sexta-feira, 29 de abril de 2011
nunca se apaga a inscrição na alma
fotografia retirada da internet
passou a páscoa e recordo as amêndoas,
de licor,
aquelas francesas com imagens de açúcar,
delicadas, doces, de sentimentos -
as amêndoas de licor,
de cores: rosa, azul, algumas simulando o branco de uma espuma,
a espuma breve
mas espessa, como o azul do céu;
porque permanece;
qual fotografia solene de um fragmento,
fragmento belo de um tempo; tempo de palavras,
de poemas -
nunca se apaga a inscrição na alma -
esse sinal intenso que transporta a lua,
e as estrelas cintilantes de um relâmpago;
o momento -
guardo-te sempre -
José Ferreira 29 Abril 2011
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Quero que estes versos fiquem mudos
Guy Bourdin
.....
...Quero que estes versos fiquem mudos
quando te virem chegar, e tu fores toda a poesia
do seu canto. Tu, a minha musa verdadeira, a quem estendo
o espelho da estrofe para que o teu rosto surja de
dentro dela, com os lábios que beijei, aprendendo
o gosto do amor. Assim, esta imagem do mundo pode
mudar a meio do poema. Basta que tu entres por
dentro dele, batendo com as suas portas, e fazendo-me
sentir a tua presença, mesmo que estejas longe. É
um vento que sopra nas minhas veias, até à cabeça,
onde limpa as nuvens mais cinzentas, abrindo esse azul
de que as aves gostam. Tu, com quem converso sobre
o sentido da vida, ouvindo o teu riso sobre esta maré
que baixa com as vozes que o desejo submerge, enquanto
antigas gaivotas poisam numa areia de murmúrios.
Nuno Júdice "Cartografia de Emoções" Dom Quixote 2001, pág.152
quarta-feira, 27 de abril de 2011
súbitos, os raios salientes
Arpad Szénes 1935
súbitos, os raios salientes.
o cabelo está mais curto que o costume, estende a testa,
que se torna alta, porque se perderam alguns cabelos
no local onde agora os raios quentes -
não se expandiu a profundidade, já grande,
nem a clareza, já imensa,
mas subiu o desejo, e mesmo que por vezes inconsciente,
o desejo possui os miligramas de certeza -
a balança oscila e pende como seara ao vento -
José Ferreira 27 Abril 2011
terça-feira, 26 de abril de 2011
Fragmentos VI - Atopos
Guy Bourdin
Perante a originalidade brilhante do outro, nunca me sinto "atopos", mas sim classificado (como um dossier muito conhecido). Por vezes, no entanto, consigo suspender o jogo das minhas imagens desiguais (Não posso ser tão original, tão forte como o outro!); adivinho que o verdadeiro lugar da originalidade não está no outro, nem em mim, mas na nossa própria relação. O que é necessário conquistar é a originalidade na relação.
Roland Barthes "Fragmentos de um discurso Amoroso" Ed. 70 1981
segunda-feira, 25 de abril de 2011
- nas tuas mãos, o meu coração de lã e o frio
a púrpura dos dias
falar-te-ei de como se erguem
em flor as sementes,
de como o luar pode desfazer
a solidão de um nome
e atirar-nos para o lugar das mãos.
ao longe, a púrpura dos dias,
do ar respirado, da vida
que não pára de bater
em cada grão de terra
- nas tuas mãos, o meu
coração de lã e o frio
que não mais te tocará
por ser possível ser-se feliz.
Vasco Gato "Mover de Mão"
domingo, 24 de abril de 2011
Subsiste o segredo das palavras
Edouard Boubat
Subsiste o sabor ausente dos teus lábios,
dos teus braços, asas de boa águia.
Sobressai esse voo tão distinto de palavras;
a mão gigante por dentro do meu corpo
apertando firmemente o músculo vermelho;
ao ritmo, no ritmo certo, das estrelas, do ar, do oxigénio.
Transcendo tanto, transcendo pleno, mágico
e desejo no imediato uma leira de campo aberto
a planície suspensa
um regador de alumínio, o brilho antigo,
e plantar todas as flores que me enfeitam o juízo,
quando desdobras as células de benquerença,
e de incertezas -
Todos os poetas me disseram: fala de voz baixa,
não coloques pálpebras de ingenuidade,
não chores, não soltes as margens,
não soltes as lágrimas,
cresce calado, espera a hora exacta,
e finge sempre o teu pecado,
guarda o segredo dentro de casa -
José Ferreira 24 Abril 2011
sábado, 23 de abril de 2011
Ah as aparências como são obscuras
Edouard Boubat
Ah as aparências como são obscuras
como são ambíguas!
Elas são e não são
Elas acendem-se e apagam-se
Mas nunca dizem Aqui dói
Aqui é
Elas passam por cima
do que está por passar
como se não estivesse por passar
Com a sua incessante mecânica
preenchem as concavidades
que deixam atrás de si
Elas ocultam a sombra
nos seus espelhos de areia
O osso nunca lhes sai
porque tudo arredondam
para que não lhes escape o vento
pelas frestas das suas frases
e pelas sonoras lâminas
da sua armação de vidro
Elas não revelam o tigre nem a águia
que estão ou não estão dentro delas
e não vêem a dançarina exausta
que se deitou sobre uma cama de folhas
porque entrou no âmbito da imobildade pura
António Ramos Rosa
sexta-feira, 22 de abril de 2011
a filha de Agenor
Renoir
não sei se já falei de Agenor, o da palestina.
dizem os gregos que tinha uma filha
rodeada de lãs, pelos montes, pelos campos verdes
pelo meio das borboletas -
a fiha de Agenor tinha cabelos de oiro
e de vez em quando arrebatava da flauta
melodias
que prendiam os olhos dos rebanhos
e afastavam os lobos -
a filha de Agenor corria todos os dias
nas primeiras horas, as mais frias
quando do manto escuro do céu
se despedia o rosto da lua
ao escrever na campina
palavras, palavras de letras tão grandes
que poderia demorar toda a manhã
para rodear a forma do A.
a filha de Agenor nunca desistia
num fim de noite de meados de Fevereiro
conseguiu dar a volta ao M
percorrer o semicírculo do O;
caiu exausta no dia treze.
quando acordou, a filha de Agenor
procurou o norte da lua
o qual crescia devagar, num dos seus quartos.
às quatro horas da madrugada
a filha de Agenor completou
o semicírculo que faltava
e rodeou a complexidade longa
de uma letra que vista de cima
era uma cabeça e dois braços
um ligeiramente inclinado - R
pala manhã desse dia
procuraram na casa da quinta amarela
na cabana coberta de colmo
no grande cipreste onde por vezes adormecia, exausta
mas nada, um mistério
o rebanho pastava como se a pastora
mas nada, um mistério
e no grande plátano
um 1 e um 4 -
alguns disseram que a filha de Agenor tinha sido raptada
mas outros não -
alguns disseram que a filha de Agenor estava em Creta
mas outros não -
alguns disseram que por vezes os deuses e mesmo Zeus
mas outros não -
alguns falaram de Minos, Minotauro e de um labirinto
mas outros não -
alguém falou da cor clara da lua e dos seus quartos
todos se riram
mas ninguém acreditou-
José Ferreira 22 de Abril 2011
quinta-feira, 21 de abril de 2011
A fibra óptica de Ícaro
I
ouvem-se menos as esquinas lá fora
os touros andam distraídos
em redondos dentro de redondos
galerias de pedra de redondos
(só um infinito podia deixar acabar-se assim em redondo)
de cornos sensíveis
a uma certa inclinação de sangue
alguns dançam e rodopiam pescoços
(a mais bela transição)
lançam corpos moles em hélice pelo ar
sabem que os reflexos nunca obedeceram
(a pedra redonda sempre foi um bom espelho
e um touro não pode ser deus)
fica sempre um gesto letra-borboleta
naquela pá-limpa-cesto pouco limpa de mãos
um dedo mindinho girado aleatoriamente
e escrevem-se infinitos de mãos dadas
II
ouvem-se menos as esquinas lá fora
touros sérios sentados em cadeiras olham-se de frente
sentem como certa a inclinação
o binário das esquinas das estrelas dos cabelos das caras moles
o encontro forçado das paredes
quando dois
catorze (infinitas) portas
abrem e piscam em fibra óptica
o céu é um emaranhado de fios de néon azul
(cada um a puxar a saia azul de uma princesa)
e os touros desenham danças inclinadas
(antigos avisos)
na pedra redonda
há sempre touros calmos a rir
de cornos azuis
a adormecer informação nos terraços
em relvas mornas de vulcões
III
ouvem-se menos as esquinas lá fora
(e se existem cornos e esquinas)
a informação queima as asas
só tambores debaixo de água
cheira a mar
e é impossível voar acima das fibras ópticas azuis
sem puxar à velocidade da luz
as saias de todas as princesas
em roda tribal (que nunca se soube escrever)
de sentido contrário à inclinação
pendurados por milhares de fibras
às grandes asas mecânicas
há touros centrífugos a acelerar
e mais alto que o ritmo das esquinas
ouve-se no seu canto:
a casa é um labirinto com uma certa inclinação para o mar
Um poema de Sophia - enquanto longe divagas
Fotografia retirada da internet
I
Enquanto longe divagas
E através de um mar desconhecido esqueces a palavra
- Enquanto vais à deriva das correntes
E fugitivo perseguido por inomeadas formas
A ti próprio te buscas devagar
- Enquanto percorres os labirintos da viagem
E no país de treva e gelo interrogas o mudo rosto das
[sombras
- Enquanto tacteias e duvidas e te espantas
E apenas como um fio te guia a tua saudade da vida
Enquanto navegas em oceanos azuis de rochas negras
E as vozes da casa te invocam e te seguem
Enquanto regressas como a ti mesmo ao mar
E sujo de algas emerges entorpecido e como drogado
- Enquanto naufragas e te afundas e te esvais
E na praia que é teu leito como criança dormes
E devagar devagar a teu corpo regressas
Como jovem touro espantado de se reconhecer
E como jovem toiro sacodes o teu cabelo sobre os olhos
E devagar recuperas tua mão teu gesto
E teu amor das coisas sílaba por sílaba
II
O meu amor da vida está paralisado pelo teu sono
É como árvore no ar veloz detida
Tudo em mim se cala para escutar o chão do teu regresso
III
Pois no ar estremece a tua alegria
- Tua jovem rijeza de arbusto –
A luz espera teu perfil teu gesto
Teu ímpeto tua fuga e desafio
Tua inteligência tua argúcia teu riso
Como ondas do mar dançam em mim os pés do teu regresso
Sophia do Mello Breyner
quarta-feira, 20 de abril de 2011
o boletim do tempo anuncia aguaceiros
eras gordinha, redondinha e tinhas cabelos amarelos.
adolescias no olhar brilhante as dezassete primaveras
e escrevia-te poemas de métricas tortas que falavam de violetas,
as mesmas que tirava dos canteiros
e enfeitavam as dobras das cartas, as dobras dos livros,
as dobras dos segredos.
rodávamos as línguas e passeávamos de mão dadas
junto ao mar, na largura azul da foz
no perímetro de um semicírculo de rochas, molhando os pés
e comíamos croissants ou gelados, ou outros tantos pecados
que lamentavas.
nunca tive dedos grandes de pianista
nem um lago claro no redondo dos olhos.
os cabelos eram negros, agora não -
e os dedos, sim os dedos, por vezes
subiam a montanha dos teus seios
e demoravam-se -
no escuro das salas cheias de cinema,
no pormenor branco das rendas,
nas partes lisas, nas sedas ligeiramente subidas;
e demoravam-se -
no encontro bem sucedido das íris
enquanto um filme,
sem interesse.
o eléctrico era o dezassete ou o dezoito
descia nas tardes suadas a inclinação ousada da Avenida,
sempre apinhado, na espera de um toque no cordão, a campainha,
a viagem lenta, metálica, a música alta dos carris, constante -
não me importava. pousava o queixo no dourado dos cabelos
e oscilavas o rosto, encostavas a face ao lado dos ombros -
e sabíamos. sabíamos da fonte e do rio. os ruídos. as batidas.
as casas eram bonitas, de quatro cantos , rodeadas de árvores:
quando for grande. quando for grande.
usávamos sempre calças de ganga e botões apertados
ou desapertados, conforme os dias:
é verdade, tinha uns calções justos de faixa laranja
e usavas a tentação de um bikini, uma prisão às riscas,
que vestias.
foi há muito tempo. foi há muito tempo.
foi agora. foi agora mesmo.
dentro da minha cabeça.
caíu uma trovoada esta noite. a temperatura é boa
mas o dia é cinzento e o boletim do tempo anuncia aguaceiros.
por vezes chove -
José Ferreira 20 Abril 2011
terça-feira, 19 de abril de 2011
DE SONETO
Confesso
que as paredes não me encantam tão vazias,
ou que em chás não me suspiro das ausências
- manias.
Mas tentei ferver-te brando e não havias
E tu sabes que eu só durmo de mãos quentes.
Orfeu chega-me leve e de soneto.
Das rendas e das linhas pouco havia,
mais voltas
e o meu pé não descosia
- e a lua tão maior fora do berço.
Das notas
não pretendo o que não peço
- e o sono que me vira sem avesso.
Voltaste,
mas os linhos não cosiam.
E as luzes sem Sul
e ovelhas silvestres
- fragmentos.
Não tinhas pés mas tinhas ventos.
Ocorre-me que é fraco o meu registo
que outrora não serias tão vazio
- como de nuvem.
penso
mas tão pouco do que existo
que as fronhas menos são que neblina.
Não danças, eu aceito
não insisto -
sem tranças não me sinto tão menina.
Ficaste.
Mas não venhas sem maneiras,
sabes que sou mais joelhos
do que travos de canela.
As preces não tas rogo sem olheiras.
Não venhas
que dispenso mais barriga
ou noites em que passes sem leveza.
Não durmo e já duvido que consiga.
Ficaste
mas o céu já não abria -
e eu sou toda cotovelos sem poesia.
O chá já me arrefece as más decências.
Não quero mas suspiro-te as ausências.
Vai, podes ir.
Complacências de quem ama sem dormir.
Maria Inês Beires
ps: só agora me lembrei que não tinha publicado este!
segunda-feira, 18 de abril de 2011
PRECISO DO VOSSO VOTO!!!!!!!
o abismo
Paul Klee "Lovers" 1920
passa a linha, atravessa a fronteira, descobre o abismo.
porque o abismo pode ser a cortina que interdita,
o limite que aponta o escuro e se engana,
e ser no entanto um oceano, um horizonte, uma estrela.
o abismo é humano, emocional.
o plâncton invade o mar e alimenta os peixes
na mistura múltipla de sal e água, a forma natural
na submersa actividade do inato,
não há iluminismo, crítica ou razão;
o significado nas escamas prateadas
é um impulso eléctrico: abre as brânquias, separa, avança;
não é complicado, é obrigatório, irracional.
o abismo humano numa rua da cidade pode ser erguer os olhos,
abrir uma janela, encontrar uma ilusão,
parar ou seguir em frente, sabendo sempre
que o andar do tempo, veda o arrepio,
fecha a porta na passagem, deixa a dúvida como brilho.
o abismo pode ser a lua, branca e iluminada
numa noite exacta de primavera, de Abril,
quando o calor aperta as lajes rubras
e acende luzes nos rostos sombreados de distância.
o abismo pode ser um botão que se liberta
e abre a seda da pele, como que indiferente,
a discrição lenta da mão, o subtil no deslize
de dedos ensimesmados, demorados,
enunciando o trajecto oculto;
a denúncia do desejo -
o abismo pode ser um fumo branco e a brasa incandescente,
a água fresca, o plátano alto e o ouriço da árvore,
o jasmim desmaiado, a glicínia num fim de tarde,
o bago verde, o morango vermelho,
o grito forte, o frémito silenciado,
querendo e não querendo,
um medo sofrido,
de tudo, de nada -
o abismo -
passa -
passa o abismo -
de tudo, de nada -
o abismo -
José Ferreira 18 Abril 2011
domingo, 17 de abril de 2011
Contudo, contudo
Sid Avery "Liz Taylor"
Contudo, contudo
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.
Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.
Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.
Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.
Álvaro de Campos "Poesia" , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
Borboleta, tu despedaças
sábado, 16 de abril de 2011
Séraphine - um poema sobre o filme
Séraphine de Senlis
invadido pela simplicidade original de Séraphine
imagino os seus olhos fechados
por sobre o quadro, respirando a aura -
imagino umas socas escorregadias no empedrado,
nas voltas de um fim de tarde, rápidas e sonoras
a subir escadas, a fechar a porta,
do quarto, do quarto -
imagino as cores, os óleos naturais,
a mistura de pastas em essências extensas e sólidas.
imagino os golpes certos da espátula,
os dedos grossos, gretados, as pupilas iluminadas -
imagino a tela ao fundo, junto á janela, larga, alta,
e o rosto inclinado, a língua de lado, fora do lábio -
imagino a leveza infantil do gesto -
imagino o barro das imagens -
José Ferreira 16 Abril 2011
sexta-feira, 15 de abril de 2011
XXXV - Um poema de Pablo
Salvador Dali "A aparição da cara de Afrodite" 1981
A tua mão voou dos meus olhos para o dia.
A luz entrou como uma roseira florida.
Areia e céu palpitavam como uma
culminante colmeia cortada nas turquesas.
A tua mão tocou sílabas que tilintavam, taças,
galhetas com azeite amarelo,
corolas, fontes e, sobretudo, amor,
amor: a tua mão pura poupou as colheres.
A tarde foi-se. Secretamente a noite deslizou
sobre o sono dos homens sua cápsula celeste.
A madressilva soltou um triste aroma selvagem.
E a tua mão voltou voando do seu voo
a fechar suas penas que julguei perdidas
sobre os meus olhos devorados pela sombra.
Pablo Neruda "Cem sonetos de amor" Trad. Albano Martins, Campo de letras
O momento de Doisneau
1. Muito antes de Freud, já Stanislavski tinha chegado à conclusão de que um sentimento é como um dirigível, por mais imenso que seja é sempre mais leve do que o ar, e no seu cockpit há pelo menos um narrador e um co-narrador, os dois muito atentos ao seu papel de condutores únicos e exímios do destino comum de uma narrativa, que é sempre uma viagem mais ou menos longa e significativa de balão ou dirigível, atravessando o capítulo da nudez de tudo à velocidade imprevista de sempre.
2. A corporização radical da personagem proposta por Stanislavski é, no mínimo, apetecível: Stanislavski pretende imitar a fundo o real, usando e abusando dos vínculos ditos “naturais” da realidade e, detendo-se nas suas luminosas estratégias de imitação eficazes e antigas, construir uma espécie de fenómeno de actuação sobre a actuação propriamente dita, recebendo do texto crepusculares mundos fingidos, sentidos como Pessoa queria que sentíssemos o fingimento, projectando-o muito para além das suas próprias fronteiras e expectativas.
3. No fundo, Stanislavski queria imprimir no actor aquilo que no poeta navega apenas na distância mater da sua escrita. Ou, talvez, por outro lado, dotar o poeta de toda aquela perícia que envolve o actor, da maquinaria ignóbil do corpo humano quando realçado entre os seus, entre os que assistem vestidos ao bailado analfabeto dos seus gestos e passos torpes na periferia do indizível, inventário tradicional de posturas patéticas e autênticas. Mas mais do que isso, Stanislavski tinha vontade de autenticidade histérica, noções muito presentes no amor, quando o impacto entre dois corpos e os papeis que lhes foram atribuídos produz esse tão estranho “método de acções físicas”, tendo apenas em vista a satisfação de uma promessa proveniente do interior incómodo do indivíduo, que sempre nos é indevida, excepto nos lugares extremos.
4. Ora, todo o lugar é um lugar extremo, se nada mais além desse lugar existir. Toda a expectativa consumada é uma ópera que conspira. Como no momento de Doisneau.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
telhados
.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Nem brutal nem severa
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Colhe de um corpo o carvão verde
Felix Revello
Colhe de um corpo
o carvão verde
a sua música cereal moída moída.
Abre um corpo na partitura canta-o
enquanto se parte enquanto ficam
anos por contar enquanto ficam
anjos nas pálpebras
inconfessáveis.
Como se a manhã falhasse sempre.
Como se escolhesses o comboio que pára
em todas as estações
e valesse a pena gastar outra infância
para não chegar.
Catarina Nunes Almeida Revista Cráse
A curva dos Teus olhos
Isabelle Hupert
A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.
Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.
Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.
Paul Eluard,"Algumas das Palavras" Trad. de António Ramos Rosa Dom Quixote 1977
domingo, 10 de abril de 2011
Second Nature - XVII
Edouard Boubat
Dignité symétrique vie bien partagé
Entre la vieilesse des rues
Et la jeunesse des nuages
Volets fermés les mains tremblantes de clarté
Les mains comme des fontaines
Et la tête domptée.
Dignidade simétrica bem partilhada
Entre a velhice das ruas
E a juventude das nuvens
Janelas fechadas mãos trémulas de claridade
Mãos como fontes
e a cabeça dominada.
Paul Eluard "Algumas palavras" Trad. António Ramos Rosa Dom Quixote 1977
sábado, 9 de abril de 2011
Amadeo Modigliani &Jeanne Hébuterne
Amadeo Modigliani "Retrato de Jeanne"
amadeo:
certo dia, quando pintava o retrato de soutine e a mão deixara de me seguir, soutine disse-me:
- bebes para te matares.
e eu perguntei-lhe:
- e tu, soutine, o que te levou à tentativa de te enforcares?
saímos, depois, em silêncio para a rua. vimos o sena latejar sob as pontes e engolir as estrelas da imensa noite de paris.
jeanne:
soutine tinha razão. os anos passaram, não muitos, e amadeo tentara arranjar coragem para deixar de beber. foi inútil, e às vezes era violento - apesar de saber que eu nunca o abandonaria.
amadeo:
jeanne pressentiu que eu não precisaria de muito tempo para realizar a minha obra. sempre vivi como um meteoro.
soutine:
a 25 de janeiro de 1920, jeanne soube da morte de amadeo. refugiou-se num quarto em casa dos pais, num quinto andar. abriu a janela e saltou para junto dele.
Al Berto
sexta-feira, 8 de abril de 2011
as imagens na pedra rolante e redonda
Fotografia retirada da internet
as primeiras e as últimas em diálogo
imagens na pedra rolante e redonda
onde as faíscas fazem o fogo: o levantar de ombros
cérebro e mãos, pálpebras e folhas percorridas
os discursos directos do passado, os dias finitos
as conclusões quotidianas: as estrelas importantes.
os sonhos são críticos na sequência alucinante do desvio
e a vida suspensa, surpresa, incompleta, sempre, caminha
nas fragilidades verdes dos braços resistentes
nas heras ascendentes de um mundo de paredes;
e lança a semente cautelosa
o desejo das rosas, o medo dos espinhos
na hora incerta dos destinos -
José Ferreira 8 Abril 2011
quinta-feira, 7 de abril de 2011
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Um poema de Emily
Marc Chagall
A sepal, petal, and a thorn
Upon a common summer's morn --
A flask of Dew -- A Bee or two --
A Breeze -- a caper in the trees --
And I'm a Rose!
Emily Dickinson
Sépala, pétala, espinho.
Na vulgar manhã de Verão –
Brilho de orvalho – uma abelha ou duas –
Brisa saltando nas árvores –
- E sou uma rosa!
Trad. Ana Luísa Amaral
terça-feira, 5 de abril de 2011
SENTIMENTO PRIMAVERIL (SYLVIA BEIRUTE)
SENTIMENTO PRIMAVERIL
não sei o que é este sentimento
mas se o tentar dizer
sem pensar
e com as palavras que me vierem
à boca
será um dia de semana em voz alta
na cabeça de uma criança que não
distingue os sons,
a sua respiração que se desintegra
desde a sua infância velha. intemporal.
ou então um quarto de mim mesma
na adivinhação plena e simples
do teatro negro
antes de a acção começar a interrogar-se,
ou as flores que
parecem encobrir o ar das cinco da tarde.
não sei.
não sei o que é este sentimento
mas sei o que quer dizer.
Sylvia Beirute
inédito
Psicanálise da Escrita
mesmo que cante os ínfimos espaços
ou as grandes verdades,
todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
Quando os traços de si
parecem excluir-se das palavras,
mesmo assim é a si que se descreve
ao escrever-se no texto
que é excisão de si
Todo o poema
é um estado de paixão
cortejando o reflexo
daquele que o criou
Todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
e assim se ama de forma desmedida,
à medida do verso onde a si se contempla
e em vertigem
se afoga
Ana Luísa Amaral
in Inversos - Poesia 1990-2010 - Inéditos
A onda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda
Manoel Bandeira (Recife, 1886 - Rio de Janeiro, 1968)
Fragmentos V - Adorável ou o bom humor do desejo
Isabelle Adjiani
1. Num belo dia de Setembro saí para fazer compras. Paris estava adorável nessa manhã…, etc.»
Um ror de percepções acaba por formar bruscamente uma impressão deslumbrante (deslumbrar é, afinal, impedir de ver, de dizer):o estado do tempo, a estação, a luz, a avenida, o caminho, os parisienses, as compras, tudo isso concentrado no que já tem a vocação de recordar: um quadro, em suma, o hieróglifo da boa vontade (tal como Greuze o pintaria), o bom humor do desejo.
….
Tocado por uma impressão da noite, acordo enfraquecido por um pensamento feliz:
« X… estava adorável ontem à noite. » É uma recordação de quê? Do que os gregos chamavam o charis: «o brilho dos olhos, a beleza luminosa do corpo, o esplendor do ser desejável» ; talvez mesmo, como na charis antiga, acrescente a ideia - a esperança - de que o objecto amado se entregará ao meu desejo.
Roland Barthes "Fragmentos de um discurso amoroso" Ed. 70
Sim, quero dizer sim ao inacabado
Marc Chagall
Sim, quero dizer sim ao inacabado
que é o princípio de tudo
e o que não é ainda,
sim ao vazio coração que ignora
e que no silêncio preserva o sim do início,
sim a algumas palavras que são nuvens
brancas e deslizam amplas
sobre um mundo pacífico,
sim aos instrumentos simples
da cozinha,
sim à liberdade do fogo
que adensa o vigor da consciência,
sim à transparência que não exalta
mas decanta o vinho da presença,
sim à paixão que é um ajuste ao cimo
de uma profunda arquitectura íntima,
sim à pupila já madura
que se inebria das sombras das figuras,
sim à solidão quando ela é branca
e desenha a matéria cristalina,
sim às folhas que oscilam e brilham
ao subtil sopro de uma brisa,
sim ao espaço da casa, à sua música
entre o sono e a lucidez, que apazigua,
sim aos exercícios pacientes
em que a claridade pousa no vagar que a pensa,
sim à ternura no centro da clareira
tremendo como uma lâmpada sem sombra,
sim a ti, tempestade que iluminas
um país de ausência,
sim a ti, quase monótona, quase nula
mas que és como o vento insubornável,
sim a ti, que és nada e atravessas tudo
e és o sangue secreto do poema.
António Ramos Rosa
segunda-feira, 4 de abril de 2011
Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Gustav Klimt
Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas;
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.
Alberto Caeiro
domingo, 3 de abril de 2011
há palavras válidas como os teatros gregos
Ralph Gibson
há palavras válidas como os teatros gregos
legítimas no significado, na pertença;
serás sempre
quaisquer que sejam as tempestades.
como poderia esquecer as margens do rio certo
a luz incidente de um foco de milhares de watts
transformando as folhas dos arbusto em pérolas acendidas?
como poderia esquecer os laços e os nós, e os nós dos laços
dentro de nós, nas pontas dos dedos?
como poderia ceder o lugar do uníssono
o murmurejar único de águas transparentes
nos caminhos difíceis de pedras e girinos?
como poderia esquecer as palavras ardentes
essas princesas de desejo nas tardes abstractas
onde surgia o esquecimento físico das cidades
e se transcendia nas teias tecidas de desconhecido ?
como poderia?
“povoar-te de rosas” - dizia -
como poderia?
não importa qual a cor do terramoto
qual a intensidade de um silvado de balas
na Líbia, Afeganistão ou Iraque.
não importa a altura perdida das torres caídas
a gula devoradora dos tsunamis egoístas
e podem mesmo nascer beterrabas radioactivas
nas ilhas mais longínquas. não importa -
porque sendo importante não modifica
não tem qualquer poder sobre o dizível
a música, o ondear das tonalidades
a seda simbólica das letras rejeitando as tintas
o cobre e o chumbo, fixando a prata das palavras
nos olhos históricos da fotografia -
não há forças naturais, humanas ou divinas
que possam assassinar os pêndulos do tempo
o relógio das horas partidas - os instantes depois do click.
nem metamorfose alguma que transforme
os poemas redondos
em acidentes rectilíneos -
serás sempre -
José Ferreira 3 de Abril de 2011
sexta-feira, 1 de abril de 2011
o dia um de abril
Cindy Sherman
ouve, lembro-me da cor castanha dos olhos
um mel triste sobre um sorriso fechado
que não mostrava a brancura da íris
sob as pálpebras.
escondia mesmo, lembro-me -
lembro-me, escondia mesmo os medos
os reconhecidos emblemas de uma cabeça reflexa
reflexiva, interrogante, mas ardente
na cor livre da pele, fulminante como um Verão
de vez em quando, lembro-me -
lembro-me, de uma vez, de uma tarde cinzenta
quando junto de um lava-loiças e um frasco de comprimidos
colocaste o ar característico de um fogo aceso
tiros, depois de palavras, tiros
tiros nos lábios cerrados de silêncios, tiros
na pose segura, no oblíquo de um braço esquerdo
enquanto vapores quentes de uma receita de lentilhas
ofuscavam a nitidez, colocavam a fronteira
branca, húmida intransponível
branca, húmida, lembro-me -
lembro-me da outra mão e das unhas imperfeitas
iludindo a seriedade de uma irritação verídica
apesar de uma matéria injustificada, sem sentido;
a mão, a outra mão que acompanhava a barriga
rodeada de algum enlevo no avental transparente
afagando de repente o centro
o centro encoberto de um umbigo
mais dentro, mais saliente, mais dentro
uma rodela de laranja, mas beige
envolta na certitude lisa da cinta, lembro-me -
e lembro-me de uma atmosfera negativa
a dúvida, a acusação, a mentira
e lembro-me do dia -
José Ferreira 1 abril 2011
Porto
António Cruz
Então, eu comia o Porto. Ali à beira do Douro, abria a boca e enchia-a com o Porto. Pousava-o sobre a língua e mastigava-o com cuidado, para não causar estragos na Torre dos Clérigos, no Pavilhão Rosa Mota ou na estátua do leão e da águia da Boavista. Os portuenses haviam de acreditar que o céu da minha boca era um dia de outono nublado e continuariam a fazer a sua vida normal, voltariam para casa à hora certa do relógio de pulso e os autocarros continuariam a subir e a descer os Aliados sem perturbação. O momento de engolir o Porto seria sereno para a cidade e, para mim, seria o instante em que a memória do seu gosto se tornaria efectiva. O Porto não saberia a molho de francesinha, muito menos a tripas ou a vinho doce, teria um gosto composto por múltiplo, intenso e contraditório, composto por perífrase, hipérbole e oximoro. Eu fechava os olhos, claro, para sentir analiticamente o gosto do Porto. Passava bastante tempo assim, o silêncio tinha vagar para rodear-me.
Sentia todo o caminho do Porto através da minha garganta. Haveria de lembrar-me de goles de água no verão, o fresco da água a descer por mim como uma onda de temperança. Nesse túnel, o Porto, com os seus estádios, com o mercado do Bolhão, haveria de fluir imperturbável, mais lento e justo do que um rio grande, atravessado por pontes de ferro projectadas por Gustave Eiffel. Eu não haveria de me engasgar com o Porto, nem sequer me lembraria dessa possibilidade, nem sequer a consideraria. Seria capaz de respirar grandes volumes de ar fresco e limpo, seria capaz de respirar uma tarde inteira ou, mesmo uma primavera inteira, uma infância inteira. Para o Porto, esse caminho no interior da minha garganta seria menos do que uma brisa. Talvez alguns portuenses, os mais sensíveis à humidade, subissem a gola do casaco por instantes, talvez quisessem cobrir o pescoço, sentir tecido na pele fina do pescoço. O carros continuariam a parar nos sinais vermelhos e a avançar nos sinais verdes, continuariam a encaracolar-se pelos caminhos do silo de estacionamento ou, na rua, continuariam a seguir as indicações de um arrumador com barba, vestido com casacos sobrepostos.
O Porto chegava-me ao estômago à hora certa do entardecer. A tranquilidade seria inquestionável. Todos os poetas da cidade haveriam de ter um acesso súbito de inspiração. O meu estômago não precisava de se dilatar, barrigada, para ser capaz de acolher toda a cidade num plano horizontal, nivelado ao milímetro pelos desníveis habituais das suas ruas e avenidas. Quem estivesse a descer até à Foz, continuaria passo após passo; quem estivesse a subir até ao Marquês, continuaria passo após passo. As gaivotas planariam voltas perfeitas dentro do meu estômago e, assim, seriam capazes de puxar a noite. Chegaria devagar, ao ritmo intermitente das luzes que se começariam a acender na Baixa.
Por acaso simbólico, a absorção começaria precisamente à hora de jantar. As casas, o ar, as ruas, os viadutos, as montras, os jardins, as pessoas, os carros, as palavras, a pronúncia, os monumentos seriam gradualmente absorvidos pelas paredes do estômago. Atravessá-las-iam como uma sombra que fosse progredindo sobre a cidade, como uma maré de nuvens que fosse tapando a lua e as estrelas, uma a uma. Todos os elementos sólidos e não sólidos da cidade, mesmo os invisíveis, transformar-se-iam em carne, na minha carne, no meu sangue a correr pelas minhas veias e a atravessar-me desde a ponta dos dedos, os mesmos que carregam nestas teclas, até às pequenas artérias que irrigam os meus olhos, o meu cérebro. O Porto seria oxigenado pelos meus pulmões, passaria pelo meu ventrículo esquerdo e, depois, pela aorta. A zona das Antas seria uma extensão da minha pele, a Sé também. Quando eu tocasse alguma coisa, quando segurasse um livro ou ouvisse uma canção, só seria capaz de fazê-lo através do Porto. Na verdade, nem eu próprio seria capaz de distinguir-me do Porto. Seria capaz de dizer "o Porto", seria capaz de dizer "eu", mas apenas o faria por preguiça analítica, por mecanismo desonesto de esquematização. Essa mentira seria fácil de desmascarar em cada palavra dita, escrita, em cada silêncio, porque se eu articulasse um som mínimo, seria o Porto que o estaria a dizer; se eu escrevesse uma letra, seria o Porto a escolhê-la; se eu permanecesse quieto, a olhar para a distância e a pensar em imagens de tempos passados, seria o Porto que existiria no meu lugar, a lembrar-se de dias, passados neste ou noutro século.
José Luís Peixoto, in Jornal de Letras (Dezembro 2010)