguesa –
(Como os teus olhos) para onde todos saltem à doida português atrás de português – do extremo do corpo digo –o mar está fora de moda
Mata agora os nossos marinheiros – o peixe está contaminado – a droga vem do mar – os cadáveres vem do mar – vem do mar a literatura triste do nosso país.
porque é que o mar vai e vem? Porque é que ele não fica quieto– a questão foi levantada por um filósofo
Nuno Brito 2009
Holocausto Tropical
1
Comemos carne de porco no dia de festa
No dia de festa comemos carne de porco
E qual visita guiada ao Vietname da Alma as nossas festas atraem demónios
E eu manifesto habilmente a minha necessidade de escrever sem escrever
Ou seja viver por ti adentro.
A tua cara tapada por um holocausto tropical
2
Fumámos ontem toda a Gaza –
Uma antiga cidade em mortalha de prata
Os anjos estão presos magneticamente a uma qualquer cidade celeste
Compra no LIDL – tem antenas de prata-
Numa das antenas da CNN urina um pobre cigano
Nunca será notícia
Nuno Brito, 2009
domingo, 11 de janeiro de 2009
t-e-m-p-o
Esta dança entre ser este e ser já outro depois
Danço no tempo
A vida é uma dança de estrelas
Danço no tempo
A vida num instante
As estrelas que dançam em mim
Eu danço nos intervalos da lua
As mulheres dançam na tarefa da dor
Dançam em ritmo no parto e no beijo
Dançam de cor
Sabem tudo de cor
Pintam tudo de cor
Danço no tempo
As mulheres são a vida a quatro tempos
A vida corre neste sorriso de papel
Deixo-te este sorriso por não te poder dar um abraço
(tempo para um abraço)
Deixo-te a vida no tempo incerto de um poema
Uma sutura de tinta na relatividade do tempo
A metafísica do teu beijo, do teu tempo
Esta vida que me corre
Tenho tempo
Todo o tempo
Muito tempo
Na calma doce e lenta
da espera do teu beijo de boa noite.
O relógio na pedra mármore
na pedra mármore ao deitar.
Esta noite não. Apertou o pulso
na canção pontual do ponteiro
dos segundos
marcando esquecidos sonhos
na noite fria das neves;
um compasso fora d'horas
no fim do concerto da Trindade
cantar de Reis ultrapassados
melodias de Mozart e Vivaldi
orquestra de alunos
Jingle Bells
um coro juvenil
um outro mais avançado.
Notas de músicas crescendo acima
da cúpula antiga no altar dourado.
Sons de eco mais de mil
os ouvintes sentados nem tantos
um grupo de pé jovem, de rastas
e um skate de arte spray.
Dois metais dominantes, um de trompa
e a batuta do maestro escovinha
oscilando a mão entre "sotenutos"
e os tempos moles ou vibratos
de vozes brancas
colarinhos de golas altas
calças de vinco
vestidos sem repas.
Não levei luvas apenas capote
carapuço de costas lustrando
o apoio das semanas de mãos postas
e joelhos de martírio nos "Avés"
dos desejos de pedidos.
Escondi os punhos mangas dentro
lembro-me do revirado relógio
mostrador às voltas mirando
medidos batimentos.
No alto contrabaixo vi a descendência
do pequeno violino nem cabelo
nem o arco nos tempos das cabeças.
Por três vezes caíram os óculos
entre o colo e os joelhos
escorregando o programa
entre as palmas e os silêncios.
Recontei os dias, a vida real:
dez anos de música
crianças pela mão
milhares de passos
na escola antiga
alguns na actual.
Desfiei as diferenças minhas
dos outros que usam barbas
madeixas, olhos pintados:
"que bonita que ficou
aquela rapariga"
e os mais velhos, mais vincados
como eu
neste recuo de idades.
No altar-mor da igreja
a figura do menino em pontos luz
iluminada nos fios descaídos
de àrvore de Natal
de olhar feliz, as mãos ao alto
os pés pequenos e o espírito
que descia e abençoava
os pais queridos, o filho amado.
Não parecia de cerâmica o Jesus
talvez fosse de Deus o brilho
que me lembrou o dia e o vitral
na catedral de Reims
Ontem esqueci-me é verdade
não coloquei o relógio no mármore
e é costume colocá-lo.
Paz congénita
por escrito. Essas palavras são lenha verde acabada
de apanhar nas florestas onde vive o frio como chagas
em carne viva. São só dor sem bálsamo para curar as chagas.
Não curam de iluminar os sentidos todos acesos – a sombra
das árvores nem sempre é balsâmica. Há longos lugares onde
a luz é corredor de morte e as palavras sobram no silêncio
entre a dor e a dor seguinte quase sem intervalo. E as palavras
são pedintes suplicando um prazer efémero passando pela boca
como um gelado chinês quente e frio. É só na boca o prazer do frio
e do quente que transborda do gelado. A verdade é uma amálgama
que se transforma num todo interior. A verdade nunca é o todo
exterior. A verdade é a sombra da luz que vem de dentro. Tu dizes
e as palavras – a verdade – soam no universo vertendo a realidade
de que tu és capaz. Mas porque não conseguiram aquecer-me
as tuas palavras escritas, quero dizer, não verteram a realidade,
não havia nelas sequer a sombra da luz. Nem as palavras
que transcreveste de uma outra luz soaram à verdade das tuas. Não
as iluminaram. Nem sempre luzes entrelaçadas fazem clara a luz.
Nas palavras quase sempre convergem para uma noite sem estrelas
a não ser que sejam coadas ao sol num vitral de catedral românica
ou gótica onde é sombra iluminada o silêncio surgindo de dentro de ti.
As lágrimas que vejo nos olhos face a face com a morte da inocência
trazida pela luz mortífera de rockets e de obuses sedentos de uns tantos
quilómetros quadrados de terra e de ideologia! Este poder avassalador
da alegria e da liberdade não é luz de aquecer os homens nem o Amor.
E se fizesses explodir o papel pragmático que não vislumbras aos deuses?
Talvez pudesses accionar a força de paz que te é congénita – sem
2009.01.09
José Almeida da Silva
sábado, 10 de janeiro de 2009
No rasto da musa...ou a musa está de rastos
Palavras inquilinas
Que me moram
Líquidas e
Escorrem
Rastos de
sei lá
Ou quase nada
Lenta e devagar, chamo
Palavras cardíacas
Que me demoram
Tanto
Tempo,
Linha e
Custo
Até cairem
Tangentes
À folha toda
Ainda cheia de
sei lá
Ou quase nada
Rápida e sem pensar, rebusco
O rabisco que rói
Por dentro e
Abre
Um rasgo lento
Nele
Eu clamo,
Chamo,
Volto e tento
Voltar a vós
Palavras recicladas
Mas de lá, porquê?
Não sei
Não sai
quase nada
Talvez me ouçam
Vocês
Vagos versos
Vestidos da
Vertigem
Que me trazem
Talvez rostos ou
Réstia
De gente, talvez
Surjam já neste segundo
Sem terceira intenção
E da cabeça pra mão
Divertida e viscosa
Venha a ideia que
Teima
Escorregar até mim
Mas a Palavra jocosa
Mesmo assim
Não sai
Nem no verso, nem em prosa
Não vem
está demorada
Esperar mais não pude
Resta-te
Ó Palavra rude
Cair longe e rente
À folha que
Sem que saibas
De repente
Rasgo
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
Minúcia difícil de pontas
a imagem do leão sobre a águia
no alto obelisco da Rotunda
Caem penas de lento oscilar
demoram o tempo do voo da cegonha
entre a tília e árvore das camélias
No centro do banco gasto
no espaço de tábuas abertas
crava-se a ferrugem de follhas
recortadas e o silêncio
no deserto de graus negativos
de ser só um
Um e a natureza por cima do ombro
olhos grandes nas letras pequenas
de um caderno azul de argolas
Um e a caneta de tinta permanente
a das verdades de lâminas aguçadas
chuva de bocas abertas no redondo
das orelhas, versos aos pedaços
flocos bailarinos em dança de estrelas
na minúcia difícil de pontas
sem gente nas areias e terras
de um palco só jardim
No gesto estranho e louco, acto repetido
tudo miudinho, um sal grosso de tintas
aos bocados no bolso do casaco de veludo
ainda dentro de linhas, lado para lado
sem bússola na mistura de letras, dos factos
entre dedos de mistura no poema rasgado
Altero os óculos e as lentes de claro
até escuro, atravesso a alameda
passeio a teimosia na dobra do cabelo
e sopro algum que cai junto ao bico
do sapato, entre o verde e o vermelho
do semáforo
Enquanto surge aquele fio de luz
que espanta o orvalho
e a morrinha feiticeira
nos vazios da cidade.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
improvável antologia poética - 1
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
Dizer “ Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?” Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor,
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
ele que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.
Nuno Júdice
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Diagnóstico pouco seguro de um deus côr de laranja - partes 8 e 11
O velho usa a energia nuclear para tosquiar ovelhas,
Tosquia-as com uma paciência infinita
Às vezes o reactor está avariado
Outras vezes pega no seu pente atómico e vai pentear macacos
Penteia-os muito bem, risco ao meio, um bocado de gel…
Gel atómico
Todos janotas, dispostos em fila!
Já estão prontos para assistir à conferência sobre a força do átomo
Uma vez em Hiroshima queriam tosquiar ovelhas
Mas falhou qualquer coisa
Houve um grande erro
As causas ainda estão por apurar
Morreram bastantes pessoas
Ficaram sombras especadas no chão
Sem corpo
Só sombras
• 11
O faraó passava as tardes a jogar tétris...
Os escravos empurravam as peças de acordo com um sistema de cordas,
As peças desciam à medida que os escravos iam soltando a corda dos rolamentos,
De acordo com as decisões do faraó os escravos tinham que rodar e encaixar as peças umas nas outras. Em baixo alguns escravos retiravam as que já não eram necessárias. O contramestre sentado num balcão dourado, decidia quais as próximas peças a sair. Acorriam espectadores do alto e do baixo Egipto e também vinham estrangeiros que estacionavam os seus camelos em frente ao grande templo de jogo para ver o faraó a jogar. Os escravos a serem chicoteados pelos capatazes, a rodarem as peças, a encaixá-las. Cada linha era celebrada pelo país inteiro. Os deuses estavam presentes no jogo, Eram invocados. O cheiro a incenso era fortíssimo…
Nuno Brito, 2007
Abismo à portuguesa
Tenho medo que Jesus não me esporre hoje na boca
não me esporre hoje na boca senhor jesus!
Senhor jesus senhor jesus senhor Jesus
“Escrever é corrigir a vida”*
E o esperma que escorre dos lábios de Maria
há de gerar um Semi-Deus Forte
feito para desenhar uma anunciação a tinta dourada
Trezentas mil ovelhas caminham rumo a um “abismo à portuguesa”
O decifrador de sinais vê nesta frase uma absurda falta de simbologia,
Ele sabe que eu adoro de uma forma bem primitiva um hitler recém nascido
Com as suas cuequitas apertadas e o rugido do mundo que clama por um Mão de Ferro
Deliro só de imaginar o seu doce esperma quentinho na minha boca
De Mona a Lisa
De Lenine
Ontem dei a mão a virgílio, Ele guiou-me pela tua boca,
Conduziu-me à máxima experiência humana,
O estremecimento de um holocausto digital
Bem fundo nos teus olhos
A Anunciação
* Enrique Vila-Matas
Nuno Brito, 2009
domingo, 4 de janeiro de 2009
Um poema de que gosto
de que gosto particularmente.
Este poema foi retirado do livro "O canto do vento nos ciprestes"
Vieste como um barco de vento abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me;e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.
Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto às margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.
1 2 3 experiência - 4 pára
....................................................en el umbral de tu mistério"
Amor
o poema não fala
o próximo por fim falará
.....o da estratosfera de um marajá
.....o da rua do ouro certificado de louvor
.....o da tua dor - carimbada espera
.....o da escada de emergência para o plágio da lua
Falará
não te percas neste
que persegue o de amanha
.....o do poema redondo
.....o do dom original
.....o do ovo do Colombo
.....o da canção capital
Amanha
o poema inspirado
o fado falado na lenda
.....o dos dedos prometidos
.....o dos medos falidos
.....o das emendas impossíveis
A lenda
a seguir terás a prenda
um vida como nunca antes nem nos mares
o poema seguinte ensinará
os outros contarão nos lares aos outros que estão por vir
o amor que viverás amanha
quando leres o sucessor do verso que falará por fim
.........o que os outros versos contados por outros de mim nunca
.................prontos para
.........tal
.........nunca contaram nada comparado com o de amanha cantado
.................para ti
0 poema
que não fala
o próximo o que será?
ser ou não ser
.....o de amanha.
triunfal de um amor conservado em formol para a eternidade.
Mas tu és tão bonita.
Como és bonita!
Bonita não só de ser linda. Bonita em 365 sentidos. Em 360 (de)graus.
Comer, beber, dormir e dizer a razão do dia de seres bonita,
subir na noite as escadas até ao concreto amanha dos teus olhos.
De certo, não é nada bonito, insistentemente escrever - "és tão bonita".
Quase que é mais poético escrever que bonito é atum em espanhol.
Só que, explicar todos os dias porque o atum é bonito conserva apenas o tédio.
os passarinhos cantam com urgência e eu sei que
há um gosto para as coisas,
uma preguiça tambem,
e a minha prima vera que não diz nada e faz-se tarde para amanha.
Com este trânsito de dúvidas chegaremos tarde à cerimónia.
um outro olhar...(10)
“quero acreditar…”
ao contrário do que dizem, eu continuo aqui nesta cruz e daqui nunca saí
todos fugiram,
todos me abandonaram,
todos decidiram ir atrás do meu exemplo
mas deixaram-me aqui sozinho,
tristemente sozinho
dois mil anos passaram, tão pouco para tanta mudança, tanta evolução e descoberta
agora, pergunto eu daqui do meu canto –
o que é que não terá mudado nestes dois mil anos que passaram tão depressa?
mudaram os homens, certamente; mudou o clima, concerteza
mudaram os povos, os países e as línguas; mudou tanta coisa
mas terá mudado o essencial?
com tantos saberes acumulados, com tantas experiências vividas
com tantas inteligências evoluídas
terão acabado as guerras, os ódios e as invejas?
usarão os homens melhor o tempo?
haverá mais felicidade e bem-estar no mundo?
aqui deste meu canto, onde fui deixado por todos, quero acreditar que sim
quero acreditar que não me deixaram aqui sozinho em vão
quero acreditar que a minha vida, e de tantos como eu, valeu a pena
quero acreditar em todos os que continuam a seguir a minha imagem e o meu exemplo
quero acreditar que o mundo não vai voltar a ser um espaço como este em que me encontro
árido, duro, solitário
quero acreditar
Lume brando ou Conselhos do Pai Natal em mais um dia de aborrecida distribuição de presentes
Em lume brando
Conserva a emoção
Num jarro de formol
Clorofórmio e algodão
Amores em bando
Esses pássaros atingidos
De anestésica candura
Voam cegos pelo sol
Caem de paixão madura
Crava o pé no travão
De vez em quando
Trava o lanço da ternura
Não consintas o sentir
Que o amor embriagado
Desse sangue sem comando
Paga multa ao conduzir
Na veia e em pulso agitado
De quem cede ao seduzir
Enterra a emoção
Sou eu que mando
Dita a dura ditadura
Cava cova ou cave escura
O sentir, se sepultado vai durando
Estrelas
As estrelas cobrem a lua de dor e cor
Eu sou só pó
Eu estou só e cheia
A lua é uma ideia minha
Daquelas grandes ideias que surgem à tardinha
Eu sou só lua e estrelas
Tu és uma ideia minha
Que surge sempre à tardinha
As estrelas não me dizem por onde ir
Na minha ambição de me perder
Nas tuas estrelas
As estrelas cobrem a lua de cor e dor
Eu estou cheia e só de ti
Terra em vaso de estrelas
Tu a flor que sobe em ar
Com um esguio abraço
Tocas a lua cheia e só
O espelho em 5 tempos
Palco cheio.
O pintor hesita junto à luz
Olha para trás
Talvez para nós.
Cena Dois
Palco vazio.
O pintor olha a sua obra
Olha em frente.
Talvez para nós.
Cena três
Centro do palco
A menina posa e é a luz
Olha o espelho
Talvez para nós.
Cena quatro
Primeiro plano.
O cão olha para baixo.
Talvez para nós.
Cena cinco
Palco duplo
Eu olho para o quadro
Talvez para mim.
sábado, 3 de janeiro de 2009
A pepita de uma brasa
nem dos gumes afiados dos palácios
do teu gelo
Sei onde estão
quando findos lumes são destino
e os desejos desvario.
Estende-te aqui comigo no tapete de lã
merino, ao comprido, na sala do piano
onde ardentes as brasas são recinto
circunscrito circo de cenas
arena dos barulhos de silêncios.
Porque te cintas num anel Nibelungo
nos acesos comentários de Weimar
construindo razões débeis de atenção
nesse íman fraco de plástico
estático suporte de encantos supostos
que o não são.
Elimina a pose, solta a lágrima
abre a cratera desnuda da fúria
avalanche de esfera e sem arestas
agiganta o que te digo sempre - sublima!
Há o brilho na bola de sabão - azul e frágil
no amarelo-metal - encantador
no cinza frio - prata ou alumínio
e no teu sorriso - que arrepia o dorso
amolece a face, humedece a nascente
do meu rosto - sublinha
as palavras que não disse
não tive tempo.
Embora sinta cada um como cúpula
cada polpa do seu dedo na sala dividida
e um vidro plano duplo ao meio cinda
a linha fronteira das marquesas
estonteando as frases de ecos distantes
(chaves partidas de cofres errados),
nas diversas chaminés sobem fumos quentes
arrastam fuligem refractária
adensam a sina que adivinha
sucedidas terapias, unos sentidos.
Somos agora
olhos de lado ligados
longe dos
siderados hipnóticos mortais dos
falsos tectos de focos halogéneos
das falsas paredes cegas de luzes
extintas
Reassumindo o estaladiço crepitar
a pepita de uma brasa
que estilhaça o vidro glacial
Tudo termina numa frase:
"Este Inverno no jardim
pequenas violetas no canteiro
e mais à frente ali à esquerda
junto ao limoeiro
quatro lírios roxos
raiados de lábios amarelos;
não costuma ser assim
em Janeiro a natureza"
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Amor à beira-mar plantado
Engelhar lençóis e enriçar as pernas e os dedos
Num nó de gente sem pente, só nós e os nossos segredos
Amar-te é procurar-te todos os dias, como se não estivesses
Encontrar a cura para as lágrimas dentro dos teus braços
Fingir que sei o que faço quando estou longe de ti
Fazer que finjo que sei regressar serena a ti
Amar-te é arrombar as velhas portas trancadas
É escolher o que visto porque me vês
Fazer dos teus olhos o espelho
Mostrar-te todos os medos
Mesmo os mais feios e medonhos
Amar é servir-te em bandeja de prata
Todos os meus monstros e os meus sonhos
Amar-te é esta delicadeza sem etiqueta
Que desliza sem regras e sem conduta
Amar-te é amar-te ao exagero sem ser discreta
É trazer-te pela mão, pela rua, e pelos planos que planto
E ficar a vigiar de regador na mão
Rego o amor
Para que cresça
E rogo
Para que não esmoreça