Que faço quando tudo arde?
Sá de Miranda, 1481-1558
Eu,Sá de Miranda, 1481-1558
Inquisidor,
única esperança
de remissão,
ardo nas chamas da salvação divina.
Eu,
Inquisidor,
convoco o homem
o herege pertinaz,
posto a tormento no suplício
vê nascer a verdadeira fé
em cima do potro ou nas cordas do polé
essa criança que ofende
o Pai
reacende as brasas do amor celeste
Eu,
Inquisidor,
nada vejo:
nem sonhos,
nem palavras,
nem a carne rosácea que perante mim se disforma
vejo a alma
o pecado e o vício
é este o meu santo ofício.
Eu,
Inquisidor,
queimo as palavras, os sonhos,
a carne cinzenta que perante mim se reforma
e quando tudo arde,
sou eu sublime
sou eu santidade.
Raquel Patriarca
nove.dezembro.doismileoito
5 comentários:
A ironia, a heresia de hoje. A invocação ao salvador pedido. Tocar na fé queima neste poema. Parabéns. Acho que está fabuloso.
O inquisidor, o arqui-inimigo da bibliotecária amante da leitura. E este inquisidor aparece aqui com um sentido mais lato, o sentido do que castra, proíbe, limita.
Gostei muito.
Gostei imenso do poema, Raquel. Arrepiaram-se-me as carnes e os cabelos! Denúncia sempre necessária, a da Inquisição, a do Inquisidor. De um tempo que se fez lugar emblemático de uma fé distorcida, castradora, tão distante da dos primórdios que "queimava" o coração dos primeiros cristãos. Mas os inquisidores andam por aí, ainda agora, e em todos os sectores da vida humana. Um texto de grande actualidade. A epígrafe foi muito bem entendida e muito inspiradora.
Parabéns.
Raquel uma abordagem que incomoda sob o olhar poderoso e dominante do Inquisidor garantindo o suceso do poema. Não consegui desligar estes versos e personagem do livro/filme " O nome da rosa" onde nos regimes dos primários limites no extremismo se queria ocultar verdades e queimar os sonhos.
Parabéns!
p.s. ESqueci-me de acrescentar no comentário de há dias que a fotógrafa captou bem os momentos mágicos das poetisas Maria e Ana e deu-nos o mimo da fotografia do portal. Obrigado!
Raquel, uma palavra: excelente.
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