sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Manet e a carta a Olympia


Manet "Olympia" 1863

enquanto recebo o calor da celeuma
lembro letra a letra a carta de Olympia
a surpresa de a ver assim (in)vestida
de nudez, nas cores do seu poema
o adeus:

"manet meu ingénuo e querido amigo

beijo a tua mão direita

comovi-me

naquele divã de donzela
o lugar das minhas linhas.
sentida perfeita no meu corpo
no meu olhar felino que domina.

maria vestida de flores
escondida no seu olhar de noite
guarda os segredos daqueles que autorizo
os meus melhores momentos
a voz aguda dos amantes
e são tantos.
não os quero loucos nem distantes
de fogueiras impertinentes
ou amores frios
trato-os como filhos nos meus seios
a quem sugo os receios, os seus medos
na falta dos berços.

comovi-me

na largura dos traços
nas camadas de tinta
por sobre a tela virgem
de muitas horas e anseios.

beijo a tua mão direita

a do laço de cetim
trémula de pudor
quando inclinavas o rosto
e pousavas a paleta.

meu querido e ingénuo amigo
espero não te ver
sob pena de não ser
olympia-

e assim será manet
serei o poema
o teu espelho
e só meu o teu olhar
até ao fim -

beijo a tua mão direita
olympia

p.s. envio-te a flor "

josé ferreira ( out 2009)

(desculpem republicar mas achei apropriado porque este quadro de Manet é colocado em paralelo com a Vénus de Urbino de Tiziano)

1 comentário:

A. Roma disse...

José, fez muito bem em republicar esse belo texto. O modelo nú deitado é um clássico de encontro entre pintores e poetas, e é muito interessante conferir os diferentes variantes, quer nos fundos e acessórios das pinturas, quer nas viagens para fora da tela que poeta projecta.

Gostei muito de rever o grupo no outro dia!
Abraço