quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Página de diário ou quase




– Oito de setembro.
Nunca visto em S. Félix da Marinha.
Na sala da Teresa, entrou solícito o Mar –
Trazia Vozes – cheio de poemas, e vozes
Muitas vozes na rebentação das ondas – FA4 –
Algumas exibiam Um mar com cidade dentro,
Encrespada espuma nos rochedos, revolta e branca,
E houve piquenique na maresia sob o olhar subtil
Do Preto e do Branco, olfato estimulado
Pelo generoso odor a mar e a guloseimas na mesa postas

As ondas deram voz às palavras do horizonte que no poema
Era suave linha branca – Abraço ténue do céu e do mar
No nosso olhar. Di-lo a nossa memória de era uma vez…
… a nossa infância. Dizem-no os habitantes do mar que nos seduzem
E ergue-se, bela, a memória da Menina do Mar a correr
Para nós trazendo nas mãos acesas corais e cavalos-marinhos
E a evocar-nos que somos adultos e sempre meninos;
Atravessada pela paixão, outra voz acendeu um longo eco
Da alentejana voz de Florbela: “Queria amar-te como o mar/

Numa entrega de perpétua maresia”, e todos vibraram muito
De alegria. Depois chegou do mar dolorosa voz e as cores assim
Lá longe diluídas, para a seguir serem azul só no olhar como o
Amor ao sentir. De repente pula um peixe encarnado mas um
Caranguejo, coitado, pincelou-o. Fotografou este insólito momento,
Um fotógrafo ambulante e era janeiro. Se fosse junho, e o calor viesse,
Os meninos na praia, ou na sala da Teresa se o mar voltasse, assustariam
O caranguejo que começaria andar para o lado, impedindo-o de ir contra
O peixe encarnado. Por falar em fotógrafo, lembro-me de uma voz
Encantada que contava a história de um fotógrafo – O homem
De Imilchil que herdara uma máquina e que tinha um fogo ateado
Na alma: “Ver uma fotografia do mar”. Há poetas que inventam
Estes sonhos e têm máquina fotográfica e fotografam os sonhos.
São “pele e outros temperos”. As saudades que tenho da Inês. Será
Que o Natal trará a luz e que vai amanhecer “sem mais salina”?

De novo o mar a entrar pela varanda. E sorrateiros os fumadores
Aproveitaram essa nesga de azul por onde entrara o Mar. E uma
Voz de palavras e dor oculta no peito soltou um dó menor no ar de luz:
“Era minha dor o mar / (…) /Pena azul, revolta e terna.” Eterno, este
Vaivém: “O meu mar são os teus olhos / Onde me perco e me alcanço /
(…) // (…) azul é a cor do meu amor”. E isto é dor? E é prazer e alegria?
Muitas vezes, o revisita a elegia. E revisitou a casa teresina, eu bem na vi,
Sophia saindo grácil dos seus livros, ali pousados, na mesinha alta. Por ali,
Vivera quando menina saudando o mar da sua infância todas as manhãs e
Aos fins da tarde, e ali se encontrava com o Búzio – um velho amigo sábio.

“O mar intacto” procurou intacto lugar. Há sempre uma primeira vez
Para olhar o nunca visto. Cheguei-me à vidraça que dava para o mar –
“Olho os navios que ainda não chegaram”. E houve comemoração:
“São uma gota de água estes três anos”, e VOZES lidas com o coração.

Apagou-se a luz, já era tarde, o mar recolhera ao Mar, e só a Teresa
Estava em casa. E os outros? Somente a viagem e um calor no coração –
2012.01.06
José Almeida da Silva

2 comentários:

josé ferreira disse...

magnífico José, um poema memória que vai permanecer
um grande muito obrigado

Clara Oliveira disse...

Estive lá na leitura do poema. Obrigada José pela boleia dos seus lindos versos.