segunda-feira, 30 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( XII )




escrevo-te esta carta para que a guardes
dentro de um livro, um livro de poesia
daqueles que podem ter um poema, um único poema que nos segure dentro
dentro do seu  mundo, com as nossas letras, dentro das suas janelas.
vou-te contar,  começa assim:

hoje é cedo ainda. é um fim de dia, de um dia que pela segunda vez escrevo
com os ombros pousados na mesa e os olhos dentro de um poema.
escrevo como se os meus cabelos cada um e de maneira diferente
tocassem  teclas de piano, acertadas, para te embalar dentro
dentro da minha cabeça, uma dança de imagens e do pensamento –

há uma pele fora e uma pele dentro
uma cadeira, um colo, um abraço e uma música por todos os cantos do poema
há uma pele ferida com todas as nossa letras, com todos os nossos caminhos
e não podemos julgar os medos ou os dias só porque nasceram e existiram
nem tão pouco julgar os segredos que são segredos e aqueles que um dia se descobrem
e se tornam uma troca de palavras,  compreendidas na mistura dos dedos 
que abrem botões, tirando lentamente as camisas, mostrando sinais
clareando na noite, madrugadas e manhãs  –

falamos sempre de nós com os poemas.
 umas vezes somos brancos  como o cimo das montanhas
uma claridade mais perto do céu
outras como um vento,  uivando, para distrair os outros sem que ninguém nos perceba
outras como mudos sem uma língua que fala,  com fragmentos de frases e palavras
e sem os gestos que percebam
outras brancos como a cal, com receios, como pêndulos baralhados sem ritmos
perdendo todos os tempos e a continuidade do movimento
o movimento que nos embala e nos invade os ouvidos –

mas como sabes que sabes que sinto o mesmo que sinto
sabes que quero ser um sussurro de seda e um sossego zen
como um gongo que tocou forte e deixa escoar o som, lentamente
como um eco de um grito de alegria no cimo de um mundo
um som de uma canção de infância a baixar as pálpebras
como dedos de mãos subitamente tão pequenos
a perderem força e as pálpebras esticadas e redondas –

 quero que te encostes na cadeira como se fosse forrada de penas e com o pólen das flores
uma cadeira de braços de preferência, uma cadeira de embalo com um poema.
deixa cair o braço direito, abre a mão como se dela se soltasse a ansiedade
e deixa que o ombro sinta, sinta  a diferença –
levanta de novo e pousa a mão no braço e agora com a esquerda
repete o movimento –

parece que nada muda mas afinal é como se estivéssemos juntos, frente a frente
como um espelho em que seres mulher e homem não interessa
porque essa é uma diferença que mora do lado de fora
mas não tem o dobro da pele, de dentro e de fora,  que se juntam dentro –

o que te quero dizer é que te quero, e que te quero muito
como naquele poema de Leonard com as duas metades dentro de tudo
para completar os búzios, o mar, as ondas e a espuma nesta noite tão escura –
mas de uma forma sossegada para esperar todos os minutos
que nos tornem como uma muralha, uma muralha mais longa e construída –

o Inverno é frio e molha os pés mas podemos usar o mesmo casaco
e viver três quilómetros de rua debaixo de um guarda chuva
no Outono, tantas árvores e tantas folhas, e tantas flores na estação de março;
aromas que nos abrem e desnudam como magnólias soltas, glícinias e petúnias
a doçura do jasmim,  a lantejoula de flores desenhando os jardins.
e na estação cálida, caliente, a impaciência da roupa, a transpiração
a pele morena e quente a clamar pelas brisas,  em qualquer praia de gente
ou sem gente, desde que as mãos sejam duas no mesmo cálice de tempo
de horizonte e de marés –

todas as estações são boas para adormecer
 desde que a alma pela aragem dos poemas
possa pousar em sossego, é o que mais quero –

estes poemas ao fim da noite como uma mão que enlaça a tua
aconchega-te a face e beija-te as orelhas
e quer que a guardes, a carta, a mão e o poema –

boa noite… beijo-te as orelhas
e o pescoço, e as orelhas e o pescoço
para que adormeças –

encosto-me nos teus cabelos –


domingo, 29 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( XI )




escrevo-te esta carta para que a guardes
muito apertada, debaixo da almofada
como um  segredo por um dia inteiro
e esquece-a um pouco
não toda, apenas algumas linhas, para ler de novo
pela manhã, pela manhã de um dia de domingo.
vou-te contar, começa assim:

apesar da luz que ilumina, não se acalmou o frio
um  frio que corre pelas mãos do vento a abrir-me o colarinho
a camisa às riscas quando chego a Santa Catarina –

sabes, foi uma surpresa. gosto da escada metálica
que primeiro mostra o céu e depois os azulejos
e a rua, uma rua cheia de gente, de muita gente.
hoje uma música celta, duas gaitas de foles  e tambores
tambores de pele e de gente que se anima –

levo os olhos bem abertos para enfeitarem o meu silêncio
para cobrirem de versos  o meu caminho,  anónimo e sozinho
e eis que surge uma cena de antologia e verde, verde como uma ervilha.
não te rias. que tem isso de surpresa de ser verde e ser ervilha?
bem sei que de início parece uma iluminura tola e sem sentido
mas ouve, ouve melhor, verde, verde como uma ervilha –
batiam, quer  dizer não batiam, que as horas não batem, aparecem rotativas
para nos mostrar a lua, uma luz branca que nos cinta
para nos mostrar estrelas brilhantes de platina
para nos mostrar as manhãs do Porto e as neblinas
para eliminar as sombras nas horas do meio-dia
para as tornar mais escondidas e menos  oblíquas –

mas voltando à relojoaria e a Santa Catarina
 sem batimentos era uma e trinta.
junto de uma venda de rua, um par de namorados
escondidos num fim de escada de porta fechada.
o rapaz de cabelo encaracolado, olhava de um e outro lado
a rapariga de costas voltadas, erguia na frente dos olhos uma casa de ervilhas
e uma a uma,  com um sorriso nos lábios
uma a uma, e comia subitamente, directamente da casa verde
uma a uma o verde das ervilhas.
ficava apenas a casa verde e os ombros muito encolhidos
e um sorriso, sim, um sorriso –

não te rias. é disparate bem sei, parece uma conversa de meninos
mas enternece-me, lembra-me o campo e não o  cimento
lembra-me os arbustos, lembra-me os caminhos de terra
lembra-me a frescura de um cogumelo de árvores nas montanhas do Minho
lembra-me muito e faz esquecer este vento
este vento frio que me cerca a gola
e que me entra pelos colarinhos –
a ervilha, assim uma a uma e eu a salivar como na psicologia experimental
a salivar o sabor de uma ervilha pelo palato, verde a rolar
a rolar pela língua –

não te rias. chega de disparate, bem sei, e afinal não tem muita piada
mas é um facto, aconteceu, era uma e trinta –

e como sempre a saudade trouxe-me os teus olhos
os teus olhos de princesa, deixa-me dizer assim
uma princesa de flor de lis como vi numa tela gigante
numa parede de Florença quando o calor era feito de mármores de Giotto
de esplanadas no meio de praças, de pontes com margens de casas
e de dias luminosos, lembro-me bem –

como me quero lembrar de todas as canções:  as de vozes roucas
as de cordas simples e as mais bem tecidas, de palavras
de palavras de pele pelas pratas do rio –

agora é como se visse bem os teus olhos, como se lhes pusesse as mãos em cima
os teus olhos de esconderijo –
como se lhes pusesse as mãos em cima para te fazer sorrir
e depois  com as agulhas dos dedos, tecer poemas, tecer poemas  bem devagarinho
mas com ritmo,  tecer poemas  em tecidos, belos tecidos
tecidos de flor de lis
para usares todos os dias –

e lembro-me de um quadro do realismo, um quadro de gôndola
um quadro de bancos vermelhos, dois bancos vermelhos, sem gente
junto de escadas, sem namorados, num espelho de águas
e recordo-me da fita preta nos chapéus de palha da madeira
e sonho conduzir o barco com uma t-shirt de riscas
a gôndola no deslizar suave por entre prédios altos
para que possas virar de todos os lados um pequeno ramo de violetas
ou de amores-perfeitos, ou de flores pequenas como miosótis
emolduradas pelos aroma de glicínias –

por vezes a chuva quando cai regular e certa, adormece sem que pese
e nunca sequer tinha pensado nas gôndolas como um rumorejar
que ao espalhar as sucessivas ondas até aos alicerces
pudesse adormecer e sossegar de forma tranquila
mas parece-me bem porque sinto, sinto o barco avançar
e sinto o sono e sinto um sorriso no rosto  -

hoje quero que adormeças numa gôndola de Veneza
ou nas pratas luminosas de um rio Arno de Florença
envolvida em tecidos de seda
envolvida de versos e poemas
num aconchego de dedos, de dedos que te desejam
a noite da lua e a noite das estrelas –

e que sonhes, sonhes muito e tanto, e tão intensamente
para que chovam madrugadas,  vestidas de verde
de forma tão intensa que sossegadamente
se abracem os dias –

os anjos, bem sabes, estão contigo
dorme bem,dorme muito, amanhã é domingo –

boa noite...




sábado, 28 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( X )




escrevo-te esta carta para que a guardes
como um pássaro da manhã que escolhe uma janela
como um pássaro que pousa num parapeito, num pedaço de mármore
e  nele eleva o canto, uma música de sons que cresce como um soneto.
vou-te contar, começa assim:

a vida é muito complicada, uma frase comum mas de importante significado
porque durante muito tempo temos que guardar as palavras, encolhê-las
para que caibam juntas e nunca se fragmentem, nunca se percam
nos labirintos da cidade –

é importante guardar todas as letras como um pedaço de pó iluminado
ou um pedaço de chuva, um traço de um tracejado muito delicado;
um molha-tolos, muitos dirão, o que é vulgar, toneladas de vulgar
de rotinas,  um não original, mas mesmo assim complicado, complicado
difícil de explicar  -

gosto das tuas calças de ganga, da forma como te aconchegam o corpo
a cor azul, azul clara , como uma transpiração das nuvens
para que não se descubra o céu de uma só vez
e  para que se abram portas, devagar -

como um primeiro verso,  e um outro verso, como um lego que se junta
pela atracção de letras e algo mais: um olhar, uma química
um espírito por explicar –

reconheço a minha adolescência, a minha febre, esta doença
reconheço, e sei da imprudência e sei dos muitos que erguem a voz
 e dizem aos quatro ventos: cala-te, cala-te, pára de falar
 pega numa tesoura de letras para a lobotomia central
 corta um anel de cabelo e faz uma magia de fogueiras
não ouças a voz de Iemanjá –

cala-te e cala essa trombeta de areias, as tempestades de estrelas
não olhes o girassol, fecha os olhos, não olhes o mar –

guarda todas as sensações, os dedos empolados, os remos dos lábios.
não faças mais versos, não inventes métricas e fala  de coisas concretas
como as curvas de Gauss, um sistema euclidiano, a curva de um meteorito
em trajectórias de deserto –

não há só uma direcção, a direcção obrigatória, do sinal vermelho,  das negritudes do Restelo
das temeridades, das auto-estradas iguais, dos cadeados ditos normais –

preocupa-me o teu sono,sim, o teu sono, o teu sossego, e agora, nada mais –

neste momento escrevo-te  como se fosses a única mulher na terra
uma privacidade boa, uma pérola hexagonal e multifacetada
a única que deve ser observada, com a calma e a carícia do olhar
um puro néctar  de orvalho, uma gota enrolada e frágil –

hoje carreguei um nardo, uma forma diferente de dizer aroma
quando menos esperava, surgiu alguém com pétalas brancas
ramos verdes e uma pinta vermelha, tratava-se apenas de um adereço
um adereço de alguém
um pequeno espaço de jasmim em mãos anónimas, de cheiro doce
uma cena súbita e imprecisa que exigiu a passagem da flor
e um  aroma subindo, aflorando as narinas  –

olhei para o lado e fixei os olhos castanhos numa parede branca
irracional  e parada no meio da  cidade –
 transformou-se em tela, uma tela  animada, visível e privada
de um único filme, de uma única cena, sistemática
em câmara lenta, de repente, no meio da cidade, na parede branca
para que possa de novo rever-te, lentamente
e com saudade –

os teus olhos de lua, os teus olhos de mar –

o aroma era forte como redes, uma prisão de algas, e todos os que me rodeavam
falavam de outras coisas, batiam palmas de algo que acontecia, e era normal
algo de que perdia a consciência e deixava desaparecer em  forma queda
como uma migalha  que não se pode evitar –

há um exercício que faço, que faço muito,  sobrevoar
 apanhar nos braços o teu corpo, apanhar no rosto os teus dedos
apanhar nos lábios os teus lábios, doces –
e o teu inclinar da cabeça
quando te aconchegas numa concha original, tecida  de sonhos
tecida de músicas, tecida de asas de borboletas que são coloridas e sabem voar –

asas, asas, se tivermos asas podemos voar –

desculpa esta carta que  escrevo, desculpa-me muito.  
o teu sono e é tarde e elevo a voz sem o sussurro habitual:
um sussurro de swing, um sussurro de jazz
desculpa-me o entusiasmo, o subir muito, sabes, eu tento
mas é cada vez mais forte este tambor de pele
esta  continuidade de bater, bater muito, um batimento contínuo.
há este estado de um novo elemento na tabela química
chamo-lhe insígnia, chamo-lhe espírito de primavera
chamo-lhe espelho de novos lugares no multiplicar da alma
uma perda de densidade, a magnitude da leveza
a impossibilidade de segurar 
de o fazer parar, de o conseguir pousar
e ele a bater muito e a querer  voar –

desculpa, eu sossego para que sossegues, apelo e chamo todas as brisas
as brisas da companhia, um afecto sobre a linha dos olhos
a linha de uma mão estendida e uma face direita e suave
e as brisas, as brisas  que se colocam na frente dos nossos sonhos
sem complexidades como uma maresia, a maresia que é sempre única
e existe –

esta carta que te escrevo é a décima, uma dezena
pensei toda a tarde neste número notável -

quero que sossegues, abranda um pouco, se estivesse ao teu lado
gostava que sem pressas te deitasses num sofá grande
com as calças de ganga, de azul claro e uma camisa branca
ligeiramente descaída num botão que se abre
para que te embale um pouco e te afague com uma manta escocesa
de quadrados, bem apertada nos ombros, para esconder o frio e as sombras.
sentar-me-ia no chão com a metade da felicidade e uma página em branco
para recomeçar o poema, para recomeçar o canto
nesta carta que te escrevo –

é talvez a mais longa, a décima, a da dezena
e desejo uma lenta queda de pálpebras, uma lenta queda de uma pena branca.
quero que adormeças, que adormeças e sossegues
para te tirar os sapatos e te deixar dormir de meias
meias de algodão a segurar os dedos
enquanto os versos preenchem folhas completas
espalhadas pelo chão, um tapete de poemas  –

hoje, um só beijo na veia mais carregada
não te mexas, mantém essa manta bem apertada
respiras como o meu gato quando se aninha
e esconde as garras em tufos macios
não te mexas
chamo os anjos, chamo os anjos …
para que aconteça o milagre
não te mexas -

 boa noite, boa noite...





sexta-feira, 27 de abril de 2012

Luz

Quando os sonhos encontram terra fértil
Nasce uma luz dourada e frágil
Quando a face da tristeza se desmonta
A alma ágil enrola o universo e o reconta

(nasce uma luz dourada e frágil)

Quando as estrelas se deitam nas pestanas
Enfeitam outra íris companhia
Sobem e descem as pálpebras, persianas
Focando ora a vida, ora a magia

(no sono nasce a luz dourada e frágil)

Quando o tempo se levanta dos relógios
Se ergue e dá ao espaço a sua mão
Todo o universo roda num poente
Como suave voo de um beijo
Deixando um som, prazer dormente
Em inquieta doce vibração
Encontram-se as pupilas face a face
No sono nasce a luz de novo enlace

(essa quieta luz dourada e frágil)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( IX )




escrevo-te esta carta para que a guardes
nas tuas mãos como um amuleto, uma sorte
como um espírito que voe por sobre o insossego
e que te conforte, e este forte é força.
vou-te contar, começa assim:

quando abro a torneira do lava-louças, aquele ruído
por vezes incomoda-me, quebra-me as ideias
como se o detergente actuasse sobre alguma gordura de forma inexplicável.
parece de uma mente hermética, mas explico-te
o que quero dizer é que não consigo ordenar as letras
como quando tropeço nas escadas ou abro um guarda-chuva
ou percorro com os pés as ruas paradas ou respiro os pólens
de olhos, absortos e fechados, nas mensagens das flores –

quando lavo a louça as mãos enchem-se de espuma
e aproveito para calar os ouvidos num rodopio de braços
um momento zen, um esvaziar de ideias
 uma massagem de cerâmicas na procura dos resíduos
e tento, absolutamente, não partir os copos, os copos de que gosto
meio cheios, meio vazios,  sem néctares,  antes de se tornarem limpos–

eu explico, não te aborreças e não me feches os ouvidos
porque o que te quero dizer começa quando aquela chuva na torneira parou
e os pratos eram um brilho, os brancos como um sorriso
e os outros quase secos, em terapia –

quando aquela chuva de torneira parou, dizia
sentei-me  na mesa, com a tinta permanente e  aquele bico de versos   -

tenho pena que não me vejas enquanto escrevo
a forma como coloco os meus redondos e os meus inclinados
no deslizar das letras, a caligrafia por espaços,  como uma paragem suave
enquanto se movem os lábios e sorrio, e paro e recomeço
como uma carícia que coloco na ponta dos dedos, como se a sentisse
como se chegasse perto de ti e em  ti permanecesse como um recado
que escutasses parada, sem dizer nada, e uma aprovação tácita
para que de novo voltasse
e para que não me perdesse, neste enleio em que te abraço –

escrevo, escrevo com esta pele nervosa e sensível
escrevo as chuvas e as mandrágoras, as ameixas antes de nascer
as amendoeiras da melhor flor, as amoras
 que me riscam de branco os polegares
naquela dificuldade de espinhos
e me enviam a cor dos vinhos
ou a cor da paixão nas marcas das mãos –

as amoras são boas aos pares, com quatro mãos
para serem apanhadas uma a uma e construírem uma montanha
para depois ser descida pelos dois lados das colinas, uma a uma
até que a planície das palmas surja como um sol
entre as linhas,  uma quiromancia adivinha
 de vida, de cabeça e  do coração –

e que a planície aconteça –

sabes, hoje senti-te intensamente como quem apanha uma revolução
e a enche de cravos, apertando-a entre os braços
para que respires com suavidade, sossegada com o nariz encostado e dentro
muito dentro a conduzir as aurículas, os ventrículos, aqueles rios
aqueles rios vermelhos que recebem um cálice de oxigénio
para que se sintam bem, para que te sintas bem –

um abraço amarrado daqueles de nós repetidos e de ombros encolhidos
para que permaneçam assim –

um abraço de fogo que nos deixa o rosto como um forno
onde se constrói um alimento, um crescimento, um fermento impossível de conter –

mas explico-te, exactamente,  como aconteceu
as tuas mãos abertas e os dedos seguravam as omoplatas
 os meus braços eram um círculo soldado como se abarcasse um oceano
e não pudesse deixar sair a água –

os meus braços em círculo sobre os teus medos, fazendo sombra
e o meu nariz como um selvagem no meio dos teus cabelos
a sossegar os planetas e os icebergues como um cais de barcos perdidos
a saciar a tua insegurança das febres quando desfaleces e perdes  os sentidos –

quando te escrevo as faces fazem ginástica e alegram a alma
sorrio tantas vezes –

a sério, não duvides, se aqui estivesses verias –

quando te escrevo há uma duplicidade boa  e tudo é uma brisa
os dias mesmo cobertos de chuva podem ser belos até com um guarda-chuva partido
como se fosse ao mesmo tempo um acrobata num salto sobre um espelho de água
ou um par de namorados, em Paris, na minha outra cidade
onde a língua rouca se embala ,no som de acordéons
de Piaf, Gilbert, Ferré e Aznavour, num Quartier Latin de amour
She
She, a canção, e shhh… para que me cale
ainda com os braços agarrados com força, para que te sintas segura
numa âncora, numa Atlântida, numa cidade surpreendente, debaixo do mar –

faz de conta que adormeces, que coloco um braço por trás dos teus joelhos
sem que acordes
que te levo no colo e te conduzo ao quarto, que  te liberto das roupas
uma a uma
que te coloco de lado, que te levanto um pouco os joelhos
que não deixo que estremeças e que te afago a roupa
que te beijo as duas pálpebras, três vezes
e em dois beijos de cada vez –

sem que acordes, nem de ti nem dos sonhos –

escrevo-te esta carta, a nona,  na surdez da noite
sem saber  a quantos quilómetros de distância
mas não é importante se tiver acontecido assim
e durmas profundamente, com os anjos de Paris
entre as telas dos pintores, entre os búzios das ondas
como estas cartas, que partem cheias de palavras, palavras de amor
e que voltam para que possam partir de novo, como as ondas e o areal-

dorme em sossego no teu ritmo perfeito, coloca as duas palmas simétricas
invertidas junto dos dois joelhos ou erguidas no rubor das faces
e dorme, dorme a noite toda –

beijo-te,
beijo-te muito,
boa noite –


josé ferreira



quarta-feira, 25 de abril de 2012

Liberdade

Quando a liberdade se transforma em voz Surge um poema ou um segredo Quando a liberdade se transmuta em gesto Apaga o medo Quando a liberdade sopra um pensamento Nasce uma canção ou momento. Trago versos de embalar a passear Para serem livres como a chuva Trago livros gastos de encantar Para contarem histórias às janelas. Quando a liberdade faz magia Tira da cartola tantos sonhos Cria ilusões e mil sorrisos Que alimentam vidas tão concretas Trago a liberdade nos meus braços Entrego-ta inteira e recomeças.

Liberdade


LiberdadeO poema é 
A liberdade 

Um poema não se programa 
Porém a disciplina 
— Sílaba por sílaba — 
O acompanha 

Sílaba por sílaba 
O poema emerge 
— Como se os deuses o dessem 
O fazemos 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas" 
lido aqui

terça-feira, 24 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( VIII )




escrevo-te esta carta para que a guardes
dentro de um cofre de paredes invisíveis
para que mais ninguém a saiba viva e sempre perto de ti
para que seja como uma alma feminina, sensível
para que a possas tocar sem receio e lembrar.
vou-te contar, começa assim:

hoje li palavras de uma peça antiga, de romantismo em desuso
porque manda o mundo que sejamos duros como peças de computador
e micros nos sentimentos,  para olharmos o amor como volátil e solúvel
como um ar de montanha, um nevoeiro ou um tropel imediato
que devemos aceitar como passageiro, um intervalo de nuvens
e depois aceitar de forma fácil como um papel amarrotado
na pressa telúrica e animal –

porque não há intensidades  e forças que nos cresçam nos pés
e que durem para sempre?
porque não há olhos siderados e braços sempre encostados
porque não se acredita nas possibilidades da fogueira
de um interminável fogo, nos  olhos transparentes como água
e que durem para sempre?
porque não se acredita no amor e na proximidade das cartas?
porque não há sempre as noites sossegadas num círculo único
como as libélulas que desenham corações inteiros –

não que seja o nosso caso, o nosso pensar. falámos da magnólia
da íris, dos aromas inconfessáveis de jasmins e jacintos d’água
e são coisas de cristal, coisas de coisas que não se podem partir
coisas  que não se esquecem mais –

queria adormecer por cima do teu ombro
com os braços à roda do teu corpo, da coluna das costas
como se fôssemos uma única tábua
à deriva e sem medo, na imensidão do mar –

haveriam de chegar manhãs com a curiosidade das gaivotas
e noites forradas de estrelas
a lua seria uma página escrita,  uma lista amovível e interminável
das palavras que diríamos, iluminadas, insaciáveis –

sempre que me transformo em tinta fluida
corro como um rio de letras sobre a folha branca, passam as horas,  todas as horas
e poderia crescer-me a barba antes de que me canse e encolha os dedos
e pouse a caneta como um barco vazio e esgotado, adornado e preso
na âncora pesada, perto da praia, perto do cais, no ninho das tuas asas –

quando te escrevo é como se suspendesse o tempo e nada mais á volta
é construir-te em todas as tuas formas;  a curva do pescoço,
o sorriso no movimento dos olhos,
as mão sobre o meu rosto num triângulo perigoso
que me leve os lábios, que me leve os lábios
 infiltrados no teu gosto –

quando te escrevo construo-te perfeitamente e sofro
e caiem-me lágrimas vermelhas, um crepúsculo medonho
na noite que se estende
antes do sono, antes do sonho  –

são altas horas e ouço  músicas de jazz, um vício de swing
uma dança de corpos –
passam filmes em grandes rodas, películas Kodak e Eastman, câmaras claras –

 desculpa-me.  inflama-se a  noite. abraço-te na sombra
e embalo-te nos ombros como se houvesse ondas
e sinto o teu cheiro, a pele transpira um pouco, e depois cala-se.
a tua respiração avança como uma neblina.
sinto o teu sossego, sinto que estás tranquila.
as ondas tornam-se miúdas e transformam-se num espelho parado
uma estrada branca. a tua boca está fechada e a minha caminha
numa voz interminável,  como o ar que respiras –

escrevo-te esta carta sem data e sem número
para que não termine, para que sossegue todos os teus segundos
para que seja uma cítara de um romantismo antigo
para que te diga que não és de ninguém e és única e que te admiro
para que te diga que podes ser lava de vulcão ou um tecido de linho
que podes ser humana, fada, sereia ou ninfa
em todos os meus poemas, porque existes e te aceito de todas as formas
na forma como me transformas numa marionete de belos sentidos
e porque o teu rosto é bonito e sou escravo
escravo dos teus olhos, escravo do teu sorriso –

sei que respiras, uma e duas, uma e duas e três vezes
com os pulmões a crescerem e a pousarem em lugares de desejo
e transpiro um pouco, agora mesmo que estás longe, adormecida –

desejo-te uma música  de jazz, uma big band e uma voz de Diana.
um Stan Getz numa música de samba, swing and low
e que sempre que o ruído aconteça coloques as duas mãos em concha
por debaixo das faces na pele do rosto
para que se liberte uma pérola de sono, a que te envio
nesta carta de palavras mansas e nesta carta de palavras de fogo
nesta carta que te escrevo
para que de novo sossegues, para que de novo adormeças -

recebe a infinidade da minha carícia, de mão inteira, de dedos grandes
adormeço com os olhos nas estrelas -

beijo-te muito -

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Não sei como dizer-te


                                          Henri Matisse

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.
Não sei o que dizer, especialmente quando os teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e tu estremeces como um pensamento chegado. Quando
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima,
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes caem no meio do tempo,
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

Herberto Helder

domingo, 22 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( VII )

escrevo-te esta carta para que a guardes
palavras de poema e setas de versos, acesos
sensíveis e de olhos abertos pelas costas da manhã
vou-te contar, começa assim:

se me olhasses neste preciso momento seria uma folha singular
de linhas ainda desertas e palavras por encontrar –
se me olhasses neste preciso momento seria uma caneta na mão
uma mão à espera das letras que se acumulam nos braços
e que antes de escrever, pousa um pouco, para pensar devagar
para escolher o deslize certo da tinta que te possa tocar no ombro
na face, à volta do rosto, nos cantos dos lábios -

 e um grande desejo
que te possa adormecer numa concha de mar e num açúcar de sonhos
com um pequeno fragmento de raiz de gengibre
 que queime um pouco e se transforme, num remédio bom –

 escrevo-te esta carta para que a guardes
quando as palavras se abrem de uma forma cada vez mais clara
querendo habitar , sempre, nesse lado esquerdo, sempre, nesse lado esquerdo
sempre de dias amarelos, de pólen sobre as asas
junto de jardins, junto de flores, junto de outros lugares –

 sabes que às vezes deixo de ver a mão, a caneta , a linha vazia e branca
e vejo círculos
círculos, uma girândola ininterrupta, girando com muita força
na circunferência dos olhos, e doem-me muito as luzes
luzes de sonhos, luzes iluminadas nos nossos nomes
na ausência imerecida de não caminharmos juntos –


círculos, círculos, e vivemos dentro dos sonhos reflectidos
na surpresa
como se corrêssemos á volta de um tronco, e de repente um parasse
e invertesse o sentido para nos tomar nos braços –

a surpresa
e surpreende, surpreende e sabe bem, imensamente, esse momento
ainda de batimento acelerado mas de sossego -

o sossego, a paragem, o ter o corpo encostado
o momento aconselhado para ouvir os pássaros e esquecer
esquecer a desordem dos espaços, das praças
a sólida frontaria de edifícios de cartão, roídos e em ruínas
no superficial de não serem essenciais, nem de importância acrescida
para esse abraço sossegado
por debaixo das árvores –

 sossego, um sossego de búzio e de mar –

muitos falam das cidades derretidas nas palavras fortes
em rios de carmim a descer montanhas e a invadir os pneus dos carros
de um apocalipse mortal e bonecos de metal que pensam com parafusos
em circuitos nano e em óleos fundamentais, um quadro sem o belo
de universos ainda mais desregulados
na ordem do cronómetro que tão certo marca o tempo e escreve
escreve acertadamente
horas de escrever e horas de acordar –

não são esses os dias de que te falo nesta carta
nem nunca me ouvirás delirar pelos buracos negros, pelos dias apagados
 não são esses os desertos que procuro encontrar
o meu desejo é a onda, sim , a onda e as ondas do mar
uma febre de paisagens quando o crepúsculo arde
as nuvens na frente dos olhos com os céus parados
e escutá-las
na semelhança de por vezes serem brancas e por vezes verterem águas
mas sem nunca esquecer o belo
o ombro, um cuidado, um carinho de almofada
e a onda, e as ondas do mar –

 elevo por vezes as palavras nesta espuma branca que abarca o areal
e não quero falar alto, não te quero acordar
nem quero que alteres o sono
um sono smooth de jazz, de jazz, um embalo, sim, um embalo
uma canção de embalar
para que também os meus olhos se fechem
devagar
na lentidão de versos soltos, devagar
na percepção de os dizermos juntos
para adormecer, para acordar
devagar
para adormecer, para acordar
devagar –

 estou quente, muito quente, cheio de febre de lugares, com os olhos trémulos de pressa
 uma pressa de adormecer
vejo na girândola uma gôndola
 uma gôndola parada numa estrada de cais, aguarda
vejo claramente Veneza
parámos dentro de um bar...

 escrevo-te esta carta, a nº 7, para que a guardes
para que atravesse o tempo
como um grande silêncio num fim dum poema
quando as palavras nos enchem tanto que não temos mais espaço
e calamos, e calamos tanto
e devíamos falar, mas sonhamos –

sinto uma maré vaza dentro dos meus olhos
e uma fuga para dentro, sinto-me adormecer
afasto os últimos arbustos para te ver chegar –

adormece,sempre, adormece em sossego
envio-te os meus braços vestidos de vento morno
um sopro de versos doces
e milhares de anjos que protejam o teu sono –

e beijo-te
beijo-te muito, boa noite –

sexta-feira, 20 de abril de 2012

o poema de Villa-Lobos e o meu poema sobre a mesma melodia



Bachianas Brasileiras No. 5
Heitor Villa Lobos

(Letra de poema cantado na ária que poucos conhecem e se torna quase imperceptível pelo som agudo da melodia. No vídeo surgem as palavras no andamento da voz bem como a cópia original da partitura, a data de apresentação, 1939, e a dedicatória a sua mulher de nome Arminda (Mindinha))

Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a Natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda a Sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!

Ruth Valadares Correa

Bachianas Melodias


José Ferreira

as bachianas melodias penetram o tecto vazio
as amplas raízes, de voz feminina -

as bachianas, de Villa-Lobos, nº 5

desfibrando terminologias
lianas finas, sentidos forasteiros
palpitando o socorro das clareiras
na vasta selva savânica
onde o dia escoa ao som de ruídos
que são mudos na noite das bachianas -

prudente juntar lenhas, pedaços de chama
na luz intermitente que afaste as feras
a fogueira num batimento pré-histórico
de lascas e chuvas de faíscas;
brasas,
uma luz emergente altiva de pirilampos
na luz escura de uma orquestra anómala de grilos;
esses músicos vadios em traje de gala
desconexos e perdidos num mar de arbustos
escondidos e apagados, gris-gris em silêncio,
sem existência
no som mágico de sopranos, os sustenidos, a voz feminina -

as bachianas, de Villa-Lobos, nº 5

sons de dança curvilínea
hipnose oscilante de sorrisos
vestido sem manchas de hienas
quietas, atentas
na clareza aguda das melodias -

as bachianas, de Villa-Lobos, nº 5

demovendo os olhos cansados, cercados de linhas roxas
nos braços nus de uma tempestade interna, soberana e límpida -

as bachianas melodias

o sossego encantado, um regaço de abandono
o busto da harpa dourada
crescendo nas cordas de celos
e de violinos, a voz feminina -

as bachianas, a nº 5, a que te dedico

suspenso nas asas da música
um sonho de iridium e platina, a química
e um voo oblíquo de pássaros
insustentáveis e dirigidos
na mistura azul, o desbravar de infinitos
o reconstruir de tecidos
como lençóis de linho, magoados de tantos anos
de linhas e linhas;
fios débeis, fios gastos, fios finos, fios belos

a voz feminina -

josé ferreira
(um poema revisto, inicialmente escrito em 2009)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

a carta que te escrevo ( VI )



Escrevo-te esta carta para que a guardes
sem pressa, para que a mantenhas na mão e que a recomeces
como um umbrella, uma pequena protecção
um afecto, neste dia em que a chuva foi farta e o céu não acontece.
vou-te contar, começa assim:

a noite correu como um carro avariado no meio de uma auto-estrada
ninguém parou. As forças caíram-me dos braços e não surgiram os versos.
quando acordei tinham partido todos os autocarros, andei e andei.
três horas de sono e havia uma música de tambor em cima da cabeça
uma festa popular, uma batuta engasgada, uma nota só, pom, pom, pom –

mas bem sabes da minha natureza, a impossibilidade de uma zanga
um sorriso na adversidade, ensinado pelo tempo e pela existência de um sol.
refugiei-me numa tarde de quatro passos, desencontrados e em gargalhadas
brincando com as folhas bem dispostas, dando voltas num lampião –

lembras-te daquele senhor de boina verde, improvável como um meteorito de Londres
falava sozinho com os seus botões e tomava notas apressadas numa sebenta
com todas as letras em diagonal; uma distância rítmica de 30 cm e um certo balanço
o levantar da cabeça como se os prédios ou as nuvens ou o céu , fossem livros abertos
e as paredes páginas impressas de iluminações –

a distracção foi o tal attimo que te prendeu dentro dos meus braços
e foi assim porque queríamos, porque o senhor da boina verde, se existiu
foi para que existisse do mesmo modo a dança das tuas mãos
as ruas menos pálidas e aquele fogo parado a consumir-nos olhos
a juntar, uma, duas, três, três vezes os lábios –

mas escrevo-te, e ao escrever é como se pousasse de novo um gato nos meus ombros
subisse escadas como um papagaio e no fim esperasse pelo colo ou o sol, um raio de sol –

os teus cabelos, lembrei-me agora, como os tens hoje?
e a roupa, uma gabardine, um carapuço privilegiado na sombra do teu rosto?
e os sapatos, baixos, naquela forma delicada que descobre o pé ou antes uma meia-bota
acima do tornozelo, larga, ou mesmo uma sapatilha das que afastam a água
e confortam o pé, preparando uma corrida, um esconderijo de uma porta
quando a chuva aperta e em mil gotas se desfaz por todas as ruas desertas –

os parágrafos longos de letras e as ideias a escorrerem como uma torneira aberta
quando penso no teu colo a adormecer-me estes nervos aqui dentro
que me consomem, e com as mãos tapando-me as orelhas e os medos
na ternura de tornar quietos estes cabelos estremunhados pelas marcas da almofada –

és uma fada, bem sabes, uma fada única de milagres, nesta era do vazio, da desordem
da falta de oásis –
és uma fada, não cesses nunca a sedução, aquele lugar escrito no alto do inverno
sobrevivente, deslizante e forte como um vulcão, no alto do inverno
do descontentamento, da chuva que permanece mas não vence, não –

desculpa-me, fada, fada grande, fada boa e fada certa para ser mágica.
canso-te de novo, egoísta como um ovo, quando o que queria era ser-te onda
uma wave de som afagando o teu cabelo; colocar e tirar e colocar de novo
uma dália, uma dália branca, e pôr e retirar e guardar, e num jogo
de novo voar sobre o teu olhar para colocar de novo, a dália
a dália branca, para tirar e pôr de novo –

não estou ao teu lado e escrevo-te, mas vejo-te sorrir
e quando a roda dos teus olhos ganham uma ruga feliz, fico de cristal
tão sensível como um néctar de muitos anos, único,
feliz para as tempestades para os raios e para todos os males.
vejo-te sorrir –

descansa pois com os teus anjos fundamentais e sonha muito
sonha com uma seda de hermés ou um camisa longa de algodão
ou com a troca de uma t-shirt minha que te cubra e descubra
um pouco abaixo do umbigo num jogo de sedução
um storytelling, uma narrativa sussurrada ,sem sonos, de mãos nas mãos –

e não paro, desculpa, shhhh…, shhh…, para mim, para que descanses
e para que os teus olhos em Rem se movimentem com dream-on
a sonhar com um campo e flores e amoras e árvores de bolotas
com carapuças castanhas, ou mesmo romãs, que são vermelhas –

sonha muito, movimenta os olhos dentro das pálpebras como se fosse uma massagem
vou fazer o mesmo e quem sabe encontramo-nos no lado esquerdo, a mesma margem
ao mesmo tempo, no suspiro certo –

dorme, descansa, beijo-te muito –

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Se ... - um poema de Ana Luísa Amaral




IV

Se tudo fosse só êxtase súbito,
o papel intocável e intacto,
como o meu espaço e tu entrando devagar,
as portas que te abri
abrindo para a luz

Se tudo fosse só papel de prendas,
laços e colorido,
a festa do meu espaço
- e de ti no meu espaço -
as coisas consonantes

Ana Luísa Amaral "Entre dois rios e outras noites", Campo de Letras, 2007

terça-feira, 17 de abril de 2012

Poesia

Com palavras no olhar
O poema lava o rosto
Contempla-se ao espelho
Vê rimas imperfeitas
Rugas pequenas de vida
Os olhos brilham de versos
Face ao reflexo de si
O poema interroga-se, procura
Dança no seu ritmo
Suspira nos silêncios
O poema está cansado
Todo ele é sono e sonho
Fala alto, decide cantar
O poema ri
Ri-se da sua dor
Olha a sua forma em mutação
Abraça o tempo que pára
E ecoa nos livros do tempo
Como uma eterna canção.

a carta que te escrevo (V)




escrevo-te esta carta para que a guardes
agora mesmo, que a respires no momento
como a essência de um aroma, um aroma azul
de lábios lentos percorrendo a testa.
vou contar-te, começa assim:

reparaste no vento invasor pelas primeiras horas do dia?
saí descalço, com o impulso de uma alma célere.
encontrei olhos desconhecidos e ruídos de carros,
solavancos nos passeios da avenida como se fossem margens
e rios secos invadidos de barcos estranhos
na chiadeira das borrachas –

o sol brilhava e desta forma abundavam os óculos escuros.
saí descalço, com a alma à mostra na melancolia do rosto
e o vento invasor a percorrer-me os bolsos
a descobrir as palavras amarrotadas, os poemas por dizer –

um dia gostaste de um que falava do algodão doce de uma feira de aldeia
uma outra vez de uma mota parada na porta de uma porta que se abre
uma noite gostaste de um sonho de ser peixe num meio de um aquário
uma outra de um rio silencioso, nocturno, de ouvidos de água,
para que todos os peixes saibam –

um dia falámos de livros por ler e escrever num cimo de um monte
olhando clareiras e gatos de cauda oscilante no ronronar de ralos de searas
um dia falámos de olhos na frente dos olhos sem nos tocarmos,
uma outra encostámos os rostos como se fôssemos duas luas que se encontravam,
com os lábios órfãos acendendo a noite, uma noite nos jardins do Palácio
subindo às árvores, imitando os pássaros –

um dia sonhámos nos olhares cruzados e os pés recuavam
naquela forma impossível de se encontrarem;

intermezzo, intervalo, um picollo espaço, um attimo
é assim que nos vejo no meio das palavras
suspensos no medo das verdades. linhas, linhas, somos linhas
linhas muito finas escorregando sobre o peso de chumbos
escorregando do alto dos rochedos para se esconderem no fundo mar –

poderão as algas unir-nos? reencontrar-nos? levar-nos ainda vestidos
para um deserto de uma praia, num universo de braços
para que as roupas se percam, náufragas, sem a preocupação do útil
e do sem sentido, em alguns minutos de eternidade?
ou então para sempre, depois dos primeiros passos
porque duvido dos sonetos da separação, há músicas que nos abrem
teclas de pianos que batem nas cordas
incessantes, como as cartas e os versos que te escrevo –

desculpa, sei que te cansas, que te aborreces destas lavas rápidas
demasiado líquidas, que vês improváveis, sem marcas sólidas, sem pés de estrada –

a noite seria de olhos sempre abertos se te soubesse triste -

se te cansas
deixa cair as pálpebras com estas palavras vulgares de alguém que te ama
– e é uma palavra tão pesada,
uma brasa e uma chama, a palavra que se junta numa outra palavra,
de tudo ou nada, esta de quem ama –


se te cansas
diz-me, sem qualquer receio, como um sussurro de ar que passa por um limoeiro: calaaa-te…
deixaaa-me dooormir … com o meu anjo da guaaarda….

escrevo-te esta carta para que a guardes
mas se o desejas, rasga-a em mil pedaços, em bocados de farinha, um pó que colapse
serei um silêncio parado sobre a tua alma,
inconhecível como uma lira suave, uma canção de embalar
um rosto de mãe se assim quiseres
para que adormeças sob o brilho de diademas
no maior dos sossegos
e em paz –

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Metade do Mundo - um poema de Leonard Cohen




Todas as noites ela vinha ter comigo
Eu cozinhava para ela, servia-lhe chá
Ela tinha trinta e tal naquela altura
conseguira fazer algum dinheiro, vivera com homens
Deitávamo-nos para dar e receber
debaixo do mosquiteiro branco
E uma vez que nenhuma contagem começara
vivíamos mil anos num só
As velas ardiam, a lua descia
a colina polida, a cidade leitosa
transparente, sem peso, luminosa,
destapando-nos aos dois
naquele chão fundamental,
onde o amor é fortuito, desatado, desencarcerado
e do mundo perfeito se acha metade.

Leonard Cohen "O Livro do Desejo"

domingo, 15 de abril de 2012

o barco de vela vermelha




procurei um poema que pousasse certo na hora longa
na noite aberta que roda lenta como um relógio de pêndulo
num tica-tac de batimento por dentro do corpo –

não surgiu um espelho de letras e as costas cansadas ligaram-se nos dedos
uma frase, uma frase de um filme : “tenho para ti uma surpresa
sempre quiseste um barco de vela vermelha” –

era um barco pequeno de princípio de séc. como as fotografias de Doisneau
mas a cor naquelas velas altas
corria as águas e dirigia-se para o mar.

no interior do barco, dois vultos num espaço desenhado, exacto
deitados frente a frente e de lado. Os olhos supunham-se ligados
na hipnose e no silêncio, sem pressa, não diziam nada
davam braços, ela de vestido de rendas ele de camisa branca.
a câmara de plano picado seguia a cena
a cena de um barco de vela vermelha que vogava–

tenho as ideias pesadas e há palavras que guardo, uma ideia
uma ideia minha, de uma medida sem contraditório
por vezes um vislumbre, uma brisa e sinais
sinais no interior das estrelas e nas madrugadas quando se afastam
como um novelo nas almofadas das patas dos gatos, que se desenrola –

há palavras pesadas que caem por dentro
tão por dentro que por vezes julgo que caem num poço fundo, tão fundo de uma terra
e que tem iluminações de magma, a incandescência
um rebuliço de brasas –

apercebeste a hora do lince, dos sonhos e das quimeras
o debater da cegonha que tem um bico grande
o peso do elefante, a suavidade das passadas felinas –

cada um entende à luz do seu segredo as mãos nos cabelos
no rosto, no corpo, no meio de uma praça
na cinta e no ombro no meio de uma dança
um segredo que não tem chave e vive num cofre
um cofre que ninguém abre
como a explicação de ser aquele o dia da gravidade na maçã de Eva
ou o poder da impulsão em Arquimedes –

as madeiras de verniz brilhante sulcam as águas
os corpos permanecem deitados
em frente e de lado
a brisa e o vento embalam –

ouve-se a frase
“tenho para ti uma surpresa
sempre quiseste ter um barco de vela vermelha”
o barco segue com suavidade
a brisa e o vento embalam –

estou cansado como um girassol, branco como uma magnólia
os ombros são um guindaste no limite da noite
não adormeço mas doem-me os olhos –

a bicicleta deve ter um cadeado
deve estar presa a uma coluna na garagem
e chove, chove um pouco, dez graus de temperatura
não quero música
penso no barco –

sábado, 14 de abril de 2012

le velo du Printemps


Robert Doisneau "le velo du Printemps", 1948

a fotografia de um par, de tonalidades e não de cor
completa-se no olhar
escreve-se de símbolos na presença da velo
e lembra a mais antiga e mais conhecida de Doisneau –

seria muito opressivo se fosse directo e sem delicadeza, falar-te dela
a objectiva sobre o beijo no fim da guerra
falo antes da bicicleta e de um lugar muito diferente
nem sequer Paris, nem sequer o jardim das Tulherias
nem sequer Versalhes e uma Fête de Nuit com trajes de época –

o lugar pouco interessa; as pedras, as casas sem graça
um muro de argamassa, o presumível zinco de uma chapa –

apenas o sorriso marca, a mão apoiada na terra
o modelo de linhas e quadrados
o paralelismo de duas almas –

nos termos de um especialista, a fotografia
une características de gelatina e prata
uma probabilidade de morangos e de brilhos brancos
de espelhos e de mil palavras –

surpreende acreditarmos tanto na consequência e na continuidade
a transição de um primeiro passo –

naquele sorriso que marca
a falta de gesto e o encontro dos braços
é uma onda atrasada
na mão fechada
na vasta possibilidade –

a velo um símbolo
sabe tudo mas não diz nada –

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Quando o infinito não tem tempo

Onde o tempo se esconde nascem ondas
Que tecem segredos e memórias lentas
Não há pessoas na dobra dos poemas
Apenas luzes escondidas à espreita
Como amantes nos dilemas doces do amor.

Um outro espaço de saudade
(há nas horas a pressa da vida)

Nos poemas o tempo baloiça
Colhe flores e escreve cartas
(há um outro tempo na beleza)
o tempo da luz original
a aura acesa na escura folha branca
(há falta de tempo e de espaço na vida)
(nos poemas não).

Há luz transparente
Feita de sonhos e risos de crianças
Brilhante na escuridão do olhar
À espera do desdobrar dos versos em danças
Num leve berço de embalar.

a carta que te escrevo (IV)




escrevo-te esta carta para que a guardes
dobrada no meio de um livro
a servir de marca, página quatro.
vou-te contar, começa assim:

sento-me sempre perto de ti
mesmo que imagine a decisão dos cabelos
a forma como se enfeitam ;
se se colocam de um e de outro lado dos ombros, em trança
ou se se misturam na desordem dos dedos
na moldura do rosto
no sorriso de um beijo –

os teus cabelos são uma presença
como se corrêssemos pelas veredas e encontrássemos amoras
como se as colhêssemos maduras e as trocássemos uma a uma nos lábios
como se não tivéssemos braços, apenas asas, como os pássaros –

os pássaros e o canto com os pés segurando os ramos
a impaciência e o voo
e seríamos do mesmo tamanho, por dentro
na presença de um ninho –

uma presença, enquanto insisto no desenho das letras
na tinta permanente, na chuva miudinha
na bicicleta, pedalando contra o vento
descendo uma estrada larga, uma Boavista
de bicicleta em vez de um eléctrico amarelo
onde se estica um cordel
e se faz soar a campainha –

como se pode parar o som, a voz de um búzio que não tem garganta
e que apenas sabe que o mar invade e existe num tamanho grande
que nunca acaba e sempre canta, a canção das ondas e da semelhança ?
como se pode parar o mundo? pensaste como seria?
Noite noite, dia dia –

não seria importante se náufragos numa ilha
se construíssemos uma casa numa árvore
se conseguíssemos partir os côcos e enrolássemos folhas
para servir de palhinha
não seria importante, não, não seria importante
se tivéssemos um iate de troncos para visitar a ilha
se tivéssemos uma viola ou um ukelelê para vibrar as cordas
em músicas construídas por noites noites ou dias dias –

e os livros seriam as pedras definitivas ou um chão de terra
em traços provisórios de poemas ou cartas sentidas
e inventaríamos um jogo
30 hectares de mensagens para serem vistas pelos aviões:
estamos assim bem, os dois –

um dia sonhei com um banho de espuma no cimo de uma colina
uma vista sem cimentos, tábuas ou gente
sem os linhos da camisa sem o aperto de botões
a espalhar um sabão de tangerina e a soprar balões –

um dia sonhei com um panamá e um chapéu largo de fita
um dia sonhei com a aquele banco corrido de pinho
um dia sonhei com uma parede de azulejos azuis
um prato típico de cerâmica com um pão estaladiço de trigo
e aquele barro estreito onde se assa uma alheira ou um chouriço
e se acompanha com um copo de vinho –
um dia sonhei que saías e que voltavas sempre como agora
quando sempre me sento contigo –

estrelas e estrelas
não decido quais as constelações que melhor cintilam
quais a que melhor são capazes de te sossegar os ouvidos
massajar as maçãs rosadas do teu sono
amaciar os teus medos, acertar o teu ritmo -

talvez um aroma
um aroma de uma flor nocturna
o aroma de uma flor pequena
o aroma de um sonho por um campo de relva fresca
por uma seara ainda verde, ou de nardos no Alentejo
ou prímulas como há muito tempo, crescendo, tornando-se diferentes –

dorme, dorme com os anjos afastando os pedaços de vento que por vezes ardem
dorme com os olhos fechados e os seios envolvidos no meu peito
dorme de lado ou de frente no silêncio puro de um lago
dorme no silêncio mais perfeito –

sabes ,quando me deito, por vezes com os olhos cansados
e as mãos ainda sujas de alguma tinta, deito-me
da mesma forma como me sento, sempre –

e escrevo-te –

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tempo em suspensão

É cedo para renascer
Há vontades e desejos contrafeitos
Sonhos apertados nas paredes
Beijos pendurados no ar.

É cedo para voar
O tempo parado aguarda a manhã
O colo da mãe redesenha-se
Os braços são berços de embalo.

É cedo para partir
Há calor nos espaços vazios
O ar é visível e as pontes móveis
As casas movem-se incertas com o vento.

É cedo para amar
Uma liberdade desconhecida
A que se conquista
Na doce dança dos olhares.

É cedo para falar
As palavras não dizem, escondem apenas
Nos muros guardam-se os medos cimentados
Segredos a desflorar na mente
É cedo para os contar
Agora que é tarde para apagar a lenta sombra da desilusão.

a carta que te escrevo ( III )


Matisse

escrevo-te esta carta para que a guardes
é a terceira e espero que nunca pare.
vou-te contar começa assim:

é curioso, hoje fechei o guarda-chuva para receber as águas
no rosto
gotas que caíam sem ser de orvalho, mornas, como se presas pelo sol
do outro lado das nuvens –

possuído pelo íman de uma estranha abstracção
escutava os ruídos contínuos nas calçadas
e pensava na forma exacta de vencer a tempestade:

"bem sei que as nuvens estão cinzentas e não faz sentido recebê-las soltas
as gotas, marcando um casaco largo carregado de letras
pedaços de versos, incompletos, fragmentos de futuros poemas –

não são doces estas gotas que o céu expulsa
e sinto o sabor de sal, e sinto como caem grossas
incompreendidas como se fossem falsas –

com a água e os papeis molhados, os bolsos estão pesados
e esse peso faz pesar a alma;
por um momento estes cimentos da cidade parecem lama e os pés afundam-se
como se tivessem toneladas de chumbo, parados – "

imagina o ridículo: um guarda-chuva grande de mulher, não tinha outro:
uma franja bege, um corpo bordeaux , como uma bengala de Charlot;
a inclinação do dorso, o cabelo líquido
e a chuva caindo, vinda de cima, de uma fúria imprevista –

imagina o ridículo, as pessoas que passavam diziam, deve ser promessa
ou então será louco e não parece, tem os olhos fechados –

sabes, tinha esquecido o facto de usar aquela tinta antiga, um azul destoado
uma tinta que engrossava e difusa escondia as palavras, as datas, os primeiros dias –

na sombra de uma varanda, do lado de fora de uma janela
abri com cuidado os quatro cantos dos quadrados, de guardanapos
folhas de linhas e folhas brancas, cuidadosamente
esperei que secassem –

os fragmentos vivos das letras pulsavam vermelhas
em batimentos cardíacos, um ritmo contínuo nas artérias
um sorriso nas orelhas, como se debaixo da mesma varanda
estivesse um lençol nocturno, uma fuga de um palácio
e nos teus olhos de princesa morasse o mundo –

escrevo-te esta carta com toda a força dos braços
com os cantos dos lábios crescidos e salientes
com o rosto iluminado
e desejo que todas as estrelas estejam a teu lado
cintilantes, para que adormeças e feches as pálpebras
na febre de um sonho sem pecados e um sono verde
de trevos de quatro lados –