Lá fora os relâmpagos iluminavam
A escuridão das ruas e o medo
Dos trovões e os raros transeuntes,
Os automóveis moviam-se a custo,
E a chuva transformava a cidade
Em rios de lama e mares de aflição.
Cá dentro a amizade destilava-se
Em conversas, unia os poetas à mesa
Dava lugar à memória longínqua
E próxima da poesia e dos poetas
E as provas tipográficas de toda
A poesia da poeta maior – 500 páginas –
Ali sobre a mesa e ainda dois livros
Que não vieram jantar, mas vão chegar
À gráfica e depois aos ávidos leitores.
Urdiram-se encontros mensalmente
– Não pode perder-se o hábito
Da reunião salutar da poesia –
Da Mestra e dos discípulos –
Aprender pede uma eternidade
Só assim se tece a liberdade
E se derrubam fronteiras
E as pulseiras com que as normas
Destinam o destino e o caminho.
[Uma pinga na mesa entrelaçava
O fora e o dentro e o momento.]
Leça da Palmeira – à beira-mar – é lugar
De ventos por achar. É lá que vive
Em memória o Nobre António
Do lado de lá da Casa de Chá
Desenhada por Siza, o Arquitecto.
E no interior da marítima cidade,
Junto à Igreja Matriz, repousa o Poeta.
Vive Só como sempre se sonhou
No meio de lembranças e saudades
Sem esperanças de voltar à Torre
De Anto. Os seus versos, um espanto.
Só desassossegos e lamentações.
Lá fora, sem dó, cai chuva a rodos,
Continua o vendaval em liberdade.
Era melhor a chuva de molha todos,
Saíamos para a rua e colhíamos Poesia
E se fosse início de Setembro engordava
As uvas – néctar de deuses e da alegria.
Cá dentro o relógio empurrava-nos para fora.
Saímos mesmo assim, aberto o guarda-chuva.
Os carros estavam longe. Veloz, o vento soprava
Rajadas fortes, indiscretas. E a casa lá longe
– Um paraíso ao alcance de uns quilómetros,
Simples versos, inscritos num recanto do presente.
(02.01.2010)
José Almeida da Silva
2 comentários:
[Uma pinga na mesa entrelaçava
O fora e o dentro e o momento.]
isto é algo muito bom, que retiro do poema.
Que me desculpem, mas gosto de destacar coisas boas ;)
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