quinta-feira, 22 de outubro de 2009

manet e a carta de olympia

enquanto recebo o calor da celeuma
lembro letra a letra a carta de Olympia
a surpresa de a ver assim (in)vestida
de nudez, nas cores do seu poema
o adeus:

"manet meu ingénuo e querido amigo

beijo a tua mão direita

comovi-me

naquele divã de donzela
o lugar das minhas linhas.
sentida perfeita no meu corpo
no meu olhar felino que domina.

maria vestida de flores
escondida no seu olhar de noite
guarda os segredos daqueles que autorizo
os meus melhores momentos
a voz aguda dos amantes
e são tantos.
não os quero loucos nem distantes
de fogueiras impertinentes
ou amores frios
trato-os como filhos nos meus seios
a quem sugo os receios, os seus medos
na falta dos berços.

comovi-me

na largura dos traços
nas camadas de tinta
por sobre a tela virgem
de muitas horas e anseios.

beijo a tua mão direita

a do laço de cetim
trémula de pudor
quando inclinavas o rosto
e pousavas a paleta.

meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
olympia-

e assim será manet
serei o poema
o teu espelho
e só meu o teu olhar
até ao fim -

beijo a tua mão direita
olympia

p.s. envio-te a flor "

2 comentários:

josé ferreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Luísa Amaral disse...

Muito original a sua ideia, José. Gostei muito. Tenho uma sugestão: tirar a palavra "maria" do verso "maria vestida de flores". Achei a ideia poderosa; seria também interessante condensar mais nalguns lugares, como

"meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
olympia-"

Eu tinha uma sugestãozinha, que era suspender essa identidade ainda mais, como

"meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
quem sou -",

ou, mais radical ainda.

"meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
- nem sei -"