segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Mar parece Azeite (poema de Sylvia Beirute)




















O MAR PARECE AZEITE


trago sinceridade no gozo e nas cenas definidas,
vivo no risco dos outros,
e por isso não sou feliz.
nada escondo nos poros das respostas.
nada me alcança do outro lado,
nada me sonha porque uma segunda adolescência
me não vaga uma angústia.
tudo sonho com psicologia quantitativa,
com o extravio propositado
de um silêncio que devora outro silêncio,
com o cultivo da nitidez
sobre a dogmática difusa de uma consciência
que gira sobre o seu eixo.
quero tirar-te todos os silêncios, meu auto-intruso
e caçador involuntário,
para entender a espessura deste acidente externo
de palavras
e ser transeunte no limite transfeito,
nas auto-promessas, tão frias de sentir e esquecer,
sem-tir e esque-cer, sentir-esquecer,
no meu infinito sustenido e directamente alheio.
hoje, às oito e quarenta, horário nobre, o mar
parece azeite,
transmudo o riso contabilístico e áspero, e
sou um miolo de frase feliz
na longinquidade que um estranho me reservaria.


Sylvia Beirute
inédito

4 comentários:

Joana Espain disse...

Olá Sylvia. Achei lindíssimos estes versos:
'transmudo o riso contabilístico e áspero,e
sou um miolo de frase feliz
na longinquidade que um estranho me reservaria'

Parabéns e bem vinda!

José Almeida da Silva disse...

Olá, Sylvia! Gostei imenso do poema.

Destaco a oposição "nada / tudo": «nada escondo (...)/ nada me alcança (..) nada me sonha / tudo sonho (...)». Lindíssimo, o título!

Temos poeta! Bem-vinda a omarpareceazeite.

josé ferreira disse...

Olá Sylvia
mais um belo poema com uma fluidez corrida um pouco diferente daquela que tenho lido. destaco alguns versos que também muito me agradaram: o inicio "trago sinceridade no gozo e nas cenas definidas" E "nada escondo nos poros das respostas"que transmite transparência, a meio "silêncio que devora outro silêncio"e "auto-promessas,tão frias de sentir e esquecer...no meu infinito sustenido e directamente alheio" e para além do versos finais que já foram salientados a forma como se pontua a paragem na cronologia do tempo "hoje, às oito e quarenta, horário nobre, o mar parece azeite"

Continua e volta a publicar.

Abraço

Teresa Almeida Pinto disse...

Cara Sylvia, muito obrigada por frequentar este espaço, que tão bem cuidado é pelo nosso amigo José, numa tarefa quase solitária, tal é o abandono egoísta que eu (mea culpa) e outros lhe damos.
Os seus poemas são lindíssimos, originais e com uma leveza (mesmo nas tristezas) extraordinária. Um gosto para ler, sentir e respirar.