que luz tão forte nesta manhã fulminante.
Fevereiro, treze, falta um dia.
desejava que se prolongasse a noite.
a noite como um sonho de quinze
quinze anos apenas e uma tarde muito quente de Setembro:
corria uma aragem nas veias que se afirmavam
na parte de cima das tuas mãos, brancas e finas, mas não sozinhas.
os joelhos não se tocavam, lado a lado e em frente
enquanto caminhávamos pelos passeios sem destino
éramos como dois barcos presos nas cordas dos braços
e em vagas mais ou menos imprecisas
subindo canteiros ou fazendo pó de areias
chutando uma ou outra pedra de granito
recolhendo uma folha verde ou um galho caído, uvas e vide
na súmula de assunto e desejando ao mesmo tempo o silêncio
um parar de mundo
calando uma lonjura de ruídos na abertura dos lábios, nos sorrisos
como se apenas e únicos
náufragos de uma ilha no cimo do pico do mundo
sem terra por baixo
e só mar, só mar azul, só mar como nós e como tudo –
mas que forte ainda esta luz, um chumbo de um exército sem fim
animado de bulícios, pés síncronos, corridas, os meus olhos
os meus olhos doem como tudo
os meus olhos, tapem a luz da manhã fulminante
desejava que se prolongasse a noite
a noite de vinte cinco, abril, cravos da cor habitual, era domingo:
corria uma aragem nos teus cabelos e caminhávamos em Paris.
as Tulherias eram de uma cor limpa na gravidade pesada dos edifícios
e sorrias, sorrias muito.
o sol era terno e morno. usavas umas sandálias de pele pink
e de vez em quando um rugido e umas garras macias
na minha barba, uma barba imperfeita de dois dias.
vagabundos sem amarras de agenda no deslizar do tempo
vagabundos anónimos e curiosamente nunca havia gente
únicos, a ilha , um círculo –
um rugido e garras macias, no meu ombro, por baixo de uma camisa xadrez
e corridas e paragens e as veias azuis em cima, não sozinhas-
usavas vestidos e os joelhos não se tocavam durante muitas horas
e adormeciam sempre juntos, devagarinho
dois V’s em vértices misturados, juntos
e as mãos trocando abraços nos umbigos, as mãos perdendo peso –
os teus cabelos cheiravam a jasmim e brilhavam brancos
por toda a escuridão, a noite inteira.
o teu nariz encostava nas ideias mais sinuosas e mais inseguras.
adormecíamos em curvas duplas, sossegados
sem os lados mais escondidos e obscuros.
a leveza, a leveza, lembras-te, era domingo, era sempre domingo –
porque não pára esta luz, porque perdura como relâmpago sem ruído.
não é só a luz, dói-me a cabeça como um terramoto
esvazia-se a alma em segundos. de madeira, sim, sinto-me
Pinóquio, marionete e os fios conduzidos por guindastes
tanta gente à volta. riem-se muito.
riem-se muito na manhã fulminante.
desejava que se prolongasse a noite
como um sonho que ganhasse a realidade de um domingo –
e que não houvesse nuvens nem dúvidas, apenas azul e absinto
pelas calçadas gastas sem a sombra de muros quando o sol é bem vindo
bem como a lua, bem como as mãos sossegadas e lisas
bem como a pele adormecida –
hoje é apenas treze, a gravidade do número na luz de segunda
e a luz na manhã perdura fulminante como um pêndulo na cabeça
que vai e volta, que volta e vai como um martelo na ferradura
na ferradura de Pegasus com as asas encostadas contra o mundo –
hoje é treze e a luz acende páginas e papiros nas estantes escondidas.
não devia. porque é fevereiro e amanhã é um daqueles dias:
flores, cores luminosas e palavras doces –
os olhos. os meus olhos doridos. inflamados e as palavras esvoaçando
descendo em círculos no redor vestido da cabeça. segunda. treze.
a luz que não se apaga. mas é preciso. é preciso gastar a água das palavras
as palavras húmidas gasto-as todas de véspera. enxugo-as numa toalha
amanhã será diferente, dom quixote e as velas dos moinhos
o pousar do vento, o fim do redemoinho –
gaste-se depressa o dia e a noite que dure pouco.
seja a manhã fulminante por outros motivos;
pelo jasmim dos cabelos, pelo sorriso dos lábios
pelo encontro dos sonhos dentro do tempo
um tempo que se torne infinito –
e amanhã será domingo –
josé ferreira 13 de fevereiro 2012