terça-feira, 5 de abril de 2011

Fragmentos V - Adorável ou o bom humor do desejo


Isabelle Adjiani

1. Num belo dia de Setembro saí para fazer compras. Paris estava adorável nessa manhã…, etc.»
Um ror de percepções acaba por formar bruscamente uma impressão deslumbrante (deslumbrar é, afinal, impedir de ver, de dizer):o estado do tempo, a estação, a luz, a avenida, o caminho, os parisienses, as compras, tudo isso concentrado no que já tem a vocação de recordar: um quadro, em suma, o hieróglifo da boa vontade (tal como Greuze o pintaria), o bom humor do desejo.
….
Tocado por uma impressão da noite, acordo enfraquecido por um pensamento feliz:
« X… estava adorável ontem à noite. » É uma recordação de quê? Do que os gregos chamavam o charis: «o brilho dos olhos, a beleza luminosa do corpo, o esplendor do ser desejável» ; talvez mesmo, como na charis antiga, acrescente a ideia - a esperança - de que o objecto amado se entregará ao meu desejo.

Roland Barthes "Fragmentos de um discurso amoroso" Ed. 70

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