quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
uma carta a Leonardo
admiro a tua resistência ao frio e conheço um pouco da tua vida.
o Canadá sobrevive na pele de um urso branco, a cor do teu cabelo
mas a voz não perdeu a força, talvez menos límpida nas cordas tangidas
uma garganta um pouco mais gasta, de um violoncelo ao contrabaixo
mas profunda, um veludo, uma manta por sobre o silêncio
de onde surgem outros e outras que fazem coro, ao lado e por cima
de muitos burning violin –
viajas nas Babilónias modernas e nas montanhas cálidas e mudas
pelas tuas ondas e longe de Suzana
embora a ames como nunca.
não consegues apreender este mundo
falta-lhe o feminino, a longitude solta dos cabelos
mais e mais, a parte sensível –
por vezes pareces triste.
mas outras em brasa abrindo os braços
na forma de um corpo luminoso
de uma lava imensa, acesa
e ao mesmo tempo com o musgo nos olhos
em milhares de pontos verdes –
sabes Leonardo há um charme completo que te veste o casaco
no entanto descubro um barco, uma segunda pele, uma barba rala
um cabelo despenteado num palco de 60
e acho possível, porque sinto
que houve o desconforto, o imprevisível
partidas e chegadas
portas e janelas, a ventania branca
o hibernar
e o descanso do urso em placas de oceano
para de novo mergulhar no azul das águas
pelo espaço do plâncton, ágil como os golfinhos –
a mão desliza-te no bolso como um gato que procura um peixe
uma magia e o corpo inclina por partes:
de um lado a voz projectada, profunda
e de um outro a outra mão, cheia de rugas, esticada
separando o ar e ouvindo o vento
esse teu amigo que te sopra versos pelos ouvidos
como se os teus tímpanos fossem ramos de uma árvore
grossa de raízes, e escutassem uivos, lamentos
mas também vozes femininas e a suavidade dos carinhos –
o chapéu é um adereço, por vezes também penso nele
não no mesmo formato, menos formal, já não uso a gravata –
fica-te bem e pousa-te no tempo.
prolonga e afia-te o rosto e no negro tolda um contrário
e abre um novo sabor de mosto, uma delicadeza, um apreço
um afecto quando o levantas e juntas as mãos e os olhos
os olhos soberanos, abrindo o externo num golpe extenso
e navegando por entre os seios
navegando, dentro de naked gente –
perdeste esse ar selvagem de adolescente, do
don’t care about all the man that look the same
only with love I can be a slave –
mas acredito que ainda pensas o mesmo
não pareces perdido, há uma tranquilidade infinita;
cresci contigo, e hoje escuto de um outro modo a circunstância aflita -
quando se abrem muitas brechas e se escoam alguns rios
encontro os teus poemas como ombro e como jangada de troncos
qualquer que seja o caminho, mar ou cidade de asfalto sombrio
e subo acima, no ar, acima, acima
na pele de um imitador que descobre as palavras de um mestre.
diriges pelo leme de baladas múltiplas
e conduzes com a compreensão dos anos, como só tu sabes
pelo intervalo escondido das melodias;
confundo os nomes, folk com um pouco de indie?
Leonardo tu és um artista, constróis poemas
notas e claves numa pauta de letras
apontas as chaves dentro de muitas cabeças
para abrir os quartos da mudança
da casa flexível
por vezes como cabana, por vezes como abrigo
e por vezes
como uma margem de lírios, lily
e como um rio
inesgotável e fluido -
josé ferreira 31 janeiro 2012
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1 comentário:
José,
há poesia que abre rotas na nossa imaginação. que nos eleva, sublimando o tempo em que, por vezes, os olhos se fixam em poentes desnecessários. e madrugam, acrescentando[nos] a robustez e "os quartos de mudança".
bem-haja
(sabe da minha admiração pela sua escrita. perdoe as ausências, portanto.)
Mel
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