quinta-feira, 12 de agosto de 2010
a cortina
no lugar parado da estrada
observo e escuto o outro lado do vidro
a cortina onde tudo fica:
uma mesa pequena, uma toalha bordada
uma bandeja clara e o espaço diagonal
de dois livros de capas esbatidas, antigos;
e não tem qualquer importância
porque a resistência é das letras
- a sua arte.
as roupas diminutas de uma noite curta
as pupilas erigidas na retina
e a música suave de toada
uma balada de cordas oscilantes
no auréola circular de uma guitarra
árabe, bonita, lugar de Alhambra.
as palavras dessa música
nem todas transportam significado
mas algumas abrem clareiras
o vislumbre de sombras
isoladas e profundas, são únicas
embalam e deslumbram
naquele verso que nos toca mais no fundo
e descobrem a pura certeza sem alarme
como um barco a deslizar, a tocar os braços
os abraços
sem ondas ferozes de mar.
não era preciso nomear, não foi
não é preciso nomear
esta linha recta e paralela
de um entendimento saltitante no olhar:
substituímos as migalhas das torradas
pelo sabor ainda fresco de um sumo de frutas
um odor de um pouco de menta
a vitamina C , o doce ácido da laranja
e o desejo ainda aceso, claro como a lua
- uma luz que prende, une, enleia, funde, imana.
vestimo-nos depois
e houve algum tempo para sentir
os primeiros sons da cidade
as primeiras aves das árvores
e algumas rotinas solidárias:
deitar flocos desbotados ao peixe
acariciar os gatos de pêlo encurvado;
as ondas da rádio tocavam uma peça de jazz
permanecemos um pouco junto à janela
enquanto se despediu a madrugada:
os primeiros autocarros, o eterno movimento
pessoas de sapatos altos, de sapatos rasos
o burburinho.
saí primeiro, abatido como um flamingo
sem qualquer líquido na secura do caminho.
vestias uma camisa branca
lembro-me da transparência.
seguro agora na mão fechada
como um símbolo
o outro lado do vidro, a cortina
onde tudo fica -
são precisamente sete e trinta.
o tempo não parou, não recua
é indigno -
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