sexta-feira, 1 de abril de 2011
o dia um de abril
Cindy Sherman
ouve, lembro-me da cor castanha dos olhos
um mel triste sobre um sorriso fechado
que não mostrava a brancura da íris
sob as pálpebras.
escondia mesmo, lembro-me -
lembro-me, escondia mesmo os medos
os reconhecidos emblemas de uma cabeça reflexa
reflexiva, interrogante, mas ardente
na cor livre da pele, fulminante como um Verão
de vez em quando, lembro-me -
lembro-me, de uma vez, de uma tarde cinzenta
quando junto de um lava-loiças e um frasco de comprimidos
colocaste o ar característico de um fogo aceso
tiros, depois de palavras, tiros
tiros nos lábios cerrados de silêncios, tiros
na pose segura, no oblíquo de um braço esquerdo
enquanto vapores quentes de uma receita de lentilhas
ofuscavam a nitidez, colocavam a fronteira
branca, húmida intransponível
branca, húmida, lembro-me -
lembro-me da outra mão e das unhas imperfeitas
iludindo a seriedade de uma irritação verídica
apesar de uma matéria injustificada, sem sentido;
a mão, a outra mão que acompanhava a barriga
rodeada de algum enlevo no avental transparente
afagando de repente o centro
o centro encoberto de um umbigo
mais dentro, mais saliente, mais dentro
uma rodela de laranja, mas beige
envolta na certitude lisa da cinta, lembro-me -
e lembro-me de uma atmosfera negativa
a dúvida, a acusação, a mentira
e lembro-me do dia -
José Ferreira 1 abril 2011
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