sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

o cálice onde molharam as cerejas


René Magritte "Os amantes" 1928

ele
subiu uma calçada de escadas escorregadias.
devia trazer outros adereços. não os sapatos de sola
que incha e embola. as botas grossas de camurça.
insistiu rodeado de cuidados, lento na sequência
de vários níveis na subida
que levava ao morro: o ponto de encontro.

ela
subiu as escadas em corrida. atrasada.
as sapatilhas ajudavam. um, dois, uma cantiga.
um desviar do tempo até chegar mais acima
ao morro: o ponto de encontro.


um corrimão esteve sempre imóvel.
aguardou. a ele, a ela, e uma vista sobre o Tejo.

os dois
límpidos sentaram-se num banco de pedra
quando ela chegou.
molharam cerejas num cálice de água. vinha com sede.
estava cansada. mas no rosto tinha um ar de tangerina
um perfume brando e dentes brancos de chiclete
no morro: o ponto de encontro -

2 comentários:

Clara Oliveira disse...

Tão bonito José, dá vontade de galgar as escadas. E o ar de tangerina de uma frescura redonda. Bj

Joana Espain disse...

Um ponto de morte no morro. Já sabemos, a morte sabe a tangerina. Muito bonito.