domingo, 15 de abril de 2012
o barco de vela vermelha
procurei um poema que pousasse certo na hora longa
na noite aberta que roda lenta como um relógio de pêndulo
num tica-tac de batimento por dentro do corpo –
não surgiu um espelho de letras e as costas cansadas ligaram-se nos dedos
uma frase, uma frase de um filme : “tenho para ti uma surpresa
sempre quiseste um barco de vela vermelha” –
era um barco pequeno de princípio de séc. como as fotografias de Doisneau
mas a cor naquelas velas altas
corria as águas e dirigia-se para o mar.
no interior do barco, dois vultos num espaço desenhado, exacto
deitados frente a frente e de lado. Os olhos supunham-se ligados
na hipnose e no silêncio, sem pressa, não diziam nada
davam braços, ela de vestido de rendas ele de camisa branca.
a câmara de plano picado seguia a cena
a cena de um barco de vela vermelha que vogava–
tenho as ideias pesadas e há palavras que guardo, uma ideia
uma ideia minha, de uma medida sem contraditório
por vezes um vislumbre, uma brisa e sinais
sinais no interior das estrelas e nas madrugadas quando se afastam
como um novelo nas almofadas das patas dos gatos, que se desenrola –
há palavras pesadas que caem por dentro
tão por dentro que por vezes julgo que caem num poço fundo, tão fundo de uma terra
e que tem iluminações de magma, a incandescência
um rebuliço de brasas –
apercebeste a hora do lince, dos sonhos e das quimeras
o debater da cegonha que tem um bico grande
o peso do elefante, a suavidade das passadas felinas –
cada um entende à luz do seu segredo as mãos nos cabelos
no rosto, no corpo, no meio de uma praça
na cinta e no ombro no meio de uma dança
um segredo que não tem chave e vive num cofre
um cofre que ninguém abre
como a explicação de ser aquele o dia da gravidade na maçã de Eva
ou o poder da impulsão em Arquimedes –
as madeiras de verniz brilhante sulcam as águas
os corpos permanecem deitados
em frente e de lado
a brisa e o vento embalam –
ouve-se a frase
“tenho para ti uma surpresa
sempre quiseste ter um barco de vela vermelha”
o barco segue com suavidade
a brisa e o vento embalam –
estou cansado como um girassol, branco como uma magnólia
os ombros são um guindaste no limite da noite
não adormeço mas doem-me os olhos –
a bicicleta deve ter um cadeado
deve estar presa a uma coluna na garagem
e chove, chove um pouco, dez graus de temperatura
não quero música
penso no barco –
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