quinta-feira, 30 de julho de 2009
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Não há pressas
Matisse "A janela" 1916
outra vez Domingo
mas ouve, ouve o que te digo:
não cries amarras no passado
nem sinetes malos de futuros
são como âncoras, levam ao fundo.
saboreia o lado das nascentes
e desce, desce essa encosta
em cada salto do tempo
como quem lavra um campo
na nova maneira antiga;
gotas de suor, botas de sebo
a sombra de um chapéu de abas largas.
e lança, lança a boa semente
no rasgo em linha do arado
uma agora, uma outra à frente.
mas sê atenta, há sempre ervas daninhas
que julgam ser redes de aço, adagas de
peixes vermelhos que nos fecham de buracos
túmulos de onde não há saída...não acredites.
procura o sol, os dias longos do mar
e sente...sente...nunca por nunca penses
que não encontras o cais; porto de abrigo.
escuta...escuta... no fundo do teu olhar
verde e fugidio,sem perguntas nem castigo:
shh...shh...shh...shh...
bem o sabes...não duvides
e sendo assim...ilumina os meus lábios
sem as vestes de domingo...
e se não queres, não há pressas, espero.
mas ouve, ouve apenas o que te digo
nem que seja como amigo.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Que seja autêntica
Pablo Picasso "Horta de Sant Joan" 1909
Esperei o momento do sossego
sabendo-o vagaroso, ciente de importãncia
qual nuvem rasgada da penumbra pela espada
o gume afiado de um raio certo.
A importância de fazer luz
compô-la nas gotas do cansaço
e talvez por ser assim sair misturada
a realidade de quadras até cinzentas
indiferentes ao nascer da claridade.
O cansaço que é imprudente e exige
o físico latejar, o movimento de pálpebras
a cisma dos olhos no silêncio
o levantar do queixo rugoso e direito
o vácuo tempo improdutivo em contas de ábaco
lentas, insuficientes, presas.
O físico latejar voando além da ponta dos dedos
aos circuitos mais altos na vibração dos extremos
entre o desespero de nada e por pouco alguma coisa
solta, que se entenda...não!... que seja autêntica!
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Acaso
Paul Klee- Federpflantze 1919
No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.
A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.
Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.
Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!
Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?
Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...
Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
A propósito de um voo no Canal sem Mancha
A avioneta, asas largas lentas de esqueleto
recolhe de novo o mar, a travessia
amacia a brisa e estende mais longe
o lenço preso de cortinas no elmo
além no cubículo, lugar de um céu;
esse vasto Oceano lateral começa
nas praias brancas da ilha grande
adensa de azuis aos poucos metros
e avança sem medo, Calais, o cais de França.
Quis ser aviador, cruzar em(braços)
sentir livres tempos, ler o vento.
Em pequeno planava corredores de pés plenos
assentes no barulho trémulo de motores
crescentes nos lábios abertos; óculos grossos
de redondos, olhos abertos de sonhos;
cortava o ar no suposto perigo de
atrás das nuvens surgir o inimigo
ou antes o alívio; não ser mais
de um leve esvoaçar, uma cantiga
no bico curvo decidido de uma ave
nas alturas; a companhia, o abrigo
de um olhar no espaço sem degraus
que encanta, solta a alma, anima.
Associo esse desejo antigo ao bálsamo
bebida fresca, som amigo de perder
as rédeas que sufocam e nos pólens
da notícia, ganhar de novo asas
subir ao Paraíso.
domingo, 26 de julho de 2009
S A U D A D E S D E A N G O L A ( em 7 simples actos )
1º acto: infância / puberdade
Escola primária de tão bela areia,
saltos à corda e ao eixo,
primeiros encantos juvenis;
corridas aos gelados
e na rampa do Salvador Correia...
doem-me as lembranças de Angola
de tempos felizes passados.
2º acto: grupo musical
Quatro calmos rapazes, originais,
espalhando simpatia e bela musicalidade,
"Diabólicos" eram líderes em reuniões pop
no Cine-esplanada Tropical,
... saudades de Angola e da performance vocal.
3º acto: faculdade de Medicina da U. Luanda
Exame de aptidão, marco estudantil,
pergunta sobre peritoneu
obrigou a resposta "do baril",
em 31 de julho saudades de Angola
por 35 anos de fulcral licenciatura!
4º acto: convívio e praias
fim de semana permanente em praia,
ilha do Mussulo e contracosta,
águas serenas
mais avolumam saudades tremendas de Angola
ainda em ressuscitação!
5º acto: guerra colonial
Guerra: terrorismo, ou libertação ?
Necessária turbulência
provocando triste fuga !? Ou descolonização ?!
Saudades de Angola não apagam brutal destruição...
6º acto: abandono e partida para " o Continente"
Amor, dedicação - a que outros chamaram "racismo",
muitos anos perdidos de convívio racial,
e um retorno sofrido a um novo País
que jamais colmatou saudades de Angola de forma total!
7º acto: guerra civil
Desentendimentos, ambições políticas pueris,
guerra de irmãos sem perdão,
de que vale ter saudades de Angola
se a lembrança de maus acordos
e dos mortos ainda está viva,
se os imbondeiros se curvam perante a dôr
e as acácias jamais se abrirão em flôr?!...
(António Luíz, 25-07-2009) - do livro em preparação
intitulado "Poesia pragmática", integrando todos os poemas pós-Curso
de Escrita Criativa de Set-2008 da Fac. Letras U. P.
Escola primária de tão bela areia,
saltos à corda e ao eixo,
primeiros encantos juvenis;
corridas aos gelados
e na rampa do Salvador Correia...
doem-me as lembranças de Angola
de tempos felizes passados.
2º acto: grupo musical
Quatro calmos rapazes, originais,
espalhando simpatia e bela musicalidade,
"Diabólicos" eram líderes em reuniões pop
no Cine-esplanada Tropical,
... saudades de Angola e da performance vocal.
3º acto: faculdade de Medicina da U. Luanda
Exame de aptidão, marco estudantil,
pergunta sobre peritoneu
obrigou a resposta "do baril",
em 31 de julho saudades de Angola
por 35 anos de fulcral licenciatura!
4º acto: convívio e praias
fim de semana permanente em praia,
ilha do Mussulo e contracosta,
águas serenas
mais avolumam saudades tremendas de Angola
ainda em ressuscitação!
5º acto: guerra colonial
Guerra: terrorismo, ou libertação ?
Necessária turbulência
provocando triste fuga !? Ou descolonização ?!
Saudades de Angola não apagam brutal destruição...
6º acto: abandono e partida para " o Continente"
Amor, dedicação - a que outros chamaram "racismo",
muitos anos perdidos de convívio racial,
e um retorno sofrido a um novo País
que jamais colmatou saudades de Angola de forma total!
7º acto: guerra civil
Desentendimentos, ambições políticas pueris,
guerra de irmãos sem perdão,
de que vale ter saudades de Angola
se a lembrança de maus acordos
e dos mortos ainda está viva,
se os imbondeiros se curvam perante a dôr
e as acácias jamais se abrirão em flôr?!...
(António Luíz, 25-07-2009) - do livro em preparação
intitulado "Poesia pragmática", integrando todos os poemas pós-Curso
de Escrita Criativa de Set-2008 da Fac. Letras U. P.
E X T R E M O S
És tantas vezes adorável colibri,
borboleta dançando em minha mão,
cordeirinho que eu afago com enlevo,
chuva que me lava toda a alma
neste arquétipo inferno
apenas salvo pelo dom do amôr!
Dou assim asas às andorinhas do meu prazer,
e amo-te então sem quaisquer limites...
Outras vezes sufocas-me as vontades,
esganas toda a minha planificação,
trituras-me os sonhos e as realisações,
bloqueio-me... e não há ódio,
mas também não há perdão!
Então, mesmo que o queira,
não consigo mais olhar-te
nem tão pouco amôr falar-te,
pois o beija -flor, a borboleta,
o cordeirinho e a própria chuva sofrem mutação,
transformando-se nas coisas mais hediondas
e mortíferas deste mundo!
Então, não solto as andorinhas do meu prazer,
e não é possivel amar-te,
mesmo que por gentileza tua
fosse desejo teu!
(António Luíz , 23-07-2009 ) - do livro em preparação
intitulado " Poesia pragmática" , integrando os poemas pós-Curso de
Escrita Criativa de Set-2008, Fac Letras U. P.
borboleta dançando em minha mão,
cordeirinho que eu afago com enlevo,
chuva que me lava toda a alma
neste arquétipo inferno
apenas salvo pelo dom do amôr!
Dou assim asas às andorinhas do meu prazer,
e amo-te então sem quaisquer limites...
Outras vezes sufocas-me as vontades,
esganas toda a minha planificação,
trituras-me os sonhos e as realisações,
bloqueio-me... e não há ódio,
mas também não há perdão!
Então, mesmo que o queira,
não consigo mais olhar-te
nem tão pouco amôr falar-te,
pois o beija -flor, a borboleta,
o cordeirinho e a própria chuva sofrem mutação,
transformando-se nas coisas mais hediondas
e mortíferas deste mundo!
Então, não solto as andorinhas do meu prazer,
e não é possivel amar-te,
mesmo que por gentileza tua
fosse desejo teu!
(António Luíz , 23-07-2009 ) - do livro em preparação
intitulado " Poesia pragmática" , integrando os poemas pós-Curso de
Escrita Criativa de Set-2008, Fac Letras U. P.
sábado, 25 de julho de 2009
Fronteira
É doce
a tentação do labirinto
assim que o sono chega e se propaga
ao contorno das coisas. mal as sinto
quando confundo a onda sempre vaga
deste falso cansaço que regressa
ao som da minha estranha e dócil fala
cada vez mais submersa como essa
pequena luz da rua que resvala
plo interior da noite. É quase um sonho
A respirar lá fora enquanto o quarto
se dilui na fronteira que transponho
e afoga a consciência de onde parto
agora sem direito nem avesso
no incerto momento em que adormeço.
Fernando Pinto do Amaral
A defesa da Poesia
Percy Bysshe Shelley (Sussex, 4 de agosto de 1792 — Mar Lígure, 8 de julho de 1822) foi um importante poeta romântico inglês. Foi desprezado na era vitoriana pelas suas idéias libertárias. Morreu aos 29 anos na Itália. Foi amigo de Lord Byron. Sua mulher Mary Shelley escreveu aquela que se tornou uma das mais intrigantes novelas da literatura moderna, o Frankenstein.
Shelley foi também companheiro de noitadas no vinho e nas discussões filosóficas, de Lord Byron, este considerado um marco referencial do pensamento Romântico na Literatura Inglesa e também na Literatura mundial. Após a morte de Shelley por afogamento, a sua mulher Mary Shelley responsabilizou-se pela publicação das suas obras.
Ele ainda viria a tornar-se um ídolo dos poetas vitorianos e dos pré-rafaelitas. Foi também admirado por figuras como Karl Marx, Henry Salt, George Bernard Shaw e Yeats. Compositores como Ralph Vaughan Williams e Samuel Barber, escreveram musica baseada nos seus poemas.
PERCY BYSSHE SHELLEY: "DEFESA DA POESIA"
"Ninguém pode dizer: "vou compor poesia". Nem o maior poeta o pode afirmar, pois, ao criar, o espírito é como brasa que se extingue, mas que uma influência invisível, qual vento constante, desperta para um fulgor transitório; este poder nasce de dentro, como a cor de uma flor que desmaia e muda à medida que se desenvolve, e a parte consciente da nossa natureza é incapaz de profetizar, quer a sua aproximação quer o seu afastamento: pudesse esta influência perdurar na pureza e força originais, e seria impossível predizer a grandeza dos resultados; porém, quando se inicia a composição, a inspiração está já em declínio, e a mais gloriosa poesia que alguma vez se comunicou ao mundo é provavelmente uma ténue sombra das concepções originais do poeta. Invoco o testemunho dos maiores poetas do presente: não será um erro afirmar que os mais belos trechos poéticos são produto do labor e do estudo? O labutar e o proletar recomendados pelos críticos podem, numa interpretação justa, não significar mais do que uma cuidadosa observância dos momentos de inspiração e uma ligação artificial das suas sugestões, preenchendo os espaços entre elas com a intertextura de expressões convencionais, uma necessidade imposta apenas pelas limitações da própria faculdade poética (...)."
Percy Bysshe Shelley
"Defesa da Poesia", Poesia Romântica Inglesa , tradução de Fernando Guimarães
sexta-feira, 24 de julho de 2009
A pluma nova e a voz oculta
Usei a pluma nova na escrita
como se no fim de cada verso
molhasse um pouco o aparo dourado
num pouco de tinta.
Não eram plenas as palavras
(assim não as sentia)
mas infligiam a surpresa de as ver sair
nascendo sob a forma de um canto
saliente do silêncio; um rodopio de vento
um remoinho de massa cinzenta;a voz oculta.
Desviei o olhar para o janelo transparente
que leva ao fosso e separa o degrau
do imenso jardim de outros mundos;
asas longas de libélulas e outras
mais planas, largas, coloridas
mas ainda suspensas de borboletas.
Por momentos esqueci-me de ti.
Senti o pó como a queda de um penhasco
de onde saí tropego conferindo partes
recontando dedos, dentes, a campânula
onde alojo os cabelos.
Eram os mesmos.
Acordei dos tombos sentado no degrau
do lado de lá do janelo sentindo os verdes
como se de repente uma planície dentro
ao nível das orelhas, atrás das sobrancelhas;
um imenso céu cinzento plantado de palmeiras
e ainda assim em cima um céu azul, uma luz branca
no centro da árvore humana, vestida de rosto
e linhas, listas de cores de uma colcha antiga.
De lado havia flores, azáleas raras
um lago de águas paradas,uma estátua
e as árias de um pássaro de asas claras
o corpo creme e a voz oculta
que soava no bico aberto,contínuo
na escrita de outros versos;
círculo de uma música que soava
no quadro completo da diversa natureza
e uma pluma nova que escrevia sózinha.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
A arte de ser feliz
Seurat"Um domingo à tarde na ilha da Grande Jotte"
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente,
que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
terça-feira, 21 de julho de 2009
Asas de luz
Chagall "The flying carriage"-1913
Tudo tem significado nada é por acaso:
a penumbra, a claridade
a inclinação verde de uma sebe
um vestido de seda, a melopeia
de uma voz extensa, graciosa
o nariz de um palhaço no meio de um quadro
redondo e vermelho, sem lábios de riso
quedo como se só do outro lado: os ruídos
entre madeixas de pinho, os dedos de assobio
os dentes brancos das gargalhadas.
A bandeira do Japão será uma piada?
Um antigo chapéu colhido da terra
no mais negro travo do veneno?
Serão divinas as estrelas de Armstrong
nos altos saltos dos planetas?
E quanto a Marte ( Deus das contínuas guerras
das imagens podres ) de que cor os cabelos
os grandes olhos, o "WellRock" dos joelhos?
E aos poetas quem os fez de sonhos imateriais
de abismos, de fronteiras, recônditos de ser
essências de nuvens em quedas de chuva
personagens no teatro das palavras que caem
como pingas nos pequenos bagos das amoras
escuras e doces: convite perigoso de silvas?
Não são de acaso, sem significados as palavras
e não são dos poetas, não são suas. São os frutos
de sábias pulgas que pululam as cabeças como ruas
soltando as gotas vermelhas dos poemas; cometas
estrelas brilhantes num cálice de pratas;
o sentir perto dos versos no conforto das almas
que se abrem de caminhos e asas de luz: amarelas.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
Lua
"um pequeno passo para o homem mas um grande passo para a humanidade"
Vislumbro o dia sem Neptuno
não há água na superfície.
Imagino o dia do homem
absoluto sem dúvida.
Ressaltos sem esquadria
na oblíqua queda;
as estrias paralelas
sete vezes leves
de uma pegada.
A surpreendente melancolia
de um deserto branco
um tripé de âncora
de uma "Nau Catrineta
na planície da Lua;
a lusa esperança
na ponta de uma seta
bordada de estrelas.
domingo, 19 de julho de 2009
A vida é sonho
(não sei de quem é mas gostei!)
É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.
Pedro Calderón de La Barca (1600-1681)
Tradução de Renata Pallotini
Editora Scritta, Rio de Janeiro, 1992
sexta-feira, 17 de julho de 2009
H2O
A mulher mais bonita do mundo
Paula Rego Auto retrato a vermelho 1962
estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.
entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.
entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.
há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.
estás tão bonita hoje.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.
os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.
de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.
José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"
quinta-feira, 16 de julho de 2009
AS ILHAS
Andy Warhol, sem título 1959
Qualquer que seja a viagem
protegem-nos as células, a genética das idades;
crescem-nos dedos de lagartos para subir as rochas.
Somos o ser agora nos filamentos futuros
as paisagens por abrir, o segredo dos rios míudos
a voz cissiada de mistérios nos halos das searas
o destino das seivas no segundo seguinte
o que está p'ra vir.
Não somos deuses mas homens
os não eternos, abertos nas costelas do tempo
gladiadores de fim próximo na escala dos séculos
anjos e demónios nos fios de teia frágil, suspensa
entre o infindável céu, o infindável mar
o impenetrável magma do ventre da terra.
E Somos!... Viajantes de dilúvios de Noé
de ondas graves e tábuas partidas nos Oceanos;
"Liliputs" de escafrando nas cidades submersas.
Mas Não Somos de Ninguém!...Unos, diferentes
construímos as nossas jangadas atingimos ILHAS.
As nossas ILHAS!
As ILHAS aguardam a chegada dos navios.
As ILHAS são o paraíso dos peixes
o descanso de algas, o lugar do coqueiro
das catatuas.
E são os pontos pequenos do mundo
quando vistas da Lua.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
VIVÊNCIA DOS TEMPOS ( comentário a Miguel Torga)
O Tempo foge-me
louco e desenfreado,
por muito que o queira reter,
tocar, ou agarrar
ou mesmo subtilmente prender...
Por vezes tenho louco desejo
de o encarcerar em mim,
p'ra que não possa fugir-me mais,
para que o possa assim dominar!
Não me restam dúvidas
que o tempo passado me fugiu,
mas tentei que me ensinasse
algo de sublime, ou de muito vital;
procurei ser receptáculo fiel
dos seus melhores ensinamentos,
p'ra que me ajude a agarrar
um Tempo ideal no presente,
p'ra que me ensine a amá-lo
sem desesperança, mas com amor,
e sem quaisquer critérios de submissão!
Nesta interdependência fulcral,
ou nesta amálgama de razoável vivência,
eu sobrevivo, e testo
a tamanha importância do Tempo;
por vezes vejo-me sem alternativa,
acreditando na louca decisão
da procura de um novo Tempo...
Como Miguel Torga em sua "Viagem",
eu assumo fielmente que
"em qualquer aventura, o que importa é partir,
não é chegar!" .
Interrogo-me se na viagem louca do Tempo,
não haverá a mesma percepção (?)
em relação a um Tempo vindouro
que se não pretende adivinhar?!...
Afinal, o mais importante pode ser
recriar ou reinventar um Tempo futuro,
partir para ele sem hesitação,
ou sem qualquer arrependimento,
por certo sem qualquer lamúria,
não importando saber
se o momento-instante do começo,
- quer para o bem, quer para o mal -,
poderá passar algum dia
a um qualquer tempo deserto,
sem chegada e sem qualquer fim?!...
Primordial é o Tempo da coragem,
da realização dos sonhos,
o Tempo do altruísmo e da abnegação,
mesmo que não haja homenagem,
ou um qualquer tipo de condecoração!
(António Luíz, 15-07-2009 )
louco e desenfreado,
por muito que o queira reter,
tocar, ou agarrar
ou mesmo subtilmente prender...
Por vezes tenho louco desejo
de o encarcerar em mim,
p'ra que não possa fugir-me mais,
para que o possa assim dominar!
Não me restam dúvidas
que o tempo passado me fugiu,
mas tentei que me ensinasse
algo de sublime, ou de muito vital;
procurei ser receptáculo fiel
dos seus melhores ensinamentos,
p'ra que me ajude a agarrar
um Tempo ideal no presente,
p'ra que me ensine a amá-lo
sem desesperança, mas com amor,
e sem quaisquer critérios de submissão!
Nesta interdependência fulcral,
ou nesta amálgama de razoável vivência,
eu sobrevivo, e testo
a tamanha importância do Tempo;
por vezes vejo-me sem alternativa,
acreditando na louca decisão
da procura de um novo Tempo...
Como Miguel Torga em sua "Viagem",
eu assumo fielmente que
"em qualquer aventura, o que importa é partir,
não é chegar!" .
Interrogo-me se na viagem louca do Tempo,
não haverá a mesma percepção (?)
em relação a um Tempo vindouro
que se não pretende adivinhar?!...
Afinal, o mais importante pode ser
recriar ou reinventar um Tempo futuro,
partir para ele sem hesitação,
ou sem qualquer arrependimento,
por certo sem qualquer lamúria,
não importando saber
se o momento-instante do começo,
- quer para o bem, quer para o mal -,
poderá passar algum dia
a um qualquer tempo deserto,
sem chegada e sem qualquer fim?!...
Primordial é o Tempo da coragem,
da realização dos sonhos,
o Tempo do altruísmo e da abnegação,
mesmo que não haja homenagem,
ou um qualquer tipo de condecoração!
(António Luíz, 15-07-2009 )
A melhor maneira de viajar é sentir
Amadeo Sousa Cardoso, óleo 1917 Pintura(Brut 300 TSF)
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.
Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.
Sursum corda! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito,
Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho
E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo!
Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande,
As coisas, de braços cruzados sobre o peito, reparam
Com uma tristeza nobre para os meus olhos abertos
Que as vê como vagos vultos noturnos na noite negra.
Sursum corda! Acordo na noite e sinto-me diverso.
Todo o Mundo com a sua forma visível do costume
Jaz no fundo dum poço e faz um ruído confuso,
Escuto-o, e no meu coração um grande pasmo soluça.
Sursum corda! ó Terra, jardim suspenso, berço
Que embala a Alma dispersa da humanidade sucessiva!
Mãe verde e florida todos os anos recente,
Todos os anos vernal, estival, outonal, hiemal,
Todos os anos celebrando às mancheias as festas de Adônis
Num rito anterior a todas as significações,
Num grande culto em tumulto pelas montanhas e os vales!
Grande coração pulsando no peito nu dos vulcões,
Grande voz acordando em cataratas e mares,
Grande bacante ébria do Movimento e da Mudança,
Em cio de vegetação e florescência rompendo
Teu próprio corpo de terra e rochas, teu corpo submisso
A tua própria vontade transtornadora e eterna!
Mãe carinhosa e unânime dos ventos, dos mares, dos prados,
Vertiginosa mãe dos vendavais e ciclones,
Mãe caprichosa que faz vegetar e secar,
Que perturba as próprias estações e confunde
Num beijo imaterial os sóis e as chuvas e os ventos!
Sursum corda! Reparo para ti e todo eu sou um hino!
Tudo em mim como um satélite da tua dinâmica intima
Volteia serpenteando, ficando como um anel
Nevoento, de sensações reminescidas e vagas,
Em torno ao teu vulto interno, túrgido e fervoroso.
Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente
Meu coração a ti aberto!
Como uma espada traspassando meu ser erguido e extático,
Intersecciona com meu sangue, com a minha pele e os meus nervos,
Teu movimento contínuo, contíguo a ti própria sempre,
Sou um monte confuso de forças cheias de infinito
Tendendo em todas as direções para todos os lados do espaço,
A Vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une
E faz com que todas as forças que raivam dentro de mim
Não passem de mim, nem quebrem meu ser, não partam meu corpo,
Não me arremessem, como uma bomba de Espírito que estoira
Em sangue e carne e alma espiritualizados para entre as estrelas,
Para além dos sóis de outros sistemas e dos astros remotos.
Tudo o que há dentro de mim tende a voltar a ser tudo.
Tudo o que há dentro de mim tende a despejar-me no chão,
No vasto chão supremo que não está em cima nem embaixo
Mas sob as estrelas e os sóis, sob as almas e os corpos
Por uma oblíqua posse dos nossos sentidos intelectuais.
Sou uma chama ascendendo, mas ascendo para baixo e para cima,
Ascendo para todos os lados ao mesmo tempo, sou um globo
De chamas explosivas buscando Deus e queimando
A crosta dos meus sentidos, o muro da minha lógica,
A minha inteligência limitadora e gelada.
Sou uma grande máquina movida por grandes correias
De que só vejo a parte que pega nos meus tambores,
O resto vai para além dos astros, passa para além dos sóis,
E nunca parece chegar ao tambor donde parte...
Meu corpo é um centro dum volante estupendo e infinito
Em marcha sempre vertiginosamente em torno de si,
Cruzando-se em todas as direções com outros volantes,
Que se entrepenetram e misturam, porque isto não é no espaço
Mas não sei onde espacial de uma outra maneira-Deus.
Dentro de mim estão presos e atados ao chao
Todos os movimentos que compõem o universo,
A fúria minuciosa e dos átomos,
A fúria de todas as chamas, a raiva de todos os ventos,
A espuma furiosa de todos os rios, que se precipitam,
A chuva com pedras atiradas de catapultas
De enormes exércitos de anões escondidos no céu.
Sou um formidável dinamismo obrigado ao equilíbrio
De estar dentro do meu corpo, de não transbordar da minh'alma.
Ruge, estoira, vence, quebra, estrondeia, sacode,
Freme, treme, espuma, venta, viola, explode,
Perde-te, transcende-te, circunda-te, vive-te, rompe e foge,
Sê com todo o meu corpo todo o universo e a vida,
Arde com todo o meu ser todos os lumes e luzes,
Risca com toda a minha alma todos os relâmpagos e fogos,
Sobrevive-me em minha vida em todas as direções!
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
terça-feira, 14 de julho de 2009
Allegro nº1
Olha! Inventaram as estrelas
E criaram os pântanos,
E girafas, touros e zebras!
Há laranjas redondas para serem comidas!
Há cegonhas e baleias,
Pinguins e elefantes!
Há também elefantes de duas patas e sem tromba
Com dois braços e com pêlos no cimo da cabeça
Que falam como papagaios.
Obrigado Deus maluco!
Pela eterna loucura que nos deixaste.
E criaram os pântanos,
E girafas, touros e zebras!
Há laranjas redondas para serem comidas!
Há cegonhas e baleias,
Pinguins e elefantes!
Há também elefantes de duas patas e sem tromba
Com dois braços e com pêlos no cimo da cabeça
Que falam como papagaios.
Obrigado Deus maluco!
Pela eterna loucura que nos deixaste.
No entanto a voz segue segura no meio dos braços
Soube que estavas sozinha na noite treze
sentada numa mesa de estrelas extremas;
pêndulos de luz na visível hipnose.
Não havia qualquer lírica que atingisse o teu céu.
Pareceu-me imprudente esse estar estranho e ausente.
Uma melodia evolava debaixo dessa mesa na figura
de um querubim pequeno de sandálias e asas brancas.
Hesitei nas palavras que achava únicas e leves.
Gravítico de nada não sabia porque seguiam autónomas.
Duas mãos - as minhas - esmagaram o cabelo castanho
o mal feito queixo.
Por momentos só a luz, a música, o ar de quem não deu
por nada... se nada ouvias de olhos fixos e rectos.
A força de mil homens soltou a mão esquerda
os cabelos de alfinete a outra impotente e pálida.
O recomeço da lírica em cima de uma mesa de estrelas
e o rasgo de um cometa ardente, insistente
de voo célere que despede os ombros...longe;
artifício de alcance que não atinge... não demove...
não alcança...
No entanto a voz segue segura no meio dos braços-
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Você e Eu
Você e Eu
Composição: Carlos Lyra/Vinícius de Moraes
Podem me chamar
E me pedir e me rogar
E podem mesmo falar mal
Ficar de mal que não faz mal
Podem preparar
Milhões de festas ao luar
Que eu não vou ir
Melhor nem pedir
Eu não vou ir, não quero ir
E também podem me obrigar
Até sorrir, até chorar
e podem mesmo imaginar
O que melhor lhes parecer
Podem espalhar
Que eu estou cansado de viver
E que é uma pena
Para quem me conheceu
Eu sou mais você
E... eu
A maior solidão é do ser que não ama
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Vinicius de Moraes
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Vinicius de Moraes
sexta-feira, 10 de julho de 2009
As cidades invisíveis
"Talvez seja mais fácil visualizar algo através da escrita do que através de um desenho. Alguns textos excepcionalmente bem redigidos possuem essa capacidade mesmo sobre as mais brilhantes pinturas, pois as suas descrições são mais vagas e sugestivas do que as linhas precisas de um desenho. Consciente de tudo isto, a artista americana Nora Sturges lançou a si própria um desafio tão impossível como aliciante: colocar na tela os ambientes fabulosos do livro "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino."
quinta-feira, 9 de julho de 2009
A praia dos ouriços
Início de Julho mês abrasivo.
Gotas descolando a testa luzidia
junto ao mar.
Quando se pode se marca a areia molhada
traços de caminho breve nas horas quentes.
Um colar de brisa alisa em cada um
o silêncio de passos no socalco liso
de espuma e algas; enguias deslizantes
esguias de abandono nos dedos brancos
ao contrair frio dos vasos, azuis, finos
límpidos sinais de rios; um mapa em
movimento de areia e águas.
Sendo sempre o mesmo mar será sempre
a mesma onda que nos segue? Insígnia
de um céu destino que nos toca a alma
acerta a mente, na viagem e fuga
dos arenitos, roliços, e das conchas
capas leves em quedas de rebuliço.
Sendo sempre o mesmo mar será sempre
nova, essa água? Extensiva e circular
que se esconde, renova mais além
onde há cascos de navios, a linha
o voo agudo de asas marítimas.
Na praia dos ouriços sigo a queda do sol
a nitidez clara da lua quando chega
e pergunto se há alguém dentro de mim
que me solta as lágrimas
que me pára o vento
que me acende o riso?
Gotas descolando a testa luzidia
junto ao mar.
Quando se pode se marca a areia molhada
traços de caminho breve nas horas quentes.
Um colar de brisa alisa em cada um
o silêncio de passos no socalco liso
de espuma e algas; enguias deslizantes
esguias de abandono nos dedos brancos
ao contrair frio dos vasos, azuis, finos
límpidos sinais de rios; um mapa em
movimento de areia e águas.
Sendo sempre o mesmo mar será sempre
a mesma onda que nos segue? Insígnia
de um céu destino que nos toca a alma
acerta a mente, na viagem e fuga
dos arenitos, roliços, e das conchas
capas leves em quedas de rebuliço.
Sendo sempre o mesmo mar será sempre
nova, essa água? Extensiva e circular
que se esconde, renova mais além
onde há cascos de navios, a linha
o voo agudo de asas marítimas.
Na praia dos ouriços sigo a queda do sol
a nitidez clara da lua quando chega
e pergunto se há alguém dentro de mim
que me solta as lágrimas
que me pára o vento
que me acende o riso?
quarta-feira, 8 de julho de 2009
A ceifa noutros lugares
Silva Porto (1850- 1893), A ceifa- 1884
NOUTROS LUGARES
Não é que ser possível ser feliz acabe,
quando se aprende a sê-lo com bem pouco.
Ou que não mais saibamos repetir o gesto
que mais prazer nos dá, ou que daria
a outrem um prazer irresistível. Não:
o tempo nos afina e nos apura:
faríamos o gesto com infinda ciência.
Não é que passem as pessoas, quando
o nosso pouco é feito da passagem delas.
Nem é tanto que ao jovem seja dado
o que a mais velhos se recusa. Não.
É que os lugares acabam. Ou ainda antes
de serem destruídos, as pessoas somem
e não mais voltam onde parecia
que elas ou outras voltariam sempre
por toda a eternidade. Mas não voltam,
desviadas por razões ou por razão nenhuma.
É que as maneiras, modos, circunstâncias
mudam. Desertas ficam praias que brilhavam
não de água ou sol mas solta juventude.
As ruas rasgam casas onde leitos
já frios e lavados não rangiam mais.
E portas encostadas só se abrem sobre
a treva que nenhuma sombra aquece.
O modo como tínhamos ou víamos,
em que com tempo o gesto sempre o mesmo
faríamos com ciência refinada e sábia
(o mesmo gesto que seria útil,
se o modo e a circunstância permitissem),
tornou-se sem sentido e sem lugar.
Aonde e como? Aonde e como? Quando?
Em que praias, que ruas, casas e quais leitos,
a que horas do dia ou da noite não sei.
Apenas sei que as circunstâncias mudam
e que os lugares acabam. E que a gente
não volta ou não repete, e sem razão, o que
só por acaso era a razão dos outros.
Se do que vi ou tive uma saudade sinto,
feita de raiva e do vazio gélido,
não é saudade, não. Mas muito apenas
o horror de não saber como se sabe agora
o mesmo que aprendi. E a solidão
de tudo ser igual doutra maneira.
E o medo de que a vida seja isto:
um hábito quebrado que se não reata,
senão noutros lugares que não conheço.
JORGE DE SENA
terça-feira, 7 de julho de 2009
Praias do Sul
segunda-feira, 6 de julho de 2009
A Fuga e a Viagem
Kandinsky, Fuga 1914
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
sexta-feira, 3 de julho de 2009
O tempo passa? Não passa
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando'
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Amar se Aprende Amando'
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Biblioteca
Bibliotecas nítidas na identidade primária
número:três cinco seis seis um sete seis.
As gavetas de fichas brancas
o cartão roído na procura dos livros.
Escolhia o Nobel da América: Steinbeck
"Vinhas da Ira", " Pérola", "Pastagens do Céu".
Místicas de quadros vagabundos, um pós guerra
sinais de fumo sujo nos "Bairros da Lata".
Personagens cativos e o leitor jovem no início
suspenso de palavras inscritas de feitiços
"A um Deus desconhecido".
Os dias no grande edifício dos claustros, altos
onde vento zumbia de subidas nas escadas de pedra
à grande sala onde pousava o silêncio dos olhares
leitura doce, ácida, alcalina de enredos, fantasias.
Os grandes livros no traço usado de riscos indevidos
os sublinhados, as capas de pele, macias; as palmas
como insignias de almas despertas, ali, vividas.
Tantos e tantos dias de Biblioteca
onde lia os primos versos dos poetas
sementes pequenas ainda inertes
de "... Leonor pela verdura..."
por "... mares nunca antes navegados..."
número:três cinco seis seis um sete seis.
As gavetas de fichas brancas
o cartão roído na procura dos livros.
Escolhia o Nobel da América: Steinbeck
"Vinhas da Ira", " Pérola", "Pastagens do Céu".
Místicas de quadros vagabundos, um pós guerra
sinais de fumo sujo nos "Bairros da Lata".
Personagens cativos e o leitor jovem no início
suspenso de palavras inscritas de feitiços
"A um Deus desconhecido".
Os dias no grande edifício dos claustros, altos
onde vento zumbia de subidas nas escadas de pedra
à grande sala onde pousava o silêncio dos olhares
leitura doce, ácida, alcalina de enredos, fantasias.
Os grandes livros no traço usado de riscos indevidos
os sublinhados, as capas de pele, macias; as palmas
como insignias de almas despertas, ali, vividas.
Tantos e tantos dias de Biblioteca
onde lia os primos versos dos poetas
sementes pequenas ainda inertes
de "... Leonor pela verdura..."
por "... mares nunca antes navegados..."
Condição... Da raiva à luz...
Obrigado por nada.
O professor é feito de uma matéria inefável, a qual, a maioria dos mortais não atinge.
Sim, o professor é imortal!
É algo que perpassa gerações, que ultrapassa referentes, que dispensa o comezinho, que de uma forma ou outra se incorpora e se enraíza num começo ancestral, se dela se pode falar, daquilo que conhecemos por Humanidade.
Adão mestre e preceptor de Eva e, Eva, preceptora e mestre de Adão.
Desse relacionamento pedagógico iniciático provém toda a candura que o caracteriza. A percepção de que tudo é composto de mudança, tudo é efémero e, que as modas ou circunstâncias se abatem sobre si mesmas porque ensinar é apenas e nada mais do que a arte de se imiscuir, torna-o, conscientemente, ser de cerviz baixa, típica atitude de quem aprende e ensina, acreditando piamente que o discípulo será sempre superior ao mestre.
Utopia, mito? Nem por isso!
Deixem-no fazer ao que geneticamente é propenso.
O Paraíso surge, como sempre surgiu nas mais adversas circunstâncias.
O caldo em que foi gerado, o relacionamento hierarquicamente democrático provindo dos tempos da criação, permite-lhe criar contextos e condições de mimar seres pensantes, se é que isso interessa, verdadeiramente necessários a épocas futuras.
Sim, há algo de inefável!
Não se aprende, não se ensina, não se transmite.
É uma vivência concêntrica, simultânea, que desperta no agente e circunstantes a essência do que é e do que será, do que foi e do que persistirá.
Sim, é assim que o professor é imortal!
É o fiel de balança entre poderes.
É sopro, é alma, é átomo no coração de quem o ama e deprecia.
É, de facto, célula estaminal.
Da diferenciação, cria e recria a alma, toda a célula existente num povo, cérebro, osso, coração, músculo, pele e, assim, cumpre Portugal.
Grandioso este poder ingénito. Inefável, de origem divina ou transcendente com atributos de beleza e perfeição superiores ao nível terreno não expresso em palavra humana.
Na bíblia, este poder ingénito e inefável, ocorre como inexprimível e indescritível.
Ser professor é arte performativa transcendental e, como tal, inexprimível, indescritível e inquantificável.
Deixem-no ser mito, imortal, inefável… o país agradecer-nos-á, pois este ser mitológico ancestral onde coexiste o utópico e o real, onde o ser é ter e, o ter significa inexoravelmente ser o saber, cumpre a difícil arte de ser autóctone em português
Ente imortal e estranha condição.
É sopro.
É alma.
É átomo no coração de quem o ama e deprecia.
É, de facto, mito.
Mito que é um nada e que é tudo e, como sempre quer, o homem sonha, a obra nasce.
Ser Português!
Obrigado por tudo.
A.J.Lima Reis
Texto publicado por Maria Celeste Carvalho
O professor é feito de uma matéria inefável, a qual, a maioria dos mortais não atinge.
Sim, o professor é imortal!
É algo que perpassa gerações, que ultrapassa referentes, que dispensa o comezinho, que de uma forma ou outra se incorpora e se enraíza num começo ancestral, se dela se pode falar, daquilo que conhecemos por Humanidade.
Adão mestre e preceptor de Eva e, Eva, preceptora e mestre de Adão.
Desse relacionamento pedagógico iniciático provém toda a candura que o caracteriza. A percepção de que tudo é composto de mudança, tudo é efémero e, que as modas ou circunstâncias se abatem sobre si mesmas porque ensinar é apenas e nada mais do que a arte de se imiscuir, torna-o, conscientemente, ser de cerviz baixa, típica atitude de quem aprende e ensina, acreditando piamente que o discípulo será sempre superior ao mestre.
Utopia, mito? Nem por isso!
Deixem-no fazer ao que geneticamente é propenso.
O Paraíso surge, como sempre surgiu nas mais adversas circunstâncias.
O caldo em que foi gerado, o relacionamento hierarquicamente democrático provindo dos tempos da criação, permite-lhe criar contextos e condições de mimar seres pensantes, se é que isso interessa, verdadeiramente necessários a épocas futuras.
Sim, há algo de inefável!
Não se aprende, não se ensina, não se transmite.
É uma vivência concêntrica, simultânea, que desperta no agente e circunstantes a essência do que é e do que será, do que foi e do que persistirá.
Sim, é assim que o professor é imortal!
É o fiel de balança entre poderes.
É sopro, é alma, é átomo no coração de quem o ama e deprecia.
É, de facto, célula estaminal.
Da diferenciação, cria e recria a alma, toda a célula existente num povo, cérebro, osso, coração, músculo, pele e, assim, cumpre Portugal.
Grandioso este poder ingénito. Inefável, de origem divina ou transcendente com atributos de beleza e perfeição superiores ao nível terreno não expresso em palavra humana.
Na bíblia, este poder ingénito e inefável, ocorre como inexprimível e indescritível.
Ser professor é arte performativa transcendental e, como tal, inexprimível, indescritível e inquantificável.
Deixem-no ser mito, imortal, inefável… o país agradecer-nos-á, pois este ser mitológico ancestral onde coexiste o utópico e o real, onde o ser é ter e, o ter significa inexoravelmente ser o saber, cumpre a difícil arte de ser autóctone em português
Ente imortal e estranha condição.
É sopro.
É alma.
É átomo no coração de quem o ama e deprecia.
É, de facto, mito.
Mito que é um nada e que é tudo e, como sempre quer, o homem sonha, a obra nasce.
Ser Português!
Obrigado por tudo.
A.J.Lima Reis
Texto publicado por Maria Celeste Carvalho
quarta-feira, 1 de julho de 2009
Dia Mundial das Bibliotecas
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a minha casa é feita
de pó e de papel
labirinto de imagem, palavra e sonho
terra de magia e torre de babel
tem o cheiro acastanhado
dos segredos
e o silêncio da alma
assídua e devota
que toca com os olhos
e sente
na ponta dos dedos
cada estante, cada lombada, cada cota
os livros –
direitos ou tombados,
pequeninos e pesadões,
fora de sítio, arrumados,
e empilhados em montões –
chamam o meu nome
(com um chamar bonito)
em prosa ou em verso,
manuscrito ou impresso
depois dão testemunho
de ciência, ficção e memória
que me prende e liberta
num só momento
por uma página, por uma história
pelas palavras que alguém
um dia escreveu no vento
é de pó e de papel
esta casa que é uma ponte
tem um postigo no telhado
de onde vejo o horizonte
e uma janela enorme
que dá para o meu jardim
não é uma casa, nem é minha
de pó e de papel
labirinto de imagem, palavra e sonho
terra de magia e torre de babel
tem o cheiro acastanhado
dos segredos
e o silêncio da alma
assídua e devota
que toca com os olhos
e sente
na ponta dos dedos
cada estante, cada lombada, cada cota
os livros –
direitos ou tombados,
pequeninos e pesadões,
fora de sítio, arrumados,
e empilhados em montões –
chamam o meu nome
(com um chamar bonito)
em prosa ou em verso,
manuscrito ou impresso
depois dão testemunho
de ciência, ficção e memória
que me prende e liberta
num só momento
por uma página, por uma história
pelas palavras que alguém
um dia escreveu no vento
é de pó e de papel
esta casa que é uma ponte
tem um postigo no telhado
de onde vejo o horizonte
e uma janela enorme
que dá para o meu jardim
não é uma casa, nem é minha
no fundo
ela é todo o mundo
e faz parte de mim.
ela é todo o mundo
e faz parte de mim.
raquel patriarca
um.julho.doismilenove
O romper da névoa na noite pálida
Só por acaso na noite pálida
se desvela a forma plácida
de um coreto no jardim.
Só por acaso a necessidade
de um fumo que se evola
em consumos de cinza
conduz os passos
ao ímpeto surdo
de uma orquestra voando
em círculos límpidos.
Só por acaso ao longe
a proximidade humana
de um vazio no escuro
a batida fora de horas
um jogging de cadências
os ritmos e a batuta.
O filtro assomava
o fastio de um fim
o cigarro;
dissonante melodia.
Não foi só por acaso
o breve lamento da brasa
na bica líquida;
último assobio.
Mais perto a batida
a consulta de uma bracelete
onde fugia o tempo
biorritmo presto da corrida.
Passou ofegante a figura feminina
e no mesmo instante o silêncio
nas grades verdes em seta
sem maestro sem orquestra.
No olhar neutro das estrelas
a luz dissonante de paletas
a impossibilidade dos poemas.
Só por acaso o brilho purpurina
a pulseira caída junto à fonte
numa bolsa de tecido andino
cores púrpura, azul e rouge
de uma queda amortecida.
No espelho de água risco o burburinho
o ritmo cardíaco, a batida,o dia seguinte
o romper da névoa na noite pálida
o coreto adormecido.
se desvela a forma plácida
de um coreto no jardim.
Só por acaso a necessidade
de um fumo que se evola
em consumos de cinza
conduz os passos
ao ímpeto surdo
de uma orquestra voando
em círculos límpidos.
Só por acaso ao longe
a proximidade humana
de um vazio no escuro
a batida fora de horas
um jogging de cadências
os ritmos e a batuta.
O filtro assomava
o fastio de um fim
o cigarro;
dissonante melodia.
Não foi só por acaso
o breve lamento da brasa
na bica líquida;
último assobio.
Mais perto a batida
a consulta de uma bracelete
onde fugia o tempo
biorritmo presto da corrida.
Passou ofegante a figura feminina
e no mesmo instante o silêncio
nas grades verdes em seta
sem maestro sem orquestra.
No olhar neutro das estrelas
a luz dissonante de paletas
a impossibilidade dos poemas.
Só por acaso o brilho purpurina
a pulseira caída junto à fonte
numa bolsa de tecido andino
cores púrpura, azul e rouge
de uma queda amortecida.
No espelho de água risco o burburinho
o ritmo cardíaco, a batida,o dia seguinte
o romper da névoa na noite pálida
o coreto adormecido.
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