domingo, 20 de março de 2011
Um poema de Ana Luísa
Mary Cassat "Auguste lendo com a filha" 1910
POESIA (OU PALIMPSESTO)
Limpa o cesto bem limpo,
mas deixa lá ficar sombra ligeira:
essa primeira sílaba.
Sobre ela,
podes encher o cesto com mais sílabas,
e até outras palavras.
Terás assim um cesto
que aos olhos de quem vê
é um cesto só teu,
onde escondeste as coisas
do costume dos cestos: flores, solidões,
rastilhos, bombas.
Foi limpo o cesto
aos olhos de quem vê,
mas tu sabes que não.
Que houve ali um momento de ladrão,
quando nele ficou
a sombra dessa sílaba.
E agora mostras
a toda a gente o cesto,
e não há sombra.
Há só a mão que surge
e pega no teu cesto,
o toma devagar.
E o olha com olhos de quem lê,
e o limpa muito limpo,
ao teu antigo cesto,
deixando lá no fundo,
disfarçada,
uma segunda sílaba.
Ana Luísa Amaral
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