escrevo-te de novo com a ponta dos dedos
como se fosse uma dança, como se fosse um sussurro
um segredo urgente, uma música distendida e exclusiva
jazz ou blues de um
filme antigo, uma fotografia.
as fotografias reflectem
uma história
um pormenor, a iluminação do alfinete;
lembro-me –
lembro-me do teu laço com um nó azul
um chapéu largo de sombra por cima de uma trança
um bikini de malha que não se usa mais
as sabrinas no saco das riscas
os pés cobertos de algas nas espumas brancas
as marcas das gaivotas a tornarem-se humanas
as asas dos barcos a acenarem distantes
e a mostrarem
horizontes. horizontes.
lembro-me –
lembro-me da tua primeira decisão
uma mão de cada lado de uma barba adolescente
uma coragem de olhos com a boca em frente
o primeiro incêndio, sem fogo, e como arde –
Uma vez…
era Setembro e partiam os carros dos bois com cestos
entrançados
cachos de uvas mouriscas, moscatel, e simples, de bagos pequenos.
corremos como se fossemos crianças, com sandálias tortas e jogos na cabeça
partimos muito depressa, o vestido voava, os calções eram
rápidos.
naquela época os torrões da terra eram secos, vários
tamanhos
uma capa branca e depois castanhos. corremos muito
corremos como se fossemos crianças.
lembro-me.
era Setembro.
seguraste-me a cabeça
as mãos como setas misturaram cabelos
e depois corremos. corremos muito, como se fossemos crianças
e demorámos cinco minutos
entre a rocha das merendas e o muro das pedras soltas.
era Setembro. lembro-me –
de uma vez…
era junho. a cidade era muito antiga. corria a temperatura
do solstício
a queimadura do Verão. saboreámos os gelados de limão.
havia uma fonte de desejo em cada esquina. não se chamava
Trevi.
muita gente. era junho.
lembro-me.
lembro-me de um cinema, uma camisa branca, a superfície de
renda.
a minha mão era pequena . passou por cima do ombro
desceu como uma cortina, lenta, a esconder uma janela
como se fosse um
barco, movendo-se na direcção do vento.
a minha mão era pequena
com o interior redondo, em concha, no hemisfério sul do
tempo
e o coração batia muito de repente.
os olhos olhavam em frente. lembro-me. no cinema.
a mão era pequena, a renda. lembro-me.
escrevo-te com os olhos muito acesos. com a ponta dos dedos
como se fosse uma dança, um sussurro, um segredo urgente
como se não nos doesse nunca a alma, como se não nos doesse nunca o corpo
e com o sangue a bater, a bater muito, como um mercúrio quente
a bater muito e em todas as paredes –
josé ferreira 2 Julho 2012
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