domingo, 30 de setembro de 2012
De ironias
De ironias
É que no mundo das aparências... que é o mundo em geral!
Umas vezes se passa por ser a melhor pessoa;
outras, pela pior... isto na maior parte do tempo!
Vão reciclando.
E pondo de um lado os que falam, e do outro quem é falado,
como acha que foi quem é falado?
Quando do outro lado estava, desse onde ninguém é meigo (depois inofensivos se acham), onde afirmam tanto ter razão, mas escondem a cara o melhor que podem se sozinhos;
e ainda, onde cada um, achará que terá cuidado, e nunca passará a ser falado!
É extraordinário pensar ser-se assim tão especial...
assim como a surpresa de como foi possível, ser a mim que chamou caprichosa!
Adeus.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
só as árvores sabem
Felix Mas
os raios de sol de novo sobre a testa e as palavras.
o outono entrou pela chuva e espalhou as folhas.
mas há luminosidades
os teus olhos, os teus lábios –
escrevo-te na mágoa da ausência
na página branca
através de dedos coloridos e tinta permanente
e escrevo-te para
construir a seiva, sempre
para que ela circule e se liberte
na expansão mais célebre –
só os ouvidos das estátuas, sabem
só os versos quando escritos, sabem
só as músicas , sabem
só as cores espalhadas nas mesmas margens, sabem
só as árvores, só as árvores
sabem –
A Mulher
Matisse
Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura
e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.
Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde" lido aqui
Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura
e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.
Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde" lido aqui
terça-feira, 25 de setembro de 2012
o urgente azul
Felix Mas
é urgente
fazer crescer os
braços de uma árvore para te abraçar os cabelos
é urgente
uma girândola de aromas
a árvore e os cabelos
as flores brancas de Trás os Montes é urgente
é urgente
fazer crescer
cogumelos tão altos que se tornem seguros
um tronco alto e macio, é urgente
para proteger das poeiras e não fechar o paraíso é urgente
o céu, a lua e a incandescência das estrelas é urgente –
é urgente a urgência de navegar no lado esquerdo –
terça-feira, 18 de setembro de 2012
o frágil vidro
por vezes
pelo interstício das células faz-se o caminho
como se colocasses os pés dentro de água, impermeável
ao líquido e à escama que desliza –
a cidade não te surge como destino.
por vezes, a cidade é
uma rua deserta
não tem qualquer significado
quando caminhas sozinho –
há um banco no jardim do universo
há uma física emoldurada de tílias
há um horizonte que se constrói na planície do sonho
e uma realidade difícil
que se ultrapassa todos os dias.
sempre que a parede, muro, líquen ou vidro
se ergue como a Babel do incompreensível
procura o fio, a curiosidade de descobrir o infinito
procura o linho, a mão unida, a sede dos olhos
a luz no caminho
há sempre uma saída –
josé ferreira 18 de setembro 2012
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
luas,marfins, instrumentos e rosas
El enamorado
Lunas, marfiles, instrumentos, rosas,
lámparas y la línea de Durero,
las nueve cifras y el cambiante cero,
debo fingir que existen esas cosas.
Debo fingir que en el pasado fueron
Persépolis y Roma y que una arena
sutil midió la suerte de la almena
que los siglos de hierro deshicieron.
Debo fingir las armas y la pira
de la epopeya y los pesados mares
que roen de la tierra los pilares.
Debo fingir que hay otros. Es mentira.
Sólo tú eres. Tú, mi desventura
y mi ventura, inagotable y pura.
Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dürer, lampiões austeros,
Traços de Dürer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persópolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persópolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopeia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
Jorge Luís Borges
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
azul
Matisse Le Cirque 1947
"Cheirava a maresia e a fruta.
Longas músicas pareciam suspensas das árvores e das estrelas.
E entre as casas brancas, na noite escura e azul, passava o rolar do mar."
Sophia Mello Breyner Andresen
azul, sempre azul, digo-te
como num circo de Matisse
ou numa fantasia de Chagall;
onde os peixes podem ter asas
onde a lua sabe tocar guitarra
e onde em vez de sapatos posso ter crina e ser um cavalo
que te leve no dorso nu pelas descobertas
pelos lugares e não lugares do mundo
pelos prados virgens e pelas paisagens imprevisíveis do sonho:
o sonho azul, inteiro, sem fragmentos
que faça esquecer todos os medos –
azul, sempre azul, digo-te
para que o céu exista nos ponteiros soltos do relógio
para que as estrelas sejam reais no espelho das faces
e queimem as mãos com a pele que arde
nessa pressa dolorosa do amor que não esmorece
e acontece de cada vez mais para se tornar maior –
e acontece
como células brilhantes que se acrescem
para serem enormes e únicas, de seda, sede e febre
para que se tornem doença, doce vício e urgência
a boa urgência e o sossego –
azul, sempre azul, digo-te
como o flamejante álcool de um laboratório
que flutua e inebria na destilação dos fluidos mais leves
para que as temperaturas evidenciem as essências
e ciciem poemas na ebulição mais importante –
azul, sempre azul, digo-te
com os braços distendidos e a galope
até que o mar nos leve juntos pela praias de Sofia –
josé ferreira
Marc Chagall Le Cirque Bleu 1950
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Em cuidado de vós
não vos debruceis nessa varanda
que é pouco segura a cascata de ferro
a tremer até ao Douro
olhai bem este sítios queridos
vede-os com derradeiro olhar
em copas de tormento tomai
o que de chão vos restar
que nesta rua não há baloiço
que não vos lance em alto mar
cinco janelas, cinco cavaleiros
a cavalo em gaivotas que relincham
levam esta carta à minha infância
e todos espreitam na rua
o candor que nela vai bordado:
o teu olhar de baloiço à janela
que outrora embalava a cidade ao meu lado
aqui regresso
em vela caída que chama
a fruta demasiado doce à mercearia
e ao rio a verdade que resvala na rua
segura em aperto de mãos
entre bons dias e passadas suspensas à noite
como o violino de uma criança
que vencesse o carrilhão dos Clérigos
ou o Outono que abandonaste
debruçado em mim até ao mar
em cuidado de vós
não quereis ser desta rua sem o serdes
que não há verdes em equilíbrio
que aqui não tombem
em murmúrio de nevoeiro quando há luar
por aqui passai de um verso a outro
como um soldado de chumbo
sem hesitar, cantai aos cavaleiros
e bailai com as gaivotas sobre o gelo
mas não pouseis, visitante, com elas
que asas não vos chegarão para levantar
a mim deixai-me quieta
que o tempo agora é este:
uma rua inclinada para as tuas mãos
(Virtudes)
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
da importância das rosas
Salvador Dali
quando o nascer do dia proíbe o belo, procuro a molécula invisível
e habito junto do sonho, no aroma das rosas, no travo da hortelã
na cor redonda dos mirtilos –
sinto nas pestanas o vento, a sua volatilidade de mãos perfeitas
e sopro versos em ondas etéreas
para que viagem distâncias
para que se tornem poemas
para que ganhem olhos, asas e lábios
e falem sem cessar, como um papagaio das arábias
junto da curvatura da face, das rosáceas do rosto –
e embora acordado na buzina da cidade, sou imune
podem atravessar-me obuses e o cabelo é leve
leve como a mais leve das plumas -
e sei que é Setembro, o mês das vindimas
o mês de bagos doces no brilho solar das encostas -
e sei que é Setembro, e conto-te da importância das rosas
das brancas e de todas as cores, que não são cinzentas
e são aromas, de abelhas e borboletas –
e sei que é Setembro, o mês dos poetas
e falo sem cessar do belo das corolas, do seu ardor vermelho
da sua possibilidade e do seu espelho –
josé ferreira 5 Setembro 2012
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Setembro - o bom mês dos poetas
ouço o mar, ouço as ondas, recuso as más notícias de Setembro
procuro o belo e repito como já disse antes:
o bom mês dos poetas, faz quatro anos
o bom mês dos poetas
sempre –
josé ferreira 5 de setembro 2012
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