segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

a porta de Duchamp



uma porta é sempre uma porta
mas por vezes as portas surpreendem
as fechaduras encravam e prendem-se nas ferragens
obstruídas por películas e pequenas escamas, castanhas
a que chamamos ferrugem
a ferrugem também pode ser de uma origem indeterminada
pode ser propositada e fechar a porta
um, dois ou mais de doze anos de forma continuada
preservando um espaço difícil de alcançar
uma miragem, ou uma má imagem
como aconteceu com Duchamp –

as portas existem de uma forma muito própria
por dentro dos bolsos relutantes e inamovíveis
e as portas existem porque se abrem
nas cavidades preenchidas da cabeça
num intangível livro sem páginas e sem letras
que se constrói de pensamentos
e tem paraísos, infernos e deslumbres –

as portas existem como árvores centenárias
como portas de chumbo
ou como portas escancaradas de setas e sangue
portas que se fazem, fecham e destroem
na condição de um beijo ou de um abraço
portas
portas
portas
e chaves sem horas
que se abrem numa música
num rasgo luminoso de um olhar
numa distância imprecisa
feita só de palavras–

josé ferreira 5 de fevereiro 2012

1 comentário:

Rio disse...

José, adoro este poema, da possibilidade de as portas estarem fechadas ou abertas, da mudança que as pode abrir ou fechar, do poder do sentimento humano para o fazer. Parabéns!