quinta-feira, 10 de novembro de 2011
não é tarde e não é cedo
uma chávena de chá preto em cima da mesa
e a luz branca por cima das teclas, uma lupa redonda.
a ampliação da noite decide a palavra,
a palavra solta na frente dos cabelos desgrenhados
como uma massa redonda, polvilhada,
o pão da alma, no forno que se acende –
não é tarde e não é cedo, respondo-te,
nem nunca cessa o luar sem silêncio
que percorre as distâncias
e cinta cada gota de vermelho –
passam carros a momentos e gente
e ninguém sabe desse tempo de quinta-feira, madrugada,
que aperta uma coleira na pressa do poema
pelo bulício escrito da desistência –
não é tarde e não é cedo, e há o erro da fraqueza
junto a uma girândola de círculos de urgência, sirenes autênticas
no alarme gritante e injusto de um céu de inverno -
passa das duas horas e não há vivalma no asfalto.
é a noite cerrada como as portas altas dos museus da cidade.
não há quadros, nem a luz das obras de arte,
porque se criou a mentira do facto na criação errada, a falácia,
falácia apenas, simplesmente, como por vezes a democracia
que parece justa e é ingrata –
cai aquela chuvinha flácida que mal se enxerga,
uma chuvinha sem qualquer ruído, de pouco brilho,
uma água sem rumo, parada pela dúvida, pela escolha do escuro,
parada pelo húmido musgo verde sobre a cor do granito,
o desequilíbrio do muro, tão forte na erosão dos ventos,
mas que treme no desfazer da terra, a possível perda,
o suporte que lhe serve de alicerce –
as notícias despedem o ministro italiano,
a Grécia é um desassossego sem dracmas,
o Mediterrâneo está morto de cansaço
e o peito bate de ritmos céleres, passadas de lebres,
naquele lado tão frágil dos medos, o esquerdo,
escorrendo como um choro, um desencanto próximo,
a possível perda, o quebrar dos espelhos –
não é tarde e não é cedo -
há uma chávena de chá preto em cima da mesa,
ainda quente.
a persiana corre como um comboio expresso,
de trilhos ao lado,
coloca a ténue fronteira de plástico
entre o quarto e a cidade, o opaco.
mas não decide o fim da transparência,
não elimina o singular, o mármore único da aura -
não é tarde e não é cedo -
há uma chávena de chá preto em cima da mesa,
interrompe-se o poema -
josé ferreira 10 de Novembro de 2011
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