Sentada, era toda joelhos,
numa busca incessante das alcatifadas palavras.
Era milhares de palavras despidas,
e dois: eu e o poema.
Embrulhado longe, em si, em nada,
Em madeiras de chão e memórias,
Vitórias,
perdidas algures no seu chão.
Passei em rolos de pés e pegadas trocadas sem rumo.
Queria-o em mim, para mim, para os outros,
Queria arrancá-lo dos pavimentos onde se afundava.
Queria-o à força em troca de quase nada.
E ele enrolado, escondido, perdido em rastos cruzados.
Enterrava as maos na areia, mas vazias como iam, vazias voltavam.
As minhas garras, a minha fúria, nao lhe interessavam.
Então tentei.
Desamarro lentamente as lages do chão,
descasco as farpas das pegadas em madeira,
Proponho um acordo, uma brincadeira.
Pois se o poema vier hei de o deixar ser livre.
Sem me pertencer a mim, ou aos tapetes em que se esconde.
Sem dono e sem chão.
Há de ser alma, fuga, rebelião.
E todos os poetas hão de saber, que há poemas de alma
outros de ser,
mas que o poema em si não tem pertence,
ou dono, ou chão, ou luz.
Vence.
Maria Inês Beires
Não é meu costume por os meus poemas aqui, nem meu costume é escrever desta forma. Costumo ser mais presa na métrica e rima dos versos. Mas há sempre uma primeira vez para tudo e experimentar não ha de fazer mal!
5 comentários:
Valeu a pena deixares o poema soltar-se. Da métrica, da rima... E também do chão (senti essa imensa luta que ele te deu, agarrado ao pavimento, antes de ser livre). Gostei muito.
Um belíssimo poema arrancado do chão com a delicadeza de quem colhe uma singela e frágil flor
num belo jardim. Volta sempre e deslumbra de novo com a tua poesia.
Parabéns.
Linda Inês, o costume já deu o que tinha a dar, e se a ideia fosse ficarmos todos ‘como de costume’ não nos tínhamos vindo aqui juntar! O poema é muito bonito… e a coragem não lhe fica atrás.
Raquel
Gostei muito do poema, do brincar com o nascimento do poema, com a sua criação, com o procurar da inspiração e do sentido da vida e das palavras em nós. Gostei também da libertação de partilhar o poema e esquecer a métrica :)
Fizeste muito bem, Inês, libertares-te da métrica e da rima!
E, na verdade, a tradição já não é, querida Inês, o que era! O teu poema é lindo! Gostei muito! E, publica-os, Inês! Somos nós que ficamos a ganhar!
MC
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